Leandra da Silva Oscar estuda de manhã, mas estava na escola no período vespertino. Encantada com equipamentos tecnológicos, ela prestava atenção em tudo que o professor Matheus Felisbino explicava.
A disciplina em questão não é nenhuma daquelas tradicionais da grade curricular. O mestre não é de Matemática, Língua Portuguesa ou Física. Já o ambiente não é bem uma sala de aula, mas sim um espaço maker.
Aqui estamos falando da robótica educacional, e Leandra, de 13 anos de idade, está entre os mais de 1,5 mil estudantes da Rede Municipal de Ensino de Criciúma que, desde agosto de 2021, saem de casa rumo à escola no contraturno para ter contato com a tecnologia, desenvolver o espírito colaborativo, incentivar a criatividade e aprimorar habilidades. “Estou amando porque é uma experiência nova. Estamos aprendendo milhares de coisas que a gente vê em outros lugares e não imaginávamos como seria feito, conta.
Se dependesse da aluna da Escola José Cesário da Silva, do bairro Nossa Senhora da Salete, estas lições poderiam ser repassadas mais de uma vez por semana, porque a ansiedade para que a quarta-feira chegue logo é grande. Tanto, que ela estuda em casa mesmo. “Pesquiso bastante e venho muito ansiosa porque aprendemos sempre uma coisa nova”, fala Leandra que, mesmo com a intenção de cursar Direito e se tornar advogada, acredita que o aprendizado de hoje será importante para a sua vida. “É um novo conhecimento, uma nova experiência”, conclui Leandra que está do 8º ano do Ensino Fundamental.
Todos os detalhes para tornar o projeto uma realidade são absorvidos pelos estudantes:
Aprendendo a identificar problemas e elaborar soluções
Orientada pelo professor Matheus Felisbino, a menina, em parceria com os colegas, já visualiza um problema da cidade e elabora um projeto na busca por solucioná-lo. “Eles estão trabalhando na criação de um semáforo inteligente com a intenção de ajudar a diminuir os engarrafamentos”, revela o docente.
Felisbino menciona que instigou os alunos desde os primeiros dias para que eles começassem algo do zero até chegar ao produto final. “Eles trabalham em conjunto, se organizam em líderes e dividem os trabalhos. Verdadeiramente como uma empresa, com equipe de programação e de montagem”, explica.
Para que as aulas não fiquem maçantes e os alunos não percam o interesse, os professores aliam a parte teórica à prática desde o primeiro dia. "Sempre levamos para a realidade deles com coisas mais ilustrativas, fazendo com que montem as peças, pois gostam de colocar a mão na massa”, cita.
As turmas são formadas por mais de 1,5 mil alunos de 5º a 9º ano, distribuídos em 100 classes de 28 escolas.
Estímulos
"Com esta iniciativa é possível trabalhar interdisciplinarmente, envolvendo diversos componentes, unindo a teoria à prática, de uma forma lúdica e dinâmica".
A afirmação é da Psicóloga do Serviço de Psicologia Educacional de Criciúma, Deise Patrício dos Santos Dal Pozzo. Ela acrescenta que nesta disciplina, os educandos são instigados a criar e desenvolver algo novo, já que eles são colocados frente a frente com a necessidade de resolver problemas e, na busca por respostas, são levados a pensar de forma criativa, a planejar, manter o foco, flexibilizar o pensamento, criar estratégias, entre outras habilidades. “Assim, a robótica, além de estimular aspectos do desenvolvimento cognitivo, como o raciocínio lógico, estimula a autogestão, a autorregulação, a abertura ao novo, o pensamento crítico e o artístico”, comenta.
A alegria dos alunos vai de uma lâmpada de LED acesa ao movimento de um robô:
Um espaço para colocar a mão na massa
Extensão da filosofia “Do It Yourself!” (Faça Você Mesmo, na Língua Portuguesa), o movimento da Cultura Maker apresenta a ideia de que qualquer pessoa consegue construir, consertar ou criar seus próprios objetos.
