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Cicatrizes de uma nova vida: o uso da doulagem como proteção no trabalho de parto

Especialistas em apoio físico e emocional, as doulas são as responsáveis por impedir casos de violência obstétrica durante o parto

Anita Dela Vedova e Julia Felicio (*), acadêmicas da UniSatc Criciúma, SC, 12/07/2022 - 13:11
Fotos: Reprodução
Fotos: Reprodução

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O trabalho de parto é um processo desafiador que varia de mulher para mulher. A experiência variada pode deixar diversas cicatrizes, tanto físicas quanto emocionais. Em busca do conforto, o  apoio da família e dos médicos durante o trabalho de parto é importante para a tranquilidade da gestante. Em determinadas situações algumas mulheres optam por contratar especialistas, conhecidas como doulas, para dar esse apoio.

O sistema de doulagem tem como um de seus objetivos dar segurança para a gestante durante o processo de gestação e de parto. “A doula é a mulher que serve outra mulher. Somos nós as responsáveis por te deixar segura. Eu vou ser teu porto seguro, vou ser quem tá ali te segurando e dizendo ‘tu consegue chegar até o final’. As mulheres conseguem chegar até o final, porque tu não conseguiria?”, ressalta a doula Diana Sartor. 

A doula é a mulher que serve outra mulher. Somos nós as responsáveis por te deixar segura. Eu vou ser teu porto seguro, vou ser quem tá ali te segurando e dizendo ‘tu consegue chegar até o final’. As mulheres conseguem chegar até o final, porque tu não conseguiria?”, Diana Sartor, doula. 

Por mais que gestar seja um processo esperado e aguardado pela maioria das mães, existem coisas que não estão previstas, como por exemplo a violência obstétrica. No país esse tipo de violência contribui para os altos índices de mortalidade materno-infantil no país. Ela é caracterizada pelos abusos e maus tratos sofridos pela gestante durante o parto ou ao longo da gestação. Em 2021, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, a taxa era de 107 mortes a cada 100 mil nascimentos no Brasil. 

A violência obstétrica pode vir camuflada como recomendação médica, com uso de medicamentos e procedimentos que poderiam ser evitados.“A violência em gestantes é caracterizada  pela adoção de intervenções completamente desnecessárias, muitas vezes só para acelerar o trabalho de parto, quando não havia necessidade nenhuma. Como por exemplo o uso de ocitocina sem realmente ter uma indicação”, afirma a médica ginecologista e obstetra Eloá Sachet Nuremberg.

As situações de violência são presenciadas pelos médicos desde o período como acadêmicos de medicina. No caso de Eloá, hoje a profissional reconhece a importância das doulas. "A violência obstétrica eu vivencio desde a época que era estudante.  No início da minha residência médica era realizada muita episiotomia, que é aquele corte que a gente faz no canal vaginal para passagem do bebê. Que a gente sabe hoje que só se faz se realmente tiver uma indicação. E fora a violência emocional, como conversar com a gestante. As doulas têm a sua relevância no parto, são elas que estudam e barram essa violência quando os familiares não sabem auxiliar”, explica. 

O caminho para se tornar uma doula

A busca por informação é um passo importante para contribuir com um parto humanizado. É buscando conhecimento que muitas mulheres se tornam doulas e auxiliam outras durante a gestação. Para isso, não é necessário ser profissional da saúde, mas é preciso ter uma formação na área de doulagem, que pode ser conquistada através de cursos, disponibilizados de forma online ou presencial.

Michele Wandelind é doula e conta que se interessou pela profissão após o nascimento da filha Catarina. ”Quando minha filha tinha um ano, teve a Marcha do Parto Humanizado em São Paulo. Foi um movimento promovido na Avenida Paulista para levantar o tema da humanização do nascimento e da violência obstétrica. E aí na época eu seguia algumas doulas e resolvi me inteirar do assunto, fiquei com a curiosidade de saber mais o que é uma doula”, relata.  

Conhecer os impactos e traumas vividos por mulheres contribuiu na busca pelo conhecimento e na decisão de ajudar outras mães. ”Eu mergulhei e fui entender o que era a violência obstétrica. Pesquisei sobre a violência neonatal. Então eu decidi virar doula quando eu descobri o que acontece com os bebês quando eles nascem. Como é o nascimento para os bebês. E à medida que a gente vai estudando, a gente percebe os impactos disso para a sociedade”, destaca Michele.

”Eu mergulhei e fui entender o que era a violência obstétrica. Pesquisei sobre a violência neonatal. Então eu decidi virar doula quando eu descobri o que acontece com os bebês quando eles nascem. Como é o nascimento para os bebês. E à medida que a gente vai estudando, a gente percebe os impactos disso para a sociedade”, Michele Wandelind, doula. 

