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Tecnologia e criatividade: saídas encontradas pelos professores do ensino superior para lecionar durante a pandemia

Com a suspensão das aulas presenciais, profissionais precisaram se reinventar para seguir repassando os ensinamentos aos acadêmicos. Mais de um ano depois, eles relatam os obstáculos superados e as conquistas do período

Por Marciano Bortolin Criciúma, SC, 11/06/2021 - 14:37 Atualizado em 28/10/2021 - 11:14
Depois das aulas remotas, microfone e câmeras se unem ao quadro para possibilitar que os professores lecionem em formato híbrido. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito
Depois das aulas remotas, microfone e câmeras se unem ao quadro para possibilitar que os professores lecionem em formato híbrido. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito

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Em 1968, quando assinou a lei que criou a Fundação Educacional de Criciúma (Fucri), primeira escola de nível superior do Sul de Santa Catarina, talvez o então prefeito, Ruy Hülse, não imaginasse que as mesas, cadeiras e quadros que ocupavam aquelas salas de aula, pouco mais de 50 anos depois, seriam trocados pelas telas dos computadores e dos celulares e por uma série de outros recursos tecnológicos. E mais, talvez nem passasse por sua cabeça que este processo rumo ao uso da tecnologia na educação seria acelerado por uma crise sanitária. 

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19), afastou os alunos das aulas presenciais nas redes pública e privada no dia 19 de março de 2020. Mais do que suspender a presença dos estudantes nas salas, o decreto do governador Carlos Moisés da Silva colocou os professores catarinenses em uma corrida contra o tempo na busca por soluções que os ajudassem a continuar repassando o conteúdo, pois para mudar do ensino presencial para o remoto não basta apenas colocar um notebook embaixo do braço, ir para casa e ligá-lo. Mais que tudo isso, a pandemia mudou a dinâmica das universidades e a vida de professores e alunos.

Com 13 mil acadêmicos, a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) - aquela Fucri criada em 1968 que foi promovida a universidade na década de 1990 - é um dos exemplos de mudanças pelas quais instituições de ensino superior precisaram passar em tão pouco tempo. “A principal mudança na educação está relacionada a um novo formato de ensino que professores e alunos tiveram que se adaptar. De uma hora para outra tivemos que migrar do ensino presencial para o ensino online e consequentemente adaptar as metodologias e ferramentas utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. Estávamos acostumados com ensino presencial e a pandemia veio e provocou esse experimento do ensino à distância.  Houve um grande avanço porque as instituições de ensino e os professores tiveram oportunidade de experimentar esta modalidade de ensino no momento de crise. Isso trouxe uma aceleração no processo de quebra de paradigmas e a vinda de novos formatos de como fazer as aulas”, destaca a assessora pedagógica da área de Ciências, Engenharias e Tecnologias e  coordenadora Adjunta do Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Unesc, Paula Tramontim Pavei.

O ensino on-line é possível

Entender que o ensino on-line é possível foi uma das percepções dos profissionais que atuam no ensino superior, como também aponta Paula. “Até o início de 2020, o ensino acontecia em salas de aula com estrutura conhecida e dominada por eles - quadro negro, aulas expositivas, atividades em grupo, práticas laboratoriais, contato visual e proximidade com os alunos.  Com a interrupção das atividades acadêmicas presenciais, sem nenhum ou com pouquíssimo tempo de planejamento, os professores tiveram que adaptar o currículo presencial para o ensino on-line e mudar sua forma de dar aula, dependendo de internet, de ambientes virtuais de aprendizagem e de plataformas de aulas remotas”, fala.

 

Professora Paula precisou se aprofundar em métodos diferentes e se acostumar a novos equipamentos para seguir repassando os ensinamentos aos seus alunos. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito

Adaptação e preparação

Este movimento foi visto em praticamente todas as unidades educacionais e a também criciumense UniSatc, com 1,5 mil acadêmicos, não fica de fora do movimento. Para o pró-reitor de Ensino e Extensão, Jovani Castelan, o principal impacto foi a utilização dos recursos da tecnologia da informação para a continuidade das aulas. “Quando houve o primeiro lockdown, em três dias a gente conseguiu se adaptar e preparar os ambientes para que os alunos pudessem acessar as aulas de forma remota. O principal impacto foi esta mudança das aulas presenciais para as aulas on-line. O desafio dos professores foi se adaptar a estas tecnologias que já existiam, mas que não eram utilizadas frequentemente. Nós já tínhamos esses recursos no próprio sistema da instituição para possibilitar a aula on-line, gravação, chat e vários recursos para a interação, tanto para aulas ao vivo, quanto gravadas”, diz. 

