Uma das vozes mais elevadas da oposição ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) não esconde. Já é candidato à presidência da República em 2022. Será a sua quarta tentativa. "Quarta e última", reconheceu, nesta terça-feira, 9, em entrevista ao programa Agora, na Rádio Som Maior. "Se eu sou candidato ou não, Deus é quem sabe", tangenciou.
Com um discurso recheado de críticas a Bolsonaro, Ciro relacionou as crises atuais, fez projeções preocupantes para o futuro do Brasil, apontou caminhos que adotaria em meio à pandemia de Covid-19 e comentou sobre a consolidação da democracia brasileira.
O futuro do Brasil
"Eu vejo com muita preocupação, mas que não me tira a esperança", definiu. Para Ciro, "o Brasil está entrando na pior crise da sua história, são três camadas de crise e não vemos a sociedade devidamente orientada para o enfrentamento".
Ao relacionar as crises às quais se refere, Ciro citou saúde, economia e política. "A crise sanitária já é a pior da história, o impacto dessa crise na economia, que já vinha muito mal das pernas, não há debate sereno nem equilibrado, a economia vai cair entre 6 e 11%. Na prática a tragédia já começou a explodir nas costas do nosso povo, cinco milhões de empregos foram destruídos", destacou.
Ciro faz uma projeção pessimista sobre o futuro do emprego no Brasil. "Vamos chegar no fim do ano com 20 milhões de brasileiros desempregados. E a mortandade empresarial não tem precedentes. Mais de 1,7 milhão de micro e pequenas empresas fecharam nos primeiros 70 dias da pandemia", disse. "E temos uma crise política que põe sob ameaça as nossas liberdades. Jornalistas sendo agredidos, os poderes da República sendo ameaçados de operar, uma brutal judicialização da política e o nosso povo sendo induzido a se enfrentar", opinou.
Democracia ameaçada?
Os opositores de Bolsonaro falam, com veemência, sobre eventuais ameaças à continuidade democrática do Brasil. Ciro acredita que algum risco existe. "Sim, mas não ao modo em que a propaganda faz. A ideia de um golpe militar com características de 1964 não tem chances, não há condição objetiva nem interna nem internacional" afirmou.
O ex-ministro aprofundou a crítica ao presidente da República. "Fica muito flagrante que o Bolsonaro está organizando uma milícia particular, capturando pedaços das polícias militares, são muito violentos, está recrutando pedaços da Polícia Federal, quebrando a hierarquia das Forças Armadas", comentou.
Ciro minimizou as críticas ao Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). "As duas instituições têm defeitos muito graves, a população não tem o melhor apreço pelo comportamento do Congresso, pelas notícias repetidas de corrupção. Agora, mesmo, o Bolsonaro está comprando com dinheiro público e cargos o Centrão, que é liderado por bandidos condenados", bateu. "Se há corrupção, e de fato há, é de uma minoria. Como instituição o Congresso tem exercido um importante papel", emendou.
Sobre o STF, o pedetista vê esperanças. "O STF, na percepção popular, representa um Judiciário elitista, mas temos que lembrar que isso é defeito de funcionamento. Nesse momento para o STF vão todas as nossas esperanças", sublinhou.
Quando indagado a respeito do seu alinhamento ideológico, se mais à esquerda ou á direita, Ciro defendeu que "nós precisamos de uma aliança entre o centro e a esquerda, e é nessa posição que faço minha militância. O centro reconhece a força da iniciativa privada, e a esquerda se preocupa com a sorte do trabalhador e com a sustentabilidade ambiental. Precisamos somar, e não há contradição nisso. O mundo que cresceu conseguiu um bom acordo entre produção e trabalho", relacionou.
Críticas a Paulo Guedes
Ciro Gomes foi ministro da Fazenda em 1994, no início do Plano Real e no começo do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com essa experiência, ele criticou o trabalho de Paulo Guedes atualmente à frente do Ministério da Economia. "O Paulo Guedes não é uma pessoa que eu não tenha respeito por ele, eu tenho. Mas ele não conhece o Brasil, não tem ideia do tecido econômico brasileiro", referiu. "Ele se formou nos Estados Unidos e a partir dos anos 80 veio ganhar dinheiro no Brasil com a especulação financeira. Ele não conhece uma fábrica, não sabe quanto custa uma saca de semente de milho", citou.