Com raízes na década de 1960, este pensamento invadiu as escolas e se tornou grande aliada do ensino ao torná-las ambientes colaborativos e por proporcionar maior interação entre alunos e professores no processo de ensino-aprendizagem.
Em Criciúma, para possibilitar que os alunos “façam eles mesmos”, foram criados espaços maker. Ao invés do tradicional vermelho e verde que se destacam nas unidades educacionais da Rede Municipal de Ensino, estas classes atraem os olhares logo na chegada. Tintas coloridas formam a palavra “maker”, na parede ao lado da porta, seguido de vários desenhos criados com a mesma variedade de cores.
No interior destas 28 salas, nada de uma carteira escolar atrás da outra. A disposição é diferente, possibilitando maior interação entre alunos e professor. Além disso, saem os tradicionais quadros, pincéis atômicos e caneta e entram computadores, TVs, projetores, caixas de som, kits arduinos e impressoras 3D.
A diretora da Escola Luiz Lazzarin, Viviane Mafioletti, faz questão de visitar o espaço maker todas as terças, quartas e sextas-feiras para ver de perto o trabalho dos alunos. “Percebemos o empenho, o interesse. E o fato de a Prefeitura ter implantado estas salas é um avanço, pois a inovação e a tecnologia são necessárias hoje em dia. Todos nós temos que saber pelo menos um pouco sobre esses temas”, explana.
Entre os 40 alunos da escola gerida por Viviane que frequentam as aulas de robótica, está João Pedro da Silva Vieira, do 6º ano. Aos 11 anos de idade, ele permanece com os olhos vidrados na tela do computador e ouvidos atentos ao que o professor fala. “Está sendo legal. Já sei sobre métrica, computação e modelagem 3D. Ainda não decidi se vou seguir essa carreira, mas tenho certeza que vai ser muito útil para mim”, afirma.
“Além da robótica pela robótica”
Com certeza você já assistiu filmes e séries de ficção científica que, entre os seus personagens, havia um robô. “Seres” que são capazes de executar um conjunto de instruções sob comando de alguém. Mas, para chegar a este ponto, muitos processos foram realizados e, na maioria das vezes, por uma equipe. É justamente em grupo um dos principais pontos destacados por aqueles que gerenciam a atividade desenvolvida em Criciúma.
O coordenador de Tecnologia Educacional da Secretaria de Educação, Ângelo Machado Bortolon, diz que é nesta idade que os alunos percebem se é isso que irão querer para a vida. "Prezamos pelo trabalho em equipe, pelo empreendedorismo, além da robótica pela robótica. Assim, eles poderão ir ao ensino médio técnico, depois uma faculdade. É quando eles ainda são jovens que começamos a plantar esta semente”, ressalta.
O estímulo ao trabalho em equipe, entre outros benefícios, são citados pelo coordenador de Tecnologia Educacional da Secretaria de Educação de Criciúma, Ângelo Machado Bortolon:
A evolução dos alunos e os benefícios das aulas são percebidos pelo secretário Municipal de Educação, Miri Dagostim. “Todas as segundas-feiras nós vamos a uma escola acompanhar os alunos cantarem o Hino Nacional e, certo dia, nos pediram uma pausa, trouxeram dois robôs que nos cumprimentaram, dando bom dia. Ou seja, é um projeto fantástico e já percebemos a vocação de muitos alunos. Chega ser emocionante”, exalta.
Uma grande apresentação no fim do ano
São quatro horas semanais que seguem até dezembro, totalizando 20 encontros. E é no fim do ano que os alunos irão mostrar tudo que aprenderam.
Aquelas ideias que estão ganhando forma agora serão apresentadas em uma grande feira, e já tem gente ansiosa por este momento. “Estou nervosa, mas vai ficar legal”, garante Natália Machado, de 14 anos de idade.
Aluna do 8º ano da Escola Luiz Lazzarin, do bairro Vila Isabel, ela e os colegas estão elaborando um carrossel com miniaturas de animais. A possibilidade do projeto ter música, ainda está em debate, mas conforme a adolescente, ele vai girar.