Hoje, as duas universidades estão em sistema híbrido - quando alguns alunos vão à sala de aula e outros seguem em casa, de forma on-line. Atualmente na UniSatc trabalha com a multiplataforma, onde os alunos têm aulas presenciais e remotas concomitantemente, como destaca Castelan. “É mais um desafio aos profissionais que precisam estar em sala de aula com os alunos de forma presencial, mas também acompanhando aqueles  que estão de forma remota”, cita.

Universidades não abrem mão de equipamentos modernos para garantir uma boa transmissão das aulas. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito

Os profissionais precisaram se adaptar por meio dos cursos de formação criados pela instituição e que ficam disponíveis no portal do professor. Com cursos voltados à engenharia, que possui disciplinas de cálculo que dão maiores dores de cabeça nos alunos, o corpo docente organizou uma atividade por meio da gamificação para auxiliá-los. “Eles espalharam QR Code pelo campus que os acadêmicos acessaram com os seus celulares para solucionar um problema e fazer apresentação desta solução. Este código também foi enviado para aqueles que estavam em modo remoto para desenvolver a atividade. É um trabalho inovador diante das circunstâncias e para manter alunos em modo remoto  e presencial”, enaltece.

A gamificação é o uso de mecânicas e características de jogos para engajar e facilitar o aprendizado tornando conteúdos densos em materiais mais acessíveis.

Voltando à Unesc, a instituição tem constituída a Assessoria Pedagógica Universitária, voltada à pesquisa e assessoramento docente contínuo e ao desenvolvimento de novos produtos educacionais. Neste período, a equipe multidisciplinar foi desafiada a desenvolver uma série de formações permanentes, documentos, manuais, roteiros, material multimídia, todos com foco em suportar as demandas apresentadas frente aos novos desafios. Além disso, a universidade criou salas de apoio virtual tendo como lugar de hospedagem o Google Classroom, além do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e Learning Loop. "Foram mais de 40 documentos produzidos, compartilhados e explorados com o nosso coletivo de professores que funcionaram como pílulas para estimular e orientar a práxis do professor, que teve e tem o desafio de construir e mediar o processo de ensino-aprendizagem por meio do auxílio da tecnologia", cita Paula Tramontin.  Ao longo deste período foram realizadas formações continuadas, reuniões virtuais, partilha de experiências e aprimoramento dos processos. O apoio psicológico aos discentes e aos docentes por meio do Programa Acolher Unesc também ganhou destaque no decorrer da pandemia.

Conectados à realidade

Planejamento é uma das palavras que acompanham a educação, mas como planejar tanta coisa em tão pouco tempo? Este foi outro obstáculo que precisou ser superado pelos professores neste período, onde estes profissionais foram convocados para uma violenta adaptação. 

Há 12 anos atuando no ensino superior, a professora do curso de Letras e coordenadora da Assessoria Pedagógica Universitária da Unesc, Daniela Arns Silveira, relata que o papel do professor foi reativado, que eles perderam a intimidade e entraram nas casas das famílias através das aulas remotas. “Penso que a primeira grande mudança e aprendizado, é que, sim, precisamos trabalhar com planejamento, mas tem que ter o espaço para o imponderável, o espaço para o impensável e uma flexibilidade para incorporar alternativas de última hora: planos A, B e C, às vezes até o Z. Ou seja, uma educação, uma gestão escolar, em uma atuação docente feita durante e depois da pandemia, nós aprendemos que é uma gestão e uma docência mais do que tudo, flexível e fundamentalmente conectada à realidade”, expõe.

Além do pincel atômico e itens tradicionais, professores precisaram aprender a manusear outros aparelhos. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito 

Mesmo antes da pandemia a visão do papel do professor já estava em processo de mudança, é o que afirma Paula Tramontin, porém a crise sanitária trouxe a oportunidade de acelerar esse processo, mudando o paradigma da educação tradicional, onde o professor era visto como um “mestre” detentor de todo o conhecimento e os alunos deveriam apenas receber o conhecimento passivamente. “Hoje, e cada vez mais, o professor é visto como o facilitador na construção do conhecimento, parceiro e orientador do aluno no processo de ensino e aprendizagem. Nesta nova forma de ensinar, o aluno tem um papel muito mais participativo, interativo, questionador e o processo de ensino e aprendizagem deve possibilitar o desenvolvimento de competências e habilidades que se traduz a adequada aplicação do conhecimento na resolução de problemas, com aplicações práticas dos conhecimentos no dia a dia.

