Em meados da década de 1970, o movimento antimanicomial começou a ganhar força no Brasil. À época, surgiram denúncias sobre as condições degradantes - dos choques elétricos às camisas de força - em que pessoas eram submetidas em hospitais psiquiátricos. No entanto, devido ao regime militar, vários denunciantes foram demitidos.
Muitas das mudanças que vieram a seguir tiveram como fonte de inspiração o psiquiatra italiano Franco Basaglia, responsável por revolucionar a abordagem de pacientes com transtornos mentais.
Em 1989, o projeto da reforma psiquiátrica no Brasil foi apresentado pelo então deputado Paulo Delgado. Porém, somente 12 anos depois, o texto obteve aprovação. A partir daí, a conhecida Lei da Reforma Psiquiátrica e Antimanicomial (Lei nº 10.216/2001), resultou no fechamento gradual dos manicômios e hospícios pelo país.
Um ano mais tarde, em 2002, o Ministério da Saúde determinou a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). O órgão os define como “espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais, em tratamento não-hospitalar. Sua função é prestar assistência psicológica e médica, visando a reintegração dos usuários à sociedade”.
O primeiro CAPs
Há 18 anos, Criciúma abriu as portas do primeiro Centro de Atenção Psicossocial, o CAPs II, para tornar o serviço de saúde mental mais humanizado e acolhedor. E, também, permanente e contínuo. Localizado na Rua Paulo de Frontin, no bairro Santa Bárbara, a unidade conta, atualmente, com 221 usuários ativos.
No local, são atendidos todos os pacientes que apresentam algum sofrimento psicossocial e transtorno mental grave, inclusive, pelo uso de substâncias psicoativas. E existem diversos meios pelos quais as pessoas começam a frequentar um desses centros.
“Ele pode estar passando aqui na frente e ver a necessidade de entrar, nós vamos acolhê-lo. Mas, geralmente, a unidade de saúde encaminha para nós, lá é a porta de entrada. Nós fazemos o acolhimento. Durante a escuta, avaliamos se ele será inserido em um grupo terapêutico ou não”, explica a coordenadora do CAPs II, Kênia Peplau Ortolan Neves.
Para participar das atividades desenvolvidas, é necessário passar por uma avaliação profunda, que considera desde o histórico familiar até o uso de medicamentos. Isso porque o diagnóstico correto se faz indispensável para indicar o tratamento mais efetivo. “O paciente não vem ao CAPs só para o atendimento médico, porque trabalhamos com uma equipe multidisciplinar”, reforça.
Um serviço público, gratuito e completo
Psicológos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, cozinheira, nutricionista, educador físico. Esses são alguns dos profissionais encontrados nos CAPs. Ainda, as unidades contam com o apoio de residentes da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).
Assim, após a triagem, o usuário é direcionado aos grupos de trabalho. Além das terapias individuais e coletivas, as oficinas de artesanato, dança e teatro são algumas das opções oferecidas pelos centros.
É importante destacar que os serviços são inseridos na rotina dos usuários e, por esse motivo, eles não moram em CAPs, diferente de como funcionava na época dos manicômios. “Fazemos de tudo para não internar os pacientes, tentamos sempre tratá-los aqui, mas, existem casos em que precisa”, explica a coordenadora. Para as situações em que a internação é recomendada, o usuário é direcionado ao Caps III.
Em momentos de crise, relata Kênia, é fundamental que o paciente seja estabilizado para, depois, ser recebido no centro. “Quando a gente vê que já houve uma melhora do episódio, ele não fica mais intensivo. Estabelecemos alguns dias para ele vir. Procuramos estabelecer que esse usuário se recupere mais rápido para voltar a ser inserido na sociedade”, esclarece.
O acolhimento é essencial
A depressão impacta significativamente a rotina de uma pessoa, uma vez que ela pode sentir dificuldade de fazer as coisas mais simples do dia. Há quase duas décadas, Susana Antunes* convive com a doença. Mais tarde, o diagnóstico também apontou Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), bipolaridade e ansiedade.
Mas, há quatro anos no CAPs II, viu a sua vida ser transformada por meio do acolhimento multiprofissional e humanizado em um espaço que pode, de certa forma, chamar de lar. Hoje, ela participa de oficinas de artesanato e compartilha suas vivências com outras pessoas.