Para fazer isso, é preciso de alguns ensinamentos, o que Natália afirma já ter absorvido. “Aprendi muita coisa sobre as áreas da robótica, fazer programações e também a parte elétrica. Não pretendo entrar nesta área futuramente, mas conhecimento é sempre bom e tudo tem me ajudado bastante. Já tive noções de Word, Excel, PowerPoint e isso vai colaborar nas minhas entrevistas de emprego”, projeta.
A missão de auxiliá-la na busca por tornar o projeto palpável é do professor Rafael Sebastião Miranda.
Ele recorda que este tipo de ensinamento seria mais complicado no período de aula normal, devido à rigidez da grade curricular. “Este contato com a inovação, com a tecnologia e com o empreendedorismo é mais difícil no dia a dia deles, o que é possibilitado agora. Isso terá um impacto direto na carreira deles porque, pensando no futuro dos empregos, é preciso uma visão empreendedora, não só na questão de ser um empresário, mas ser um funcionário empreendedor”, fala.
Não há profissão que não será impactada pela tecnologia em um futuro próximo, e quem não estiver preparado para trabalhar com ela, vai trabalhar para ela” - Rafael Sebastião Miranda, professor de Robótica
Parcerias que fazem acontecer
A Secretaria Municipal de Educação conta com a parceria da Satc, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e da Associação Beneficente Abadeus na condução do programa.
Às instituições coube ceder os profissionais que lecionam para os estudantes nas unidades municipais. “É um projeto relevante porque sabemos que é no jovem que a gente consegue despertar este interesse pela profissão, pela tecnologia. Também sabemos que todas as atividades carregam um pouco da tecnologia e no futuro isso será ainda mais forte. Se eles tiverem acesso agora, terão mais oportunidades amanhã”, frisa o gestor de inovação da Abadeus, Maicon Jung Canever.
Canever esclarece que o objetivo da entidade é trabalhar, especialmente, com a inovação social, tendo a aproximação dos alunos da rede pública à tecnologia um dos caminhos a serem seguidos. “Acreditamos que a inovação, por meio da formação da cultura do empreendedorismo, vai fazer com que as pessoas consigam melhorar a vida e alçar novos voos. Mesmo que aqueles jovens não queiram abrir uma empresa no futuro, a característica inovadora vai ser relevante para qualquer momento da vida. Quando desenvolvemos estes atributos, somos mais resilientes, temos mais disciplina, estudamos e pesquisamos mais, temos mais confiança e tudo isso é importante para a nossa vida como um todo”, complementa.
A relevância das aulas de Robótica é salientada pelo gestor de inovação da Abadeus, Maicon Jung Canever:
O diretor de Tecnologia da Informação, Tiago Ferro Pavan, lembra como a sociedade está cada vez mais conectada e dinâmica, o que reforça a importância do contato com a tecnologia cada vez mais cedo. “Estamos vivenciando a era da informação, portanto, tecnologia, inovação, conhecimento e criatividade passam a ser características fundamentais na formação das novas gerações”, enaltece.
Estamos formando mão de obra para as empresas e se os alunos saem da escola com característica empreendedora, poderão enxergar a empresa com o olhar do dono. Como aquele que vai cuidar, se dedicar e ver uma oportunidade dentro da empresa” - Maicon Jung Canever, gestor de inovação da Abadeus
Revolução
“Vimos no olhar dos alunos a satisfação em criar um robozinho que está ali se mexendo, que tem um sensor, em ver uma luz acendendo. Percebemos na prática esta revolução, este crescimento”. Com esta frase, a supervisora educacional da Escola S (Rede Sesi Senai), Gabrieli Borges Ugioni Felipe, tenta descrever tudo que vem presenciando.