Ainda para Paula, as aulas on-line forçaram o professor a focar mais na execução de atividades por parte do aluno, fugindo do método tradicional de exposição de conteúdos, o que possibilitou maior autonomia do aluno, tanto no gerenciamento do tempo, quanto na execução das atividades. “As tecnologias auxiliam neste processo e, quando bem utilizadas, ampliam a possibilidade de captar a atenção e engajar os alunos nas práticas pedagógicas, ajudando o professor a transformar uma aula estática e expositiva em uma prática dinâmica. O professor abraça o seu papel de mediador, criando um ambiente de interação e construção coletiva do conhecimento e fomentando o protagonismo dos alunos. O grande desafio do professor, neste caso, é justamente reconhecer, aprender a manusear e identificar quais as tecnologias mais apropriadas para suas aulas”, afirma.

“Professores são humanos”

Mais que tudo, Daniela lembra que os professores também são humanos e, por isso, têm seus anseios. “Existem algumas características do humano que precisam ser relevadas, que precisam ser colocadas em destaque: a nossa fragilidade, a nossa necessidade de contato uns com os outros, a nossa absurda vulnerabilidade frente a um desconhecido, e isso nos faz querer cuidar mais de nossa casa, do nosso meio ambiente, nas relações com as pessoas”, acrescenta.

O assessor pedagógico da Diretoria de Ensino de Graduação da Unesc, Guilherme Alves Elias, conta que o processo de adaptação passou por capacitação dos professores, que precisaram se familiarizar com as novas ferramentas, chegando a mudança na própria estrutura da universidade.  “No início, tivemos desafios imensos com uma equipe que se debruçou sobre novas técnicas, materiais, manuais, tutoriais e troca de experiências, pois consultamos outras universidades para entender o cenário. O começo foi mais desafiador, depois fomos evoluindo, os alunos foram entendendo a proposta e  tivemos ganhos semana após semana. Hoje em dia, passado mais de um ano, a gente tem uma propriedade muito maior para falar que conseguimos nos adaptar a este novo modelo”, salienta.

De um lado do quadro, a câmera, do outro o data show. Ao meio, professores que precisaram se reinventar durante a pandemia. Foto: Divulgação

No modelo híbrido, os professores transmitem as aulas do campus em salas que foram adaptadas para o novo momento. “Neste retorno montamos salas somente com tecnologia de ponta, oferecendo experiência de ensino. Elas estão equipadas com câmeras, datashow, microfones individuais e novos quadros para facilitar a visualização dos alunos que estão em casa”, salienta.

A Unesc ainda emprestou equipamentos como notebooks e modems de internet, aos alunos que necessitavam.

Assessor pedagógico da Diretoria de Ensino de Graduação da Unesc, Guilherme Alves Elias, e toda a adaptação de professores e alunos:

 

Para onde caminhar

Algo semelhante ocorreu na UniSatc, que também fez investimentos para garantir a continuidade das aulas com qualidade. O professor dos cursos de Design, Jornalismo e Publicidade e Propaganda da UniSatc, Diego Piovessan Medeiros, lembra que logo que a pandemia estourou no Brasil, a equipe docente iniciou um movimento de discussão sobre os passos a serem dados. 

Por ter um número grande de alunos, ele decidiu partir para o método remoto antes do decreto que suspendeu as aulas presenciais, e foi aí que começaram a surgir os desafios. “A gente precisava, além de realocar o conteúdo, adaptar o que estávamos gerando na sala de aula para um formato que era totalmente remoto. Uma das principais mudanças foi readaptar tudo, entendendo a tecnologia que nós poderíamos utilizar e a forma como o aluno iria receber isso em casa. De uma certa forma, a sala de aula se tornou salas de estar, quartos e tantos outros locais onde o acadêmico estava estudando”, explana. 

