O técnico Hemerson Maria tem uma longa trajetória no futebol, iniciada aos oito anos de idade, quando ingressou nas categorias de base do Figueirense. O sonho de tornar-se jogador de futebol foi arrefecendo-se ao comparar-se com outros atletas da época; em auto-análise, Hemerson Maria viu-se em desvantagem de desempenho de jovens da mesma idade e, sem a perspectiva de tornar-se jogador de ponta, resolveu estudar educação física e iniciar a carreira como técnico das categorias de base.
Foi assim que revelou grandes nomes do futebol brasileiro. Jogadores de Copa do Mundo, como André Santos, Filipe Luis e Roberto Firmino, e também de Champions League, como o zagueiro Felipe Santana. Estudioso do futebol, atento ao mercado da bola e exigente nos treinamentos, Hemerson Maria não esconde desejo de disputar uma Libertadores, mas não coloca os méritos pessoais acima do coletivo.
Ganhar uma Série C pelo Tigre é alçada ao mesmo patamar de comandar uma equipe na maior competição da América do Sul. A reportagem do Portal 4oito foi até o Centro de Treinamento Angeloni e conversou com o comandante que tem a missão de recolocar o Criciúma em um cenário de destaque em Santa Catarina e no Brasil.
Hemerson Maria recapitulou o início da carreira, falou sobre os desafios de lançar jogadores da base no time principal e demonstrou confiança no que poderá ser feito no Tigre nesta temporada. Confira.
- Como foi o teu começo no futebol?
"Eu sempre gostei de futebol. Os meus tios tinham um time amador na Procasa, bairro que eu moro em Florianópolis. Ao fim de semana, a família alugava um ônibus e a gente saía para jogar futebol, era o lazer que a gente tinha. Vendo meus tios jogarem, comecei a gostar de futebol. Ingressei com oito anos e fiquei até os 20 na categoria da base do Figueirense e ali eu defini, se não fosse jogador profissional, eu trabalharia dentro do futebol.
Fui estudar educação física, comecei a trabalhar em escolinhas de futebol particulares, depois de município. Fui campeão estadual do moleque bom de bola pelo município de Antônio Carlos, trabalhei na base do Guarani de Palhoça quando estava na segunda divisão ainda, aí cheguei no Figueirense e o resto todo mundo já conhece, sempre com muito trabalho e dedicação".
- Como foi a transição de jogador para treinador de base?
"Foi tranquilo definir que não queria mais jogar. Têm muitos colegas que ficam frustrados. Eu tinha um objetivo claro: ser jogador de ponta. Eu sempre fui uma pessoa muito sensata. Eu via os meninos da minha idade convocados para a seleção de base, via jogadores jovens da minha posição nos grandes clubes, comparava o nível que eu estava. Vi que não alcançaria aquele nível e cedo parei, focado em trabalhar como treinador".
- E a transição de treinador de base para treinador do profissional?
"A transição da base para o profissional não foi programada. Eu fui jogado para o precipício. Estava em casa em uma segunda feira e o executivo do Avaí me ligou para uma reunião na Ressacada. Acompanhei no noticiário que o Mauro Ovelha, treinador na época, havia sido demitido. Imaginei que o Emerson Nunes, hoje meu auxiliar e que era auxiliar do Avaí na época, assumiria o profissional e eu ficaria auxiliando, já tinha feito isso no Figueirense com o Rogério Micale. Aconteceu o inverso.
Eu acompanhava muito o Avaí e o futebol. Montei a equipe que eu queria e a gente foi campeão estadual naquele ano. Para ter uma ideia, depois eu falei 'se quiser, eu volto para base, não tem problema nenhum'. Eu era muito feliz na base e me sentia realizado, aí me disseram 'Hemerson, não tem mais jeito, agora tu estás na estrada.
No começo foi difícil, sou muito apegado à família. É uma vida sofrida, a gente é cigano do futebol. Já perdi formatura da esposa, aniversário de um ano da filha, batizado, aniversário de parente e por aí vai. Mas eu me sinto realizado, é uma coisa que me alimenta vir para cá preparar o treino e ver a equipe evoluir".
- Tu já trabalhou com grandes jogadores na base. Como foi isso?