]Segundo a doula, além de dar suporte físico e emocional, a doulagem tem o papel de trazer para as mulheres informações que, muitas vezes, não são ditas por profissionais da saúde. ”O caminho para aumentar o número de experiências positivas é realmente disseminar informação de qualidade. E a doula vem nesse caminho. Fazer esse trabalho informacional que não existe no Sistema Obstétrico, no consultório médico, na Unidade Básica de Saúde. São informações que a gente fica sabendo de mulher para mulher. São mulheres que contam os fatos para as mulheres”, enfatiza.

Cicatrizando feridas abertas: doulagem como remédio de cura para a violência

Adquirir conhecimento e reconhecer a violência é um processo doloroso. Muitas mulheres só compreendem o que aconteceu com elas quando viram doulas. “O meu parto foi assistido por uma enfermeira e não pelo médico. Hoje como doula reconheço que a primeira violência aconteceu quando a enfermeira rompeu minha bolsa. Ela não podia ter feito isso. Depois do parto eu perguntei ‘ah eu tive laceração?’ E aí ela disse que sim e que teria que me dar pontos. Eu não sei quantas anestesias eu levei, só sei que não fizeram efeito. Eu senti ela entrando e saindo com a agulha no períneo. Eu torcia pra Deus pra que eu desmaiasse porque não queria mais sentir aquela dor”, conta Juliette Silvério, formada em doulagem.

Conhecer, entender, se curar e conseguir ajudar outras mulheres é um processo que exige força e dedicação da mulher. Com a doula Diana Sartor não foi diferente. “Depois de tudo que eu passei, tive dificuldade de ir para a consulta pós-parto. Só fui porque era obrigada, mas só de pensar em tremia. Quando eu cheguei pra consulta ele me tratou como se nada tivesse acontecido. Óbvio que é muito ingênuo da minha parte esperar um pedido de desculpas, mas imaginei que pelo menos se sentiria desconfortável ao me ver. Depois desse dia eu comecei a pesquisar sobre a violência obstétrica, eu nunca tinha escutado falar sobre violência obstétrica, nessas pesquisas eu encontrei um grupo de doulas aqui em Santa Catarina e pensei que  como mulher eu não podia deixar outra mulher passar pelo que eu passei, não podia permitir que o momento mais vulnerável e mágico de uma mulher seja estragado como foi o meu”, explica Diana. 

Depois de tudo que eu passei, tive dificuldade de ir para a consulta pós-parto. Só fui porque era obrigada, mas só de pensar em tremia. Quando eu cheguei pra consulta ele me tratou como se nada tivesse acontecido", Diana Sartor, doula. 

O conhecimento pode mudar o ponto de vista em relação ao parto. Perdoar pode ser o primeiro passo para curar uma ferida aberta. “O curso de doulas foi um divisor de águas na minha vida, aprendi muita coisa. Eu perdoei o médico que realizou o meu parto, não abri nenhum processo contra ele, porque dentro de mim eu sinto que ele sabe o que fez. Procurei o curso de doulas depois de dois meses que pari, porque aquilo me consumia. Depois de uns três meses que eu estava formada como doula, ele me seguiu no instagram profissional e curtiu uma foto minha onde eu falava sobre violência obstétrica, quando eu vi aquilo eu senti que ele sabia o que tinha acontecido, ele sentiu o que eu queria passar pra ele. Então desde então eu venho trabalhando com isso, e como doula já presenciei situações de violência”, relata Diana.

Doulas X parteiras: afinal, quais são as diferenças?

Confundir o trabalho realizado pelas doulas com o que é feito pelas parteiras, ou enfermeiras obstetras, pode ser comum. Mas, ao contrário do que se pensa, elas não exercem a mesma função. 

As doulas são responsáveis por dar suporte físico e emocional durante a gestação. Enquanto a parteira pode dar suporte clínico. “São profissões diferentes. Ambas podem se complementar, mas a parteira faz partos, enquanto a doula está ali para apoiar, ensinar técnicas de respiração, auxiliar a mulher física e emocionalmente. Então a doula não faz partos, ela está presente no parto e antes também”, explica a parteira Thayná Queiroz. 

São profissões diferentes. Ambas podem se complementar, mas a parteira faz partos, enquanto a doula está ali para apoiar, ensinar técnicas de respiração, auxiliar a mulher física e emocionalmente. Então a doula não faz partos, ela está presente no parto e antes também",  Thayná Queiroz, parteira. 

Parteiras podem atuar tanto de forma autônoma, realizando partos domiciliares, quanto auxiliando a equipe médica nos hospitais. Em ambos os casos elas auxiliam a gestante e ajudam a evitar problemas que surgem durante o parto. “A parteira, a obstetriz, a enfermeira obstetra, são responsáveis pela evolução clínica. Se o bebê está bem, se a mulher está bem clinicamente. Se o trabalho de parto está evoluindo corretamente. Se a gente precisa intervir de alguma forma sugerindo algum exercício. Fazendo essa mulher beber ou comer se o bebê estiver sentindo uma queda de glicemia", destaca Thayná.