A instituição a que ela faz parte fornece 17 professores que lecionam para 54 turmas em 14 escolas. Destes profissionais, 13 são da área técnica e os demais são voltados para a gestão, isso porque, na grade curricular algumas disciplinas envolvem empreendedorismo, inovação, liderança e gestão de pessoas, embora, menciona Gabrieli, a maior parte da carga horária seja de fato a parte técnica. “Mais que falar da aceitação dos alunos, que tem sido fantástica, a nossa percepção enquanto instituição é que estes alunos que chegaram às aulas de robótica sem nenhum conhecimento do tema, em pouco tempo, já tiveram um crescimento exponencial", cita.
Supervisora educacional da Escola S, Gabrieli Borges Ugioni Felipe, ressalta a evolução dos alunos:
O próprio professor Matheus Felisbino, relata que não teve contato com a robótica quando estudava em escola pública e que esta é uma ocasião única para estes alunos que não pode ser desperdiçada. “É uma chance que crianças de escolas públicas não têm. Agora, elas vão dar um passo a mais, coisas que eu não tive oportunidade. Saindo com este conhecimento já é um grande caminho para serem empreendedores no futuro”, assegura o educador, relatando ainda que outros pontos positivos já são constatados. “Vejo uma evolução até mesmo na organização e na concentração”, completa.
Desenvolvimento das competências socioemocionais, da proatividade e do raciocínio lógico são mais três benefícios da Cultura Maker levados aos alunos da Rede Municipal de Ensino de Criciúma. Estes, citados pela coordenadora de Tecnologias Educacionais do Colégio Satc, Andreia Mariot Scarduelli, outra parceira do projeto.
A instituição, uma das mais antigas da cidade, fornece 11 professores para 15 escolas, o que permite atender 720 estudantes. “Ao ter contato com as ferramentas tecnológicas, os alunos desenvolvem competências e habilidades necessárias para a aplicação imediata de forma prática e no futuro profissional. Além de contribuir com a sistematização do conhecimento científico, na identificação de problemas, levantamento de hipóteses e elaborando possíveis soluções”, cita.
Andreia explana que a iniciativa é importante para alinhar as competências gerais e visa auxiliar na implementação do estabelecido na quinta competência geral da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais, incluindo as escolares, para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. “Os alunos têm demonstrado muito interesse e satisfação, participando de forma interativa. De acordo com os gestores das escolas, eles estão amando e aprendendo coisas novas a cada encontro”, pontua.
Circuitos, computadores e muita criatividade nos espaços maker:
Ampliação em 2022
O sucesso faz o secretário de Educação, Miri Dagostim sonhar mais alto. Ele afirma que a intenção para o ano que vem é dobrar o número de alunos participantes. “Iremos construir os espaços maker em uma estrutura separada das escolas. Além disso, os alunos irão receber o guarda-pó, o óculos de proteção, entre outros equipamentos que contribuirão ainda mais para o desenvolvimento de cada um deles”, prevê.
A aula de robótica e de empreendedorismo foram grandes desafios. Sonhos que estão sendo realizados e frutos colhidos” - Miri Dagostim, secretário Municipal de Educação de Criciúma
Esta atividade que agrada gestores e alunos em 2021, teve, como fala Dagostim, um pequeno início um ano antes. “O setor de Tecnologia da Informação trouxe esta ideia porque a demanda de mão de obra nas empresas voltada para a área da tecnologia é grande. Florianópolis, por exemplo, avançou muito e agora o prefeito Clésio Salvaro quer tornar Criciúma a cidade mais inteligente de Santa Catarina, por isso estamos investindo forte neste setor”, complementa o secretário.
Secretário Municipal de Educação, Miri Dagostim, fala do que presencia nas escolas e os planos para o próximo ano:
Bolsas de estudo para quem se destacar
Outra intenção encaminhada é o fornecimento de bolsas de estudo para aqueles alunos que se destacarem nas aulas de robótica. “Ao ingressar no Ensino Médio, eles estudariam em função específica, preparando a mão de obra para o futuro”, conta Dagostim, acrescentando que um projeto neste sentido está sendo elaborado para ser levado ao prefeito.