O CAPs é a minha segunda família. Eu amo vir para cá. Vejo que existem pessoas em situações mais críticas que a minha. Frequento o grupo de terapia com a psicóloga Mara, que é um ser humano incrível. É um grupo de sete pessoas onde cada um conta a sua história. Podendo ajudar, a gente dá uma opinião. Trocamos ideias sempre”
- Susana, usuária do CAPs II
Como muitos usuários, Susana foi encaminhada à unidade por meio de atendimento psiquiátrico em um posto de saúde do município. “Essa depressão eu tive quando ganhei a minha filha, há 19 anos. Então, nesta história, eu moro mais aqui do que em casa. Eu passei pelo CAPs III duas vezes e agora estou aqui no CAPs II. Os funcionários são maravilhosos. Os psiquiatras são pessoas simples, humildes, bem queridas. A gente precisa e eles estão ali. Aqui é muito bom”, comenta.
Neste sentido, o trabalho dos CAPs tem muito a ver com o combate ao isolamento social e o fortalecimento da autonomia das pessoas com transtornos mentais.
Há relatos de muitos pacientes que chegaram aqui e não tinham condições nem de caminhar de tanta medicação que estava sendo usada. E, hoje, eles vêm aqui sozinhos, de ônibus ou à pé, conseguem conversar. É muito gratificante ver a evolução deles, tanto para a equipe quanto para o paciente”
- Kênia Ortolan Neves, coordenadora do CAPs II
"É uma doença como qualquer outra"
Dentre os CAPs existentes em Criciúma, o segundo a ser implantado foi o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (AD), em 2007. Localizado na Rua João Batista Rita, na Grande Santa Luzia, o espaço atende, mensalmente, cerca de 300 usuários do sistema. O público-alvo são pessoas que possuem transtornos em virtude do uso das substâncias descritas na nomenclatura.
A reportagem do Portal 4oito esteve um uma reunião do CAPs Álcool e Drogas (AD). Na ocasião, residentes da Unesc fizeram a mediação entre os usuários. Na pauta, a história de cada um deles. Alguns quiseram falar, outros preferiram manter-se em silêncio. Por trás de suas vozes, seres humanos que guardam pedaços de suas trajetórias regadas à angústia e receio, mas, com os corações abertos à superação.
Antônio Marques*, de 47 anos, era um dos mais falantes. Pela sua voz, era nítido: carregava muitas memórias. Após a reunião, ele procurou a reportagem e disse que estava prestes a lançar um livro. A expectativa era concluir em março do ano que vem. A obra deve contar sua história e de tantos outros amigos e colegas da vida. Muitas páginas, umas 300, garante o gaúcho radicado em Santa Catarina.
Mas, que história Antônio Marques* carrega? Ele nos contou. “Tudo começou quando meu pai morreu. Eu tinha 13 anos, mas já estava na rua desde os nove. Viemos de uma família grande, minha mãe cuidava de todos. Os maiores cuidavam dos pequenos. E aí, eu coloquei uma caixa de engraxar nas costas e fui pra rua. Até hoje, não voltei a morar em casa, só vou para ajudar”, detalha.
“Entrei na droga por causa de uma namorada, devido ao ciúme. Aí, depois, veio um filho, daí eu mudei de padrão, virei gente. Criei como um exemplo de pai. Quando ele tinha oito anos, a mãe dele me mandou embora”, conta Antônio*. Após três dias virando a noite usando crack, o usuário do CAPs subiu em um pinheiro, sob efeito das drogas. Ele caiu de 17 metros. O impacto, físico e mental, foi tanto, que ali ele decidiu procurar ajuda.
Desde então, há 13 anos, ocorreram algumas recaídas, mas a força de vontade está em primeiro lugar. Antônio* está há 75 dias limpo das drogas. ”Poucas pessoas querem te ajudar, então, você tem que procurar instituições, tipo o CAPs . Gente que vai te dar ouvidos”, frisa. “Aqui eu encontrei o que estava procurando. Diálogo, conhecimento, autoajuda, mas sem drogas”, completa.
[o texto continua após o vídeo]
Antônio Marques* conta como chegou ao CAPs AD:
O CAPs AD trabalha a reinserção, autonomia e assertividade com relação aos usuários de drogas e álcool. “A gente realiza atividades em grupo - externas ao serviço -, e atendimentos individuais. Pensamos no cuidado de rede ampliada, inclusive, fazendo com que essa pessoa possa acessar, também, no seu território, serviços de saúde que lá estão instalados”, explica a coordenadora da unidade, Grasiela Deboita Gregorio.