As inovações do professor da UniSatc, Diego Piovessan Medeiros, para que os alunos não perdessem os conteúdos antes transmitidos em sala de aula:

A dedicação para entender o “novo tempo”, proporcionou resultados imediatos. “Na primeira semana, os meus alunos já estavam em aula, recebendo todo o conteúdo. Já tivemos apresentação de trabalho na mesma semana. Foi muita troca de e-mail, conversas de Whatsapp para fazer toda esta adaptação”, destaca.

Salas sem alunos, mas com equipamentos modernos para beneficiar o ensino remoto. Foto: Divulgação

Desafios também para os alunos

Está fixo na mente de Thayse Farias Brunel, de 22 anos, qual profissão ela quer exercer: a de professora. Hoje na 7ª fase de História, a moradora do Bairro Recanto Verde, de Criciúma, bem que tentou ter aulas presenciais. Foi à Unesc, se matriculou, iniciou os estudos, mas em 2020, a pandemia a levou da sala de aula para a sala de casa. 

Mais de um ano depois, ela segue no modo remoto, via Google Meet, um dos recursos encontrados pela universidade para contornar a situação. “A pandemia, infelizmente, causou uma série de atrasos para mim, sem contar na perda de pessoas queridas. Desde que adotamos a quarentena, fiquei impossibilitada de acessar locais de estudo”, conta.

E, para Thayse, este distanciamento foi prejudicial no andamento do curso. “Eu fazia parte de um projeto de pesquisa através do programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e isso exigia minha presença no arquivo municipal, nos arquivos de escolas, na universidade para buscar fontes que agregassem na minha pesquisa. Este trabalho era presencial e não foi possível adaptar para o online como foi feito com as aulas e, infelizmente, ela foi interrompida”, lamenta.

A tecnologia é quase uma unanimidade entre os profissionais da educação quando o assunto é a principal mudança imposta pela pandemia. Mas o diretor de Ensino de Graduação da Unesc, Marcelo Feldhaus, reforça outro ponto, citado pela acadêmica: aprender a conviver com o distanciamento. “Outras mudanças dizem respeito às relações interpessoais, que tiveram de ser redimensionadas no tocante à presencialidade. Conhecer novas tecnologias, se acostumar e se ambientar com elas para o exercício da docência, além de aprender a conviver com o distanciamento, tanto no que diz respeito ao processo da sala de aula, como nas relações do dia a dia, pois estamos acostumados com o toque, o abraço, o aperto de mão, o sorriso, inclusive, o qual passou a ser pelos olhos, pois aprendemos a olhar nos olhos com maior atenção”, enfatiza.

Já com relação às disciplinas, Thayse precisou ter uma conversa séria com a família no início das aulas on-line. “Precisei adaptar um local de estudo e conversar com a minha família para que o ambiente da casa fosse silencioso. Precisei tomar essas medidas porque, inicialmente, haviam muitos elementos que me distraíam e eu sentia que meu estudo não rendia”, relata.

Mais tempo na frente da tela. A pandemia mudou a forma de Thayse estudar. Foto: Divulgação

Sobre um território desconhecido

As dificuldades iniciais são expostas pela aluna Thayse. E não foram poucas. “Quando a pandemia começou, nós alunos, e os professores também, nos víamos em um ambiente totalmente novo e diferente: o on-line. Foi difícil se adaptar e aprender a manejar os recursos do Google Meet, como apresentar vídeo, fotos, projetar slides, digitar no chat. No curso, nossos professores utilizam, além do Google Meet, a plataforma Moodle para postar textos e vídeos de apoio, além de compartilhar várias fontes alternativas. Por ser algo novo, inicialmente foi difícil para nós alunos compreender os assuntos. Hoje, como estamos acostumados com esse método, eu particularmente já consigo ter um aproveitamento melhor”, relata a acadêmica de História que, mesmo se adaptando à nova forma de aprender, diz que, pelo menos para ela, o ensino on-line não é tão efetivo quanto o presencial. “A interação entre professor e aluno não existe no ensino on-line e isso é um fator que eu considero importante para o ensino-aprendizagem. Quando as aulas eram presenciais, havia bastante debate nas aulas, nós nos víamos e conversávamos, já no remoto, os alunos ficam com suas câmeras e microfones desligados enquanto o professor apenas fala. Além disso, tem o cansaço causado pela exposição ao computador e ao celular. A carga de conteúdos às vezes também é excessiva para suprir a ausência desses debates causados pelas aulas presenciais. É comum e frequente dores de cabeça e sono”, expõe.