Para o presidenciável, Paulo Guedes não sabe o que fazer diante da crise atual. "Essa pandemia pegou o Brasil já muito debilitado, e causou uma parada cardíaca. Ele está tonto, e não sabe o que fazer. O Guedes está produzindo o pior déficit da história multiplicado por quatro. O déficit está projetado em R$ 670 bilhões, quando o maior da história foi R$ 130 bilhões", observou. "Eles quebraram o Brasil", complementou.
Na pandemia, faria diferente
Se Ciro Gomes tivesse vencido a eleição de 2018, estaria hoje presidente e diante de uma pandemia de Covid-19. Mas como ele se portaria? Faria algo diferente de Bolsonaro?
"Eu diria pra você que sim, faria tudo diferente. Primeira grande questão é se guiar pela ciência, pelos cientistas. O presidente é o líder, tem que consultar a inteligência especializada quando enfrenta problemas desconhecidos", considerou.
Uma das iniciativas que Ciro defendia, no princípio da pandemia, era um decreto de lockdown absoluto no Brasil. "Eu teria uma representação da comunidade científica e teria decretado um lockdown radical. Se você faz o isolamento social e radical, interrompe a contaminação. Se fizer bem feito por 15 dias, a pandemia acaba. E o efeito econômico de 15 dias é menos pior que o que estão fazendo agora", detalhou.
Outra ponderação de Ciro é sobre o auxílio emergencial. "Eu teria imediatamente, de uma vez, feito chegar R$ 1,8 mil que eles picaram em três vezes. Para ter lockdown radical, tem que indenizar as pessoas, em vez de chamar as pessoas para a fila da Caixa, teria mandado o cartão de débito pelo Correio", apontou.
A partir de uma ação movida pelo PDT, o Superior Tribunal Federal (STF) determinou a autonomia de prefeitos e governadores para tomar medidas de contenção ao novo coronavírus. Para Ciro, isso só ocorreu por falta de iniciativas de agregação por Bolsonaro. "Isso é uma estupidez que só acontece no Brasil. Em hora de tragédia humana, o líder convoca todo mundo para desarmar a oposição, abrir um diálogo e todo mundo pegar junto para atravessar a tragédia. Sempre foi assim na história da humanidade", narrou.
"Faz sentido estar brigando para defender STF, Congresso e liberdade de imprensa? Na hora que estão morrendo milhares de pessoas", questionou. "O Bolsonaro é um desagregador. Em um país como o nosso, se todo mundo pegar junto já não é fácil. O Bolsonaro já pegou o Brasil muito mal, já estava quebrado da Dilma para o Micher Temer", esmiuçou. "Em vez de constranger a oposição a cooperar, nada", emendou. "Ai do Brasil se não tivéssemos garantido via STF a autonomia dos governadores. Estamos poupando dezenas de milhares de vidas", completou.
Críticas à Globo
Os defensores do presidente Bolsonaro são muito críticos da postura da Rede Globo. Ciro Gomes comentou a respeito. "Eu não sou o maior admirador da linha editorial da Globo, uma linha de difamação, somem com as pessoas que não querem dar voz. É uma característica do conglomerado de imprensa nacional, são cinco famílias que jantam e combinam", relacionou. "Numa hora de pandemia, essas coisas têm que ser arbitradas pela ciência. Isso não admite palpite", sublinhou. "A Globo está em linha com a ciência ou o Bolsonaro está em linha com a ciência?", indagou.
