Lembro que quando eu era criança, uma única barra de chocolate era suficiente para saciar uma turma de crianças. Quando era para uma ou duas apenas, era normal que fosse consumida em períodos, guardando um pouco para depois. Afinal de contas, uma barra de chocolate é muita coisa pra comer sozinho, certo?
Hoje em dia, se eu abro uma barra lá em casa ela dura minutos. Dependendo da situação, nós (dois adultos e uma criança) dão conta de duas barras tranquilamente. Mas por que essa diferença? Será que desenvolvi uma gula irresistível nesses anos ou perdemos a noção de limite? Nem uma coisa, nem outra. O problema é a barra.
Quando citei a barra da minha infância (anos 90s), eu estava falando de uma tábua espessa de 200 gramas divididos em quadrados grandes. Quando vemos hoje nas gôndolas, estamos falando de uma embalagem tímida, de 90 gramas e com conteúdo tão fino que não é incomum que algumas das barras quebrem pelo simples manuseio. Para se ter uma ideia melhor, para juntar 1 kg de chocolate precisávamos apenas de cinco barras. Atualmente onze não são suficientes.
Essa redução de porções tem um nome: reduflação (shrinkflation, em inglês). E acontece não só com chocolate, mas também com papel higiênico, pasta de dente e diversos outros produtos.
Uma barra é uma barra
Estamos vivendo, por conta da crise econômica desencadeada pela pandemia de 2020 (e mal enfrentada pela equipe econômica), um período de inflação sensível e doída. O IPCA está acumulado em 10,25% nos últimos 12 meses, a gasolina, em Criciúma, acumulou alta de mais de 43% apenas em 2021, o patinho (corte de carne comum na mesa dos brasileiros) subiu cerca de 30% e por aí vai.
Essa onda de aumentos atinge a todos (de fornecedores a consumidores finais) e, invariavelmente, deve ser repassada para o preço dos produtos finais. Caso contrário, as margens dos elos da cadeia produtiva se reduzem a ponto de não valer a pena produzir.
Admita que você está desconfortável com essa situação. Ver os preços subindo dói, causa raiva, “dá ranço”. É um efeito psicológico baseado em vieses comportamentais, sendo o principal deles a ancoragem, que é quando você se baseia num valor anterior para avaliar o valor atual. Algo como “35º nem é tão calor já que aqui a temperatura chega a 42º”.
Sabendo disso, alguns setores da economia acabaram encontrando há alguns anos uma maneira de tapear o cérebro do consumidor. Se o que incomoda é o aumento do preço, é só deixar o preço como está. Genial, não?
Mas a inflação é real, é preciso administrar as margens, que se achatam, e tudo aquilo que eu expliquei acima. Como fazer isso sem mexer no preço? Reduzindo as porções. Afinal de contas, inconscientemente, entendemos que pagávamos R$ 5 por uma barra de chocolate e continuamos pagando R$ 5 por uma barra de chocolate. A redução de mais de 50% no tamanho dessa barra é menos perceptível ao longo do tempo.
Em 2017, em uma matéria sobre o tema para a revista Exame, Renata Martins, analista de pesquisa e especialista em alimentos embalados da Euromonitor, explicou que “ao reduzir o tamanho das embalagens, o custo (do produto) por quilo ou litro se torna maior, mas o consumidor não sente tanto essa diferença no bolso”.
E nessa explicação da Renata fica claro outro ponto importante para a prática: funciona com embalados, principalmente aqueles que não são porcionados em um ou meio quilograma.
Gasolina, verduras, frutas e carne são, via de regra, vendidos a granel, por peso ou volume. Um litro de gasolina é um litro de gasolina. Não dá para reduzir a embalagem para 750 ml e vender pelo mesmo preço. Ao comprar uma peça de picanha, mesmo que esteja embalada na gôndola, é escolhida por peso.
Um item básico que comporta esse tipo de estratégia, e já foi até destaque no Jornal Nacional, é o papel higiênico. No início dos anos 2000 tiveram os rolos reduzidos de 40 para 30 metros. 25% de redução não é pouca coisa. Atualmente há registros de consumidores reclamando de marcas vendendo rolos de 20 metros.
Outros produtos que merecem destaque por reduções recentes são farofa pronta (200g para 170g) e farelo de aveia (200g para 165g).
Vale ressaltar que cortar o tamanho das embalagens não fere o código de defesa do consumidor, desde que os rótulos deixem claro que houve a redução e de quanto. Essas informações devem ficar disponíveis por pelo menos três meses, segundo o Procon.
Tudo bem, tudo bom, mas não mostrei ainda como entender o efeito. Em 2010, segundo um encarte da época, um pacote de 154g da bolacha recheada Trakinas custava R$ 1,38. Hoje o pacote está com 126g (18% menor) e custa R$ 2,39 (73% a mais). Se igualarmos o tamanho, voltando aos 154g de 11 anos atrás, o pacote hoje custaria R$ 2,92 (112% de aumento). Essa é a magia da reduflação.