Por outro lado, a acadêmica da terceira fase de Jornalismo da UniSatc, Catarina Bortolotto, diz não sentir diferença no aprendizado. “Como eu já estava acostumada a estudar por conta própria para o Enem, simplesmente segui o embalo. As aulas eram sempre ao vivo, então qualquer dúvida dava para ser sanada na hora. A única coisa que tínhamos que ter era autocontrole, pois ao estarmos em casa, com todos os aparelhos eletrônicos ao nosso dispor, sem ninguém ver o que estamos fazendo, era uma tentação”, confessa.

Catarina, inclusive, optou por voltar à sala de aula assim que foi permitido, seguindo todos os protocolos sanitários. 

Isso porque, a criciumense de 20 anos, e a mais tagarela da família - fato admitido por ela -, não pode aproveitar o seu período de caloura na faculdade. “A pandemia começou logo no meu primeiro ano de universitária e eu tive que me adaptar à faculdade e às aulas remotas, dois desafios de uma vez só. Para mim as aulas presenciais são muito mais dinâmicas, além de ter uma troca maior entre aluno e professor”, observa.

Com a liberdade dada pela instituição, a futura jornalista optou por ter aula on-line apenas uma vez por semana. Com a rotina, pelo menos, da vida de estudante, voltando ao normal aos poucos, ela lembra os desafios enfrentados ao longo do ano letivo de 2020. “A minha rotina foi o que mais mudou com a pandemia. Em alguns aspectos para melhor. O tempo que eu perderia para me deslocar até a faculdade eu tinha para ficar em casa descansando ou até mesmo adiantando alguma coisa. Me sobrava praticamente 1h30min para eu ficar fazendo o que eu quisesse. Hoje eu tenho somente 30 minutos, a outra uma hora é para ir até a UniSatc de ônibus”, revela.

Depois de um 2020 inteiro estudando remotamente, Catarina voltou às salas da UniSatc, seguindo todos os protocolos. Foto: Divulgação

A busca pela atenção dos alunos

Criar métodos para que os alunos não dispersassem e mantivessem a atenção nas aulas foi um dos desafios dos professores no pouco tempo que tiveram para se adaptar. “Eles precisaram passar a pensar em novos moldes, novos exercícios que fossem atrativos e engajassem o aluno que estava em casa. Passamos por um processo de ter que entender como o aluno reagiria ao ter a aula em casa, que era a realidade do início da pandemia. Os professores saíram da sala de aula que era o seu território conhecido e seguro para ir para um território um pouco hostil que é a internet. Tínhamos quem, por exemplo, não possuísse o equipamento necessário para lecionar de casa, então precisaram passar por um processo de adaptação. Alguns fizeram investimentos, a Unesc também auxiliou quem precisava de incremento de computadores, internet, entre outros. Na questão pedagógica, o professor precisou se adaptar à nova aula que passou a lecionar de casa”, fala Guilherme, que também é professor dos cursos de Ciências Biológicas, Farmácia e Engenharia Ambiental da Unesc.

Ele diz que muitas foram as inovações, como a criação de canais no Youtube por parte de professores, com a disponibilização de materiais adicionais e ferramentas digitais para interação. “É algo difícil durante a pandemia você ter uma interação tão grande nas aulas mediadas pela tecnologia como em sala de aula”, ressalta.

Professor Guilherme Alves Elias e a educação sob outra perspectiva. Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito

Este esforço constante é percebido pelos alunos. “Os professores começaram a usar e abusar das tecnologias. Não tínhamos somente aulas com slides. Tínhamos entrevistas e bate-papos on-line, podcast, filmes, vídeos. Outra coisa que eu gostei muito foi a apresentação de diversas plataformas que poderíamos usar para realizar nossos trabalhos em equipe de forma mais ágil”,  reforça Catarina.

Criando rotinas de estudo

O curso de Medicina possui muitas disciplinas práticas, agora imagine fazê-las de forma remota. É o que acontece com Gabriela Machado Goulart, de 24 anos. Cursando a oitava fase, ela segue em aula remota, o que mudou a sua rotina totalmente, pois passa a maior parte do tempo em casa. 