Ciro relembrou, em tom crítico, pinçou detalhes do comportamento do presidente. "O presidente que desmobiliza a população dizendo que é uma gripezinha. Me choco com um político recomendando remédio na televisão", frisou.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está julgando denúncias que visam a cassação da chapa Bolsonaro e Hamilton Mourão (PRTB), quando da vitória na eleição de 2018. A principal denúncia aponta possíveis abusos na campanha do preisdente. "Quem está nos ouvindo recebeu mensagem falsa em grupo de WhatsApp. Isso custa milhões de reais, muitos milhões", respondeu Ciro. "De repente chegou mentira, destratando adversários, acusando adversários de ser a favor da sexualização das crianças, todo mundo do Brasil sabe que isso é verdade", relacionou. "Eu acho difícil que o TSE faça o que tem que fazer, mas que o Bolsonaro usou e abusou de dinheiro sujo não declarado, isso está muito claro", concluiu.
A frente ampla e o seu livro
Em recente entrevista à GloboNews, Ciro esteve com Marina Silva (Rede) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Desde então, avolumaram-se os comentários sobre a possível formação de uma frente ampla com foco em um projeto alternativo a Jair Bolsonaro para 2022.
"O tempo urgente requer um debate entre os diferentes. Salvar vidas, estamos juntos, não interessa se é esquerda, direita, centro. Segundo, salvar empregos, estamos destruindo nossa estrutura produtiva, tem que deixar de lado as nossas diferenças para que salvemos empresas e empregos. E o mais grave e urgente, para quem está de bucho cheio, a preocupação com a democracia e as liberdades. Defender a democracia não é assunto da esquerda, é assunto da direita, do centro democrático", considerou Ciro.
Para o presidenciável, o momento atual tem total relação com erros cometidos pelo PT enquanto governava o Brasil. "Entender o que aconteceu para o nosso país chegar ao fundo do poço. Na minha opinião, foi uma mistura de desastre econômico e estelionato eleitoral promovido pelo PT. O que levou o povo brasileiro a votar com ódio em Bolsonaro, sem perguntar de onde ele não vinha, porque havia um ódio compreensivo com essa mistura terrível de uma crise econômica, a maior da história que a Dilma produziu, de uma corrupção generalizada que levou o Lula para a cadeia, e do estelionato eleitoral", avaliou.
Ciro falou, também, sobre "Projeto Nacional, o dever da esperança", o seu livro que está sendo lançado em todo o Brasil. "É o quarto livro que eu escrevo mas esse é, disparado, o livro que mais estou gostando de lançar", revelou.
PT, PSDB e a quarta tentativa
Antes de Bolsonaro, a cena política brasileira era dividida entre PT e PSDB. Para Ciro, é uma fase que está acabando. "Estamos encerrando um ciclo. Tivemos uma polarização de duas faces da mesma moeda, PSDB e PT, um preocupado com o econômico e outro com o social, mas a mesma matriz. Pagaram os maiores juros do mundo, administraram taxa de câmbio de forma artificial, criando consumo que ilude e depois quebra, como quebrou com Fernando Henrique e Dilma", criticou.
Para o pedetista, tucanos e petistas já estão perdendo espaço nas urnas. "O país já desmoralizou eleitoralmente o PSDB e o PT ainda não, pois ainda tem alguma raiz popular, isso agora está se decompondo de forma generalizada pois o PT aceitou ser o partido moldura de uma personalidade só", opinou. "Me parece que o povo vai procurar um novo começo", emendou.
Ciro foi candidato a presidente em 1998 e 2002 (pelo PPS) e voltou em 2018, pelo PDT. Em 2022 será a quarta tentativa do ex-governador do Ceará de tentar chegar ao Palácio do Planalto. "Quarta, e espero que última. Eu não tenho direito de dizer que não quero ir mais. Eu represento uma força, o PDT, o trabalhismo, em diálogo com PSB, PV e Rede, temos trabalhado juntos, vamos oferecer uma proposta concreta, queremos participar do debate", salientou. "Se eu sou candidato ou não, Deus é quem sabe. O que vai acontecer no Brasil é tão grave que precisamos nos proteger na vida, nos empregos e na democracia. Vai acontecer uma convulsão muito grande e espero que saiamos em paz dela", finalizou.
Nas últimas eleições, Ciro terminou a disputa em terceiro lugar com 12% dos votos, e ofereceu apoio a Fernando Haddad (PT) no segundo turno.