A combinação das duas profissionais, cada uma com sua função, pode ser uma experiência positiva para o processo de um parto mais humanizado.  “É importante você ter uma doula e uma parteira juntas, mas saber que cada uma tem a sua responsabilidade, seu foco de atuação. É importante falar que a doula não faz procedimentos de obstetriz. Então avaliar a dilatação do colo, verificar o batimento cardíaco do fetal, não são funções da doula. E a obstetriz ou a enfermeira obstetra tem essa função no parto”, comenta a parteira.

A relação entre doulas e os profissionais de saúde

Doulas não são necessariamente profissionais de saúde, mas exercem uma importante função antes, durante e após o parto. No entanto, por estarem em um ambiente com esses profissionais, precisam muitas vezes se adequar à situação.

Para o sucesso de um bom parto é necessário um relacionamento agradável entre a equipe médica e a doula. “A gente sabe a importância de um obstetra para o parto. É gigante. A mulher se sente segura. A nossa relação com o médico é de respeito enquanto cada um faz seu trabalho. O médico obstetra entende do parto, da cesárea, de prazos. Já a doula entende da mulher, do feminino, do parir, do nascer”, destaca a doula Diana Sartor.  

A gente sabe a importância de um obstetra para o parto. É gigante. A mulher se sente segura. A nossa relação com o médico é de respeito enquanto cada um faz seu trabalho. O médico obstetra entende do parto, da cesárea, de prazos. Já a doula entende da mulher, do feminino, do parir, do nascer”, Diana Sartor, doula.

Apesar de conviverem bem, existem alguns casos de desavenças entre doulas e profissionais da saúde. Diana conta que já passou por um momento de atrito ao tentar evitar um caso de violência psicológica. “Eu estava no trabalho de parto em um hospital público e durante o trabalho de parto a gestante estava no banho. A médica quando chegou lá foi muito receptiva e a minha gestante começou a se abaixar e berrou. A médica veio e mandou ela parar de gritar. Naquela hora eu falei que ela poderia gritar sim, que era o momento dela, que deveria fazer o que tinha vontade. Aí a médica me olhou com uma cara feia e saiu andando. Depois, ela voltou com outra postura, mais amigável”, relata.  

Para a médica ginecologista e obstetra Eloá Sachet Nuremberg, o relacionamento entre doulagem e médico é importante, mas varia de profissional para profissional. "A relação dos médicos com as doulas é muito individual de médico para médico. Tem médicos que têm ótimos relacionamentos e outros não. Eu acho que elas realmente ajudam muito. Elas dão suporte físico e emocional para as pacientes. Elas orientam sobre procedimentos que às vezes a paciente pode fazer antes de ir para o hospital”, comenta.

Relatos do nascer: experiência do parto com acompanhamento profissional

O parto pode ser um processo assustador, entretanto o acompanhamento de uma doula pode suavizar o processo. O incentivo e apoio físico e emocional disponibilizados podem dar segurança à gestante. De acordo com a mãe Thuane Fonseca, a busca pela doulagem veio pela necessidade de ser acompanhada durante a gestação. 

“Há dois anos atrás eu tive um dos momentos mais importantes da minha vida, o nascimento do meu filho. Eu optei por ter o acompanhamento de uma doula, e reconheço que ela teve um papel fundamental para meu parto. Ela preparou o meu psicológico para que eu entendesse que sou um ser humano com o corpo projetado pra isso. Ela me acompanhou em toda gestação até o parto, fiquei 26 horas em trabalho de parto, me lembro que tinha horas que eu precisava ir ao chuveiro com muita dor e ela tava ali comigo, ela se molhava, passava óleos em mim, foi incrível”, relata. 

Para ela, a sensação de abandono é uma das situações responsáveis por assustar a gestante. Quando acompanhada, o trabalho de parto torna-se um processo mais leve, seja sugerindo leituras, esclarecendo as dúvidas ou até auxiliando na montagem do plano de parto.

“Não me senti sozinha em momento nenhum. Eu queria ter alguém ao meu lado. Hoje em dia eu sinto que os médicos tratam o parto de modo muito mecânico, e a doula trouxe essa parte afetuosa, humana, uma feminilidade. Eu tive muita dor, mas não tive sofrimento, a cada contração que eu sentia eu sabia que estava mais próxima de ver meu filho. Hoje tenho só lembranças boas do meu parto e infelizmente reconheço que isso é um privilégio, sei que muitas mulheres têm mágoa do parto, era pra ser um dia lindo e acaba sendo cheio de constrangimentos e violência. O meu não foi assim, foi um momento maravilhoso”, comenta Thuane.

(*) Acadêmicas de Jornalismo do Centro Universitário UniSatc, sob supervisão da professora Nadia Couto.

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