A gente realiza atividades em grupo - externas ao serviço -, e atendimentos individuais. Pensamos no cuidado de rede ampliada, inclusive, fazendo com que essa pessoa possa acessar, também, no seu território, serviços de saúde que lá estão instalados”
- Grasiela Deboita Gregorio, coordenadora do CAPs AD
São profissionais das mais diversas áreas, a exemplo dos demais CAPs do município. O objetivo é trabalhar de maneira multidisciplinar, atendendo todos os campos da vida dos pacientes, com foco na saúde física e mental.
Cerca de 90% dos usuários, segundo Grasiela, vêm ao CAPs AD por demanda espontânea. “Ou porque ouviram de um amigo ou alguém indicou. A gente tem, com a dependência química, um estigma muito forte, um preconceito muito grande com relação às pessoas que usam drogas. Por isso, elas acabam não indo para uma Unidade de Saúde antes. Vêm direto pra cá”, detalha.
Ao chegar no CAPs AD, o usuário passa por uma triagem, onde são colhidas informações sobre a sua saúde e dados básicos de cadastro. “É meio que um levantamento clínico desse paciente. Depois, ele vai para outra sala, com outro profissional, que fará a escuta desse sujeito, com relação ao uso e a droga. É uma conversa mais profunda”, pontua a coordenadora.
O trabalho desenvolvido pelo CAPs AD vai além do tratamento pautado só na abstinência dos usuários. “A gente pensa no cuidado e na melhoria da qualidade de vida. Então, se a pessoa ainda quer fazer o uso de alguma substância, que ela consiga se organizar, se inserir no mercado de trabalho e reorganizar vínculos”, detalha Grasiela. “A equipe busca tirar o caráter moralista, porque a nossa função aqui não é avaliar e julgar”, acrescenta.
Muitas vezes, para o paciente, a droga é uma fuga da realidade. “Temos que pensar não só no usuário, que é o ‘problema da família’, mas avaliar que existe todo um caminho disfuncional que favorece aquele uso. Eu digo várias vezes que quando tu falas em dependência química, não tem mocinho e ladrão, tem pessoas que são responsáveis”, enfatiza Grasiela.
Eu digo várias vezes que quando tu falas em dependência química, não tem mocinho e ladrão, tem pessoas que são responsáveis”
- Grasiela Deboita Gregorio, coordenadora do CAPs AD
Por isso, o trabalho é desenvolvido de forma técnica pela equipe multidisciplinar. “É uma doença, como qualquer outra. E a gente vai tratar. Não é mal-caratismo, nem vergonha na cara. É como se fosse uma pessoa diabética, hipertensa, com asma crônica. Sim, em determinado momento eles escolheram usar, mas hoje não têm essa opção de escolha”, comenta a profissional.
Ressignificar. Esse é um dos principais objetivos dentro do centro. “A droga está ali, ela vai existir para sempre. Agora, a relação que eu estabeleço com ela é o que me faz ou não ficar dependente. Então, temos que transformar essa relação, que às vezes pode ser amor ou ódio”, frisa.
Cuidado em liberdade
A autonomia proposta pelo centro dá aos usuários a possibilidade de escolherem qual caminho tomar diante das consequências. “Não é porque tu vens para o CAPs hoje, que vais parar de usar droga. Pode ser que ele saia daqui hoje e use. Mas, a questão é manter firme o pensamento de querer melhorar. E ele pode usar, desde que consiga se reorganizar. É um processo. Nada é de uma hora para outra. Às vezes leva uma vida inteira”, reforça Grasiela.
Cuidado à disposição 24 horas por dia
No Estado de Santa Catarina, existem apenas dois CAPs III. Em Criciúma e Joinville. O modelo oferta cinco vagas de acolhimento noturno e funciona 24 horas por dia. Os atendimentos são voltados às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, inclusive, pelo uso de substâncias psicoativas. Os serviços são semelhantes ao II, exceto pelo horário ampliado.
“A rotatividade é grande, porque a gente dá suporte para o município inteiro. Então, os outros CAPs podem encaminhar para os leitos casos de desestabilização e de risco à vida envolvido. Somos a retaguarda da Saúde Mental. No período noturno, feriado e fim de semana, atendemos os acolhimentos de emergência que vêm até nós também”, explica a coordenadora do espaço, Mariana Darolt Côrrea.
Somos a retaguarda da Saúde Mental. No período noturno, feriado e fim de semana, atendemos os acolhimentos de emergência que vêm até nós também"
- Mariana Darolt Côrrea - coordenadora do CAPs III
Os leitos são utilizados quando a pessoa não tem suporte e não consegue fazer um ajuste de medicação; há risco e ideação de suicídio; além de casos de psicose, alucinações e delírios. “Existem várias indicações, mas tem um critério importante: não fazemos involuntariamente, o usuário tem que aceitar estar aqui”, enfatiza a coordenadora do espaço.