"Foi ótimo trabalhar com eles e colaborou para o meu crescimento profissional. Têm histórias interessantes. O André Santos queria ser meia-esquerda, mas ele era lento e tinha dificuldades de jogar de costas. Eu coloquei-o para jogar de lateral esquerdo, onde ganhou a vida dele.
Nós aprovamos o Felipe Santana numa avaliação física. Ele tinha a maior resistência e velocidade. Depois ensinamos coisas básicas para o zagueiro, ele tecnicamente não tinha tanta qualidade, então ensinamos os fundamentos e ele chegou em um altíssimo nível de jogar Champions League.
O Roberto Firmino é um auto-didata do futebol e um ser humano fantástico, muito humilde. No primeiro treinamento, contra minha equipe juvenil do Figueirense que era tricampeã estadual, ele, um menino vindo de Maceió, fez dois gols de bicicleta. Eu peguei-o pelo braço, não deixei sair do ônibus, quando desceu do ônibus eu levei para o gerente de futebol e disse: não deixa esse menino sair daqui sem contrato. É um fenômeno".
- Muita gente tem dificuldade em definir a posição do Firmino...
"Ele é um falso 10. (No Liverpool) tem Salah e Mané, mas ele não fica preso entre os zagueiros. Ele sai para a construção, atingiu a centésima assistência na Europa. É um número fantástico. É um jogador muito inteligente, o mais completo que eu já peguei na base. E no profissional foi o Cléber Santana. Eram os mais talentosos e os que mais trabalhavam.
- Como se identifica os jogadores de base que terão sucesso no futebol?
"Você consegue identificar o jogador que não serve e aquele acima da média. É complicado identificar o mediano, demanda um pouco de tempo para ver que daqui a pouco ele tem alguma valência. Na minha opinião, o treinador da categoria de base deveria ser mais bem valorizado e remunerado no clube.
No Brasil (de Pelotas, ex-clube de Maria), tínhamos o Luiz Henrique, que a princípio estava fora dos planos e foi vendido agora. Talvez a venda dele tenha salvado a questão financeira do Brasil".
- Quais as variáveis para um grande jogador na base ser um grande jogador no profissional?
"Penso que hoje têm fatores externos que atrapalham muito. O agente atrapalha muito, a mídia também. Hoje os atletas não têm muita informações de futebol, eles não buscam isso. Na minha época de atleta, eu buscava informação, procurava ver jogador da minha posição e tentava imitá-lo. Hoje não se tenta imitar as características técnicas, mas tatuagem e cabelo, coisas supérfluas.
Às vezes tem o momento do clube, um momento ruim e o jogador não consegue suportar a carga emocional e você acaba perdendo um talento.
Pela experiência que eu tenho, os que conseguem vencer são os mais resilientes. Às vezes você tem o jogador talentoso e que não se dedica tanto, às vezes tem aquele que você não dá nada, mas ele se dedica muito, trabalha, vence as barreiras e se torna um grande jogador".
- Tu foste demitido do Fortaleza em 2017 e da Chapecoense em 2020. Nesse tempo pediu para sair em dois clubes e não renovou contrato em outros dois. Como é a relação entre técnico e dirigente no futebol brasileiro?
"Estou fazendo a licença pró da CBF, fiz a A já. Tem ótimas palestras e conteúdo. Muitos dirigentes não estudam, não sabem como se faz a montagem de elenco, o que é modelo de jogo. Uma coisa interessante: aqui no Criciúma eu vim e conversei por cinco horas, eles quiseram conhecer meu modelo de jogo e como eu trabalhava com a categoria de base. No Red Bull foi assim, fiz uma entrevista, as pessoas explicaram a metodologia do clube. Na minha época era mais posse, hoje é mais transição.
Muitos dirigentes não olham isso. Você chega em uma equipe lenta e que o treinador tem modelo de transição. Como vai obter resultado? As pessoas que tomam decisões dentro do futebol não se preparam para isso, não estudam para tomar decisões e isso atrapalha muito essa relação entre treinador e dirigentes".
- Está confiante para a temporada de 2021?
"Estou confiante, mas é passo a passo e com muita tranquilidade. Vamos ter oscilações pela frente, acredito num crescimento gradativo. A equipe está evoluindo, começamos a fazer trabalhos em conjunto e vamos ter uma equipe competitiva".