Para contribuir com casos como o de Gabriela, os professores estabeleceram formas de participar do processo ensino-aprendizagem. “Têm estudantes que criam rotina de estudos, desenvolvem o hábito de assistir às aulas gravadas, fazem as atividades e gostam muito deste formato que também é mais flexível quando eles têm rotina de trabalho ou mesmo domiciliar para conciliar com os estudos. Outros têm um pouco mais de dificuldade porque não conseguem manter a concentração durante as aulas on-line, dispersando com facilidade para outros estímulos disponíveis no ambiente em que estão assistindo às aulas”, frisa a assessora pedagógica dos cursos de Saúde, coordenadora e professora do curso de Enfermagem, da Unesc, Ioná Vieira Bez Birolo.

Mesmo com mais coisas para lhe distrair durante as aulas, as formas encontradas pelos professores para repassar o aprendizado tem contribuído com Gabriela. “Eles possuem papel importante neste momento, assim como já tinham em aulas presenciais, mas agora também são amigos e compartilhamos com eles os sentimentos de aflição que a pandemia traz”, constata.

Outro lado positivo apontado pela futura médica é a ampliação no volume de conteúdos que ela consegue estudar em casa. “Não existe a perda de tempo para me locomover até a faculdade. O tempo que eu passaria indo e voltando, ou me arrumando para ir, eu consigo estudar outras coisas, rever aulas gravadas e fazer resumo. Então acho que, por mais que existam distrações em casa, é possível se organizar para estudar outras coisas. Mas a aula presencial faz falta, sem dúvidas”, salienta.

João Vitor Demetrio Cardoso é um dos brasileiros que já tomaram a vacina contra o novo coronavírus. Mesmo assim, o aluno da sétima fase do curso de Engenharia da Computação da UniSatc, não se sentiu confortável em retornar ao ensino presencial. “Apesar de não ser a realidade de todas as instituições de ensino do Brasil, na minha percepção, a universidade que frequento soube migrar de forma satisfatória seu ensino para a plataforma on-line e, apesar de eu já possuir vacina, menos de 30% da população brasileira se encontra vacinada”, fala.

O acadêmico de 21 anos de idade acredita que aprender a ser autodidata contribuiu com ele neste mais de um ano de aulas on-line. “Com o início da pandemia, surgiram vários cursos ministrados de forma gratuita, além de palestras e seminários, uma boa forma de aprender. No entanto, existem dificuldades que precisam ser enfrentadas pelos alunos, como a falta de responsabilidade, concentração, o próprio autodidatismo ou até mesmo a falta de equipamentos que possibilitem a busca por conhecimento”, menciona.

A forma de ensino, revela o acadêmico, é feita, em sua maior parte, através de ferramentas de vídeo chamadas, além do portal do aluno e nos grupos de Whatsapp, exceto as avaliações.

Aprendendo a desaprender

Aprender a desaprender. Pode parecer estranho à primeira vista, mas esta é a expressão utilizada pelo professor da UniSatc, Diego Piovessan para retratar os desafios enfrentados durante a suspensão das aulas presenciais. Olhar novas perspectivas de ensino é o “aprender a desaprender”, citado por ele, que tem experiência de 13 anos lecionando no ensino superior e que, para suprir a falta das aulas presenciais, buscou entender sobre outras ferramentas, algumas que até mesmo já eram utilizadas, mas com pouca frequência. Mais que isso, ele levou algumas delas da vida profissional para a acadêmica.  “Passei a utilizar os mesmos recursos em sala de aula para promover uma melhor prática de aprendizagem para os alunos”, revela.

Para Piovessan, há algum tempo, o professor vem se tornando um mediador do conhecimento. “Hoje nós temos a informação na palma da mão, mas esta informação só se torna conhecimento por meio de uma mediação e uma prática, senão ela vai ser só uma informação. O professor é um agente importante na transformação desta informação para o conhecimento aplicado ao aluno. Na sala de aula, no dia a dia do ensino presencial, nós colocamos isso em modelos, práticas, atividades, simulações. O que tivemos que fazer neste novo modelo foi utilizar as ferramentas digitais para transformar estas práticas e não deixar de tê-las junto aos nossos alunos neste formato que estamos trabalhando com mais efetividade”, enaltece. 

O novo papel do professor, segundo o professor Diego Piovessan Medeiros:

 

O profissional aponta que outra coisa que que julga interessante é a adaptação dos conteúdos e práticas que antes eram totalmente presenciais. “Uma atividade em que os meus alunos faziam um relatório e entregavam impresso, eu adaptei para que eles publicassem microtextos em um site estilo blog. Fiz pequenos podcasts de simulação e revisão da aula, que eu disponibilizei no Soundcloud e pedia que eles revisitassem a aula simplesmente ouvindo aquele áudio ou até mesmo comentando”, relata.