Em casos involuntários, a família responde pela internação ou quando é compulsória, a Justiça encaminha para o CAPs III. “Se o usuário não aceitar, os profissionais precisam fazer procedimentos involuntários, como a contenção química e mecânica. Isso tem que ser feito em um ambiente hospitalar, aí usamos o sistema de regulação de leitos”, detalha Mariana.
Uma das alternativas para acompanhamento, sem ser o leito, é o Plano Integral. Ele é desenvolvido pela equipe multiprofissional. “Neste caso, a pessoa está em risco, só que a família trabalha e não tem como cuidar. Então, ela passa o dia no CAPs e só dorme, à noite, em casa. Durante o dia ela é acompanhada, assistida e participa das atividades aqui“, acrescenta a coordenadora.
Mas, além do serviço ofertado através dos leitos, são aplicadas inúmeras atividades pela equipe multidisciplinar, que são fundamentais para a melhoria dos usuários. “Há trabalhos com artesanato, pintura, corte e costura; outras mais reflexivas, de leitura. Existem também os grupos de psicoterapia, para quem consegue se perceber; outros na linha de expressão e arte, para os usuários mais crônicos; educação em saúde, com orientações educativas”, conta a coordenadora.
Há trabalhos com artesanato, pintura, corte e costura; outras mais reflexivas, de leitura. Existem também os grupos de psicoterapia, para quem consegue se perceber; outros na linha de expressão e arte, para os usuários mais crônicos; educação em saúde, com orientações educativas”
- Mariana Darolt Côrrea - coordenadora do CAPs III
Atualmente, o CAPs III tem 430 usuários ativos. Mas, desde o início, quando foi implantado, em 2009, cinco mil pessoas já passaram pelo espaço, que fica localizado na Rua Almirante Barroso, no bairro Michel.
“A gente trabalha com muitos acolhimentos e reacolhimentos, porque dentro da Saúde Mental, quando o paciente chega aqui, costumamos dizer que tudo se quebrou. Já teve um furo lá no social e na educação. Eles chegam aqui muito fragilizados. Aí, de repente, estão em um lugar que tem uma equipe multiprofissional que está lado a lado. Para trabalhar essa alta, é muito complicado. Sem falar nas refeições, a gente sabe que muitos não têm nem o que comer em casa”, detalha a coordenadora.
Eles chegam aqui muito fragilizados. Aí, de repente, estão em um lugar que tem uma equipe multiprofissional que está lado a lado. Para trabalhar essa alta, é muito complicado. Sem falar nas refeições, a gente sabe que muitos não têm nem o que comer em casa”
- Mariana Darolt Côrrea - coordenadora do CAPs III
Os pacientes dos CAPs são acolhidos desde a chegada nos espaços, bem como, durante as atividades e serviços. “Temos reuniões de equipe para conversarmos e discutirmos sobre o projeto terapêutico singular de todos os novos usuários, que foram acolhidos e também dos que já estão com a gente, a fim de modificar e aprimorar. Fazemos esse projeto o mais singular possível, voltados para as potencialidades e respeitando as subjetividades deles”, frisa Mariana.
Substitutivos aos manicômios
Como já descrito pela reportagem, os CAPs foram criados como substitutivos aos manicômios. Por isso, a luta é contra esse sistema de tratamento, que, historicamente, fragiliza os pacientes.
“É necessário ter um hospital psiquiátrico como tinha no Rio Maina? Os CAPs estão aí para provar que não. A gente precisa de internação hospitalar, porque a nossa briga, quem trabalha na Saúde Mental, é contra o manicômio. Alguma hora, o usuário vai se desestabilizar e precisar do leito, mas não um depósito com todas as pessoas largadas lá”, enfatiza Mariana.
“É um trabalho de formiguinha”
Por isso, o objetivo é romper com o ciclo de internações. “Estamos aqui para fazer a reinserção social deles e devolver a autonomia. É um trabalho de formiguinha, mas o que a gente consegue é bom e gratificante”, desabafa a coordenadora. “Tentamos trabalhar o protagonismo do usuário. Essa é uma parte que contém um desafio muito grande”, completa.
Impacto da pandemia na saúde mental
São diversos os motivos que desencadeiam transtornos mentais. Mas, um ano de isolamento social e, muitas vezes, o luto pela perda de entes queridos, foram situações impactantes vividas por milhares de pessoas. Dados oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou 25% após a pandemia de Covid-19.
