A primeira vez que vi o conceito descrito apresentado no título foi em 2015, numa palestra do Murilo Gun que, por si só, era uma série de quebra de paradigmas pelos caminhos que ele tomou até chegar naquele palco.
Eu já o conhecia e acompanhava há algum tempo, mas pelos vídeos de comédia stand up que publicava no YouTube. Ele foi um dos pioneiros desse movimento, junto com referências como Rafinha Bastos, Danilo Gentili e Diogo Portugal. Na época ele se dividia entre o humorista e o palestrante de inovação e criatividade, que é o seu foco hoje.
Em 1997, ainda um menino de 13 anos de Recife (PE), Murilo Araújo ficou conhecido nacionalmente ao vencer pelo voto popular, com o site Gun’s Hot Page, o prêmio de “Melhor Página Pessoal” do IW Best’96. Pra ter ideia de quão antigo é esse evento, o prêmio de “Indústria/Comércio” foi para a TecToy e “Serviço e Comércio” ficou com o buscador Cadê?. Esse feito, e a visão inovadora que já era nítida, o levou a ser entrevistado pelo Jô Soares.
Algum tempo depois, em 1999, ele criou o primeiro site de delivery do Brasil, chamado de Peça Comida. O fracasso do projeto é um dos melhores exemplos que vi da importância de estar certo na hora certa. O próprio Murilo contou assim o episódio em 2013:
Na época, não existia banda larga (era conexão discada), o que inviabiliza enviar o pedido para o restaurante pela internet. Então a nossa solução foi um equipamento que acoplava um pager (bip) com uma impressora térmica (aquelas de nota fiscal) e que imprimia o pedido direto para a cozinha.
Como toda startup, fizemos uma linda planilha prevendo os vários cenários futuros do negócio. Mas, em menos de um ano de operação, aconteceu algo que não prevíamos nem no pior dos cenários: as empresas de pagers faliram e não tínhamos mais como enviar os pedidos. O alicerce do nosso negócio havia desmoronado.
Durante algumas semanas, os pedidos foram repassados manualmente por telefone, até que desenvolvemos um sistema de envio por fax. O problema parecia solucionado, afinal, todo restaurante tinha um aparelho de fax (e até hoje a maioria tem). Na verdade, tinha até melhorado a nossa operação, porque não havia o custo do comodato do aparelhinho.
Refizemos a linda planilha e os cenários ficaram mais promissores ainda. Mas, poucas semanas depois, aconteceu algo que não prevíamos nem no pior dos cenários: o aparelho de fax ficava no escritório do restaurante e no domingo (dia de mais pedidos), o escritório ficava fechado. E a maioria dos restaurantes se recusava a colocar o fax na cozinha (com razão!).
Ainda tentamos enviar os pedidos por SMS, mas na época ainda era muito caro e complexo para enviar e receber mensagens de texto. Como não tínhamos fôlego financeiro para manter a operação (até popularizar a banda larga), o site fechou as portas.
Ele teve uma ideia inovadora? Teve.
Ele viu uma necessidade? Viu.
Ele está correto? Estava!
Mas falhou assim mesmo. E isso aconteceu porque a ideia dele não era compatível à tecnologia da época. Ele falhou por estar a frente de seu tempo. Se ele fosse menos inovador, teria tido mais sucesso. Irônico, não?
Outros vários exemplos estão espalhados pelo mundo. Como o iPad, um dos símbolos da mente inovadora de Steve Jobs, que não foi nem de longe o primeiro tablet inventado. Nem mesmo o primeiro da Apple, que chegou a criar, em 1983, o protótipo Bashful. Ainda na linha da Apple, o “pioneiro” iPhone foi lançado em 2007, enquanto o Palm Pilot (também conhecido por Palm Top) foi lançado em 1996.
Aí você se (ou me) pergunta: Se o importante não é ser o primeiro, o que é então? Entender o cenário.
A tão repetida disrupção, protagonizada por empresas como Uber e Nubank, é tanto um movimento tecnológico quanto comportamental.
Ao mesmo tempo que o conceito do site de delivery do Murilo seguia a mesma lógica do iFood, não havia internet tão acessível nem usuários em massa tão adaptados à vida digital como acontece hoje.
Ele era um “homem muito a frente de seu tempo” e, por esse muito, falhou.