"Aprendendo a desaprender", o professor Diego Piovessan encontrou caminhos para superar as dificuldades impostas pela pandemia. Foto: Divulgação

Mão na massa e rosto na tela

A professora e pesquisadora, Pamela Milak é outra que usou a criatividade para dar prosseguimento às disciplinas teóricas e de cálculos que leciona na UniSatc. Nesta busca, entre as iniciativas, ela foi ao laboratório gravar vídeos e os disponibilizou aos alunos. “Eu poderia achar um vídeo similar na internet, mas ir para o nosso laboratório, gravar no nosso equipamento e demonstrar para o aluno a nossa preocupação em estar presente é diferente. A gente dá ao acadêmico a importância que ele realmente tem”, conta. 

Um dos maiores desafios para ela foi transformar todo o conteúdo para o formato on-line. “Como professor, a gente interagia em sala de aula com o acadêmico. Já em material digital, os alunos estavam em suas casas, confortáveis e se a gente ficar com a câmera aberta apenas falando e falando, sem nenhum material que pudesse interagir, demonstrar, pontuar, assinalar, isso tornaria a aula monótona e facilmente a linha de raciocínio do aluno se perderia. Quando a gente vai para a sala de aula, o acadêmico está muito mais focado”, relata.

Entre hardware e software, Pamela encontrou novas formas de ensinar - Foto: Guilherme Hahn/Especial/4oito 

Pamela lembra que muitos conteúdos não existiam em material digital porque havia o apoio do quadro e da interação. “Isso se perdeu. E, ao mesmo tempo, quando a gente transforma o que temos em nossa mente em um material digital, também não pode ser monótono. Este foi o principal desafio: identificar as possibilidades que eu tinha para que pudesse construir uma aula 100% remota, mas que fosse dinâmica, que o aluno pudesse participar ativamente, que não fosse apenas um passar de slides e que a gente conseguisse agregar valor ao conteúdo repassado”, afirma.

Tudo isso veio após estudar e entender, em tempo recorde, o funcionamento de novas plataformas e demonstrar aos acadêmicos como as utilizar. “Fomos muito dinâmicos e criativos nesta transição, que eu creio, nos adaptamos muito rápido”, acrescenta.

Professora e pesquisadora Pamela Milak e os desafios impostos pela pandemia:

 

Aproximação também com os pais

Além de se aproximar ainda mais dos universitários, foi também necessário abrir um canal de conversa com os pais, o que foi feito pela Unesc. A universidade abriu, ainda mais, seus canais de conversa com os pais dos estudantes, o que reforça a preocupação da instituição com o atendimento acolhedor e humano a todos os estudantes, mas é preciso reforçar a autonomia didática e pedagógica desse território de ensino e de aprendizagem. É preciso reforçar a autonomia do estudante, uma vez que ele precisará ser o autor do conhecimento, tendo seus professores como mediadores deste processo”, enfatiza o diretor de Ensino de Graduação, Marcelo Feldhaus, acrescentando que, em sua opinião, o ensino superior sairá da pandemia com muitas reflexões e certo de seu papel na construção da sociedade como um todo. “Sai fortalecida e com olhar atento às questões que são apresentadas todos os dias pela sociedade vigente”, complementa.

Distanciamento minimizado pela inspiração

Uma das mudanças percebidas pelo professor Diego Piovessan é o distanciamento que pode ser minimizado por meio da criatividade dos profissionais.  “Os formatos remotos nos distanciam muito do olho no olho que nós tínhamos na sala de aula, mas as práticas que construímos buscam nos aproximar cada vez mais e construir laços afetivos, coisa ainda difícil porque nem todos os acadêmicos têm o recurso de câmera, por exemplo, para abrir e estar conosco naquele momento. A gente interage dentro de um formato audiovisual, mas às vezes aquele acadêmico só interage com a gente por meio de texto. “Um dos pontos legais é que conseguimos trazer profissionais de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Porto Alegre, para falar com os alunos de forma remota. Foram adaptações que trouxeram pontos positivos porque muitas vezes a gente não viabiliza isso no meio do semestre que conseguimos agora de forma remota”, afirma Piovessan, acrescentando que, na sua opinião, este é um momento de transição e que o pós-pandemia não será igual ao pré-pandemia. “O impacto que a pandemia tem nos apresentado com toda esta transformação é que podemos utilizar cada vez mais os recursos digitais em sala de aula, os recursos que os alunos têm nas mãos para poder trabalhar com a aula e que as práticas tomam mais tempo e lugar das questões expositivas porque estamos vivendo com excesso de informação. Ainda não sabemos ao certo o que vem pela frente. O que a gente sabe é que nós como professores precisamos aprender a desaprender sempre, estarmos abertos a ser flexíveis dentro de vários modelos do quanto a gente vem se transformando e aprendendo. A gente não volta da mesma forma de como a gente entrou. A gente volta transformado”, pontua.