Toda esta mudança na rotina trouxe efeitos negativos também para crianças e adolescentes. O Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil, CAPsi, percebeu o aumento da frequência e da gravidade dos casos. “Tivemos um aumento das questões de ansiedade, isolamento e até de autolesões. Foi realmente um prejuízo para a saúde mental, já que eles foram privados do convívio social”, enfatiza a psicóloga da unidade, Fernanda Zeferino Gomes.
Inaugurado em 2011, o CAPsi recebe, em média, 110 crianças e adolescentes ao longo da semana no contraturno escolar. Atualmente, o centro está instalado na Rua Mário Gregório, também no bairro Santa Bárbara. Da mesma forma como as demais unidades, seus usuários participam de grupos terapêuticos; avaliação psicológica, psiquiátrica, social e de enfermagem; além de atividades voltadas para a educação, esporte, cultura, lazer e trabalho. Quando oportuno, os profissionais também realizam visitas domiciliares e na escola.
CAPsi, enquanto serviço de saúde mental, nunca parou. Tivemos adaptações em relação aos grupos, como reduzir o tamanho, fazer uma carga-horária menor e suspendê-los durante um tempo. Os atendimentos e as visitas continuaram, mas adaptamos tudo o que poderia. Isso foi importante porque criamos um vínculo mais forte. Não teve escola, atividade no Cras (Centro de Referência de Assistência Social), um esporte coletivo que fazia teve que parar. O espaço que eles tinham de escuta e acolhimento era aqui”
- Fernanda Zeferino Gomes, psicóloga do CAPsi
O olhar atento para a infância e adolescência
O espaço está habilitado a receber pacientes de zero até 17 anos incompletos. Apesar disso, os primeiros sintomas começam a ser notados a partir dos cinco anos, quando pode surgir também a necessidade de um serviço multiprofissional. Hoje, a maior parte da demanda atendida pelo CAPsi, cerca de seis a cada dez, são de adolescentes.
“Acredito que a diferença se explica porque na adolescência aparece mais por conta da inserção no mercado de trabalho e do aumento das relações sociais. Por isso, na infância não aparece tanto”, avalia Fernanda. A psicóloga explica também que, em menores de 11 anos, a demanda é maior em meninos, especialmente, por conta da hiperatividade.
Em razão disso, prestar atenção nos detalhes do comportamento dos pequenos e dos jovens deve fazer parte do cotidiano. Isolamento social, evasão ou prejuízo escolar, conflitos familiares e automutilação são indícios de que algo não vai bem. Em contrapartida, a promoção do diálogo e da escuta sem julgamentos - como é desenvolvido no CAPs - vem como um fator protetivo imprescindível.
O reforço das relações afetivas junto aos pais, família e amigos, é igualmente importante. “A cada 15 dias, temos uma roda de conversa só com os familiares. Também é um espaço de troca de experiências, acolhimento e orientação. Eles levantam as temáticas e nós mediamos”, comenta a psicóloga.
Assim como nos demais centros, as unidades de saúde encaminham os pacientes e também existem aqueles que chegam por demanda espontânea no CAPsi. Ainda assim, existem crianças e adolescentes vindos por meio do sistema judiciário, órgãos de proteção e serviços de assistência social.
“O CAPs faz parte de um serviço de reinserção familiar, de ressocialização. É promoção e acompanhamento de saúde, para que eles possam frequentar esse serviço, mas que não deixem de frequentar a aula, de estar em outras atividades de convívio. Trabalhar a reinserção daquilo que eles tão tendo prejuízo, se é social, se é retorno para a escola, se é a estrutura familiar que precisa ser trabalhada”, enfatiza.
Outro ponto destacado por Fernanda é a rede de apoio criada entre os profissionais de diversas áreas do CAPsi. Como, por exemplo, se um usuário apresenta um transtorno alimentar, ele também pode ter acompanhamento nutricional, além da psicoterapia.
“Quem trabalha aqui faz muito a defesa de que é um serviço público e é de qualidade. É um espaço onde se tem uma equipe multidisciplinar. Traz um impacto em que conseguimos atingir todas as áreas de demanda da saúde mental e somos a ponte para outros serviços também. Tivemos aqui adolescentes que foram inseridos no Jovem Aprendiz, crianças que hoje fazem parte da Fundação Municipal de Esportes. É um dos fatores mais importantes para a evolução da saúde deles”, conclui.
*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.