A opinião do pró-reitor de Ensino e Extensão da UniSatc, Jovani Castelan, sobre o futuro da educação:

 

Outro ponto, este destacado pelo pró-reitor da UniSatc, Jovani Castelan, é que as aulas presenciais precisarão ter uma razão de ser no pós-pandemia. “Será preciso fazer que tenha significado de o aluno estar ali, participar de uma experiência, de uma atividade prática. Conteúdos mais teóricos, expositivos fatalmente vão ficar de forma remota, pois temos alunos que se deslocam de outras cidades e tudo isso tem custo. Para fazer com que eles se desloquem, a aula tem que ter um sentido para que a presença física seja necessária. Não fará sentido a gente fazer uma aula totalmente teórica de forma presencial no pós-pandemia. A nossa instituição, como foca na parte prática, nas oficinas, no fazer de fato, construir, prototipar, a nossa carga de parte prática é mais incrementada. Teremos mais horas práticas e menos teóricas”, menciona.

O professor como curador de conteúdos

Ainda para o pró-reitor, o professor conteudista não tem mais espaço. “O papel do professor mudou. Temos acesso a inúmeras maneiras para se obter uma informação on-line, em qualquer hora e lugar. Os professores precisam trabalhar como um curador de conteúdos. Ele pode analisar um conteúdo, a procedência e julgar se é relevante para o aprendizado do aluno. É primordial para o professor fazer com que os alunos mantenham o foco. Com a aula remota, os alunos em suas casas criam diversas distrações. Fazer que o aluno fique focado na aula é complexo para o professor porque precisa disparar gatilhos para que os universitários mantenham a atenção. Se perder a atenção, o professor fica falando sozinho e os alunos simplesmente logados, mas com a  cabeça em outro lugar”, enfatiza.

No ensino híbrido, professores se dividem entre os alunos que estão em sala de aula e aqueles que seguem de forma remota. Foto: Divulgação

Uma educação pós-pandemia ainda mais digital

Assim como faz falta para os acadêmicos, a ausência dos alunos de forma física nas salas de aula também afetam os professores. A assessora pedagógica dos cursos da Saúde, coordenadora e professora do curso de Enfermagem, da Unesc, Ioná Vieira Bez Birolo, descreve este sentimento. “Estamos sentindo falta da presencialidade, do olho no olho, de dar aulas andando pela sala e dialogando com os estudantes, mas este período está nos ensinando muito sobre tecnologia e inovação, mas também muito sobre a importância da concepção de educação que temos. Em aulas mediadas por tecnologia fica mais evidente que a educação não é transmissão de conhecimento, mas sim construção deste por todas as pessoas envolvidas, portanto, não basta ter um canal para transmitir a aula, precisamos ter pessoas engajadas e interessadas em se corresponsabilizar com este processo para aprender juntas”, diz.

O ensino híbrido, sobretudo na educação superior, é uma realidade que veio para ficar, segundo a opinião da assessora pedagógica da área de Ciências, Engenharias e Tecnologias e  coordenadora adjunta do Curso de Engenharia. Ambiental e Sanitária, Paula Tramontin. “É preciso que as instituições criem estratégias para mesclar o ensino presencial com o remoto. A incorporação da tecnologia nos processos de aprendizagem também é outra mudança que deverá ser permanente, para que, de fato, aconteça uma ampliação das possibilidades de trabalho. A pandemia evidenciou a importância do afeto para o estímulo do aprendizado, e que a tecnologia não substitui o contato pessoal e a interação entre os estudantes, nem os professores. Esse é o principal aprendizado desse período que tem sido um momento de reflexão para um entendimento de que a educação é um processo contínuo, que não começa e termina no ano letivo”, exalta.

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