Nesta semana o presidente Jair Bolsonaro (PL) tirou um tempinho para ler a imprensa catarinense e não gostou. Em uma daquelas clássicas conversas/desabafo com apoiadores em Brasília,
— Parte da imprensa de SC está batendo em mim porque eu cortei R$ 38 milhões do orçamento de Santa Catarina. Eu cortei R$ 3 bilhões do Brasil todo. O Parlamento fez um orçamento além da previsão de receitas, sou obrigado a cortar. Estão me esculhambando em Santa Catarina porque cortei R$ 38 milhões. Mas a gente vai recompor ao longo do ano porque tem excesso de arrecadação. Mas é impressionante a crítica. Por que não criticaram os parlamentares que inflaram o orçamento?— afirmou.
Houve um tempo na imprensa brasileira que começou a ser importada a figura do ombudsman. O nome esqusito vem do sueco e é basicamente um ouvidor. No jornalismo, um profissional contratado pelo próprio jornal para fazer uma análise crítica do que era publicado. No Brasil, a Folha de S. Paulo adotou o modelo e o preservou até hoje, mas é uma rara exceção. No Brasil, quem gosta mesmo de criticar a imprensa são os políticos e seus fãs clubes.
É bom saber que repercutiu em Brasília a crítica generalizada que ele sofreu da imprensa catarinense e de seus articulistas com mais um corte de recursos para obras de infraestrutura no Estado. Talvez fiquem de olho. Santa Catarina foi o Estado que mais votou em Bolsonaro no primeiro turno das eleições de 2018 e o segundo com maior patamar no segundo turno - os exuberantes 75% só foram suplantados pelo apoio à eleição do presidente entre os acrianos, com 77%.
Santa Catarina também foi o primeiro lugar em que Bolsonaro liderou pesquisas para a presidência, ele mesmo gosta de repetir isso quando visita o Estado. É o epicentro do bolsonarismo e ainda hoje o local onde desfruta de maior popularidade, dizem as pesquisas internas. É bom que o presidente olhe com mais cuidado para as coisas de um Estado que o trata tão bem - afinal, a hora de renovar esse apoio está chegando.
Santa Catarina estar no fim da fila das atenções de Brasília não é uma novidade introduzida por Bolsonaro na política. A força política do Estado - um pouco mais ou um pouco menos a cada legislatura - é historicamente frágil diante de outras unidades da federação com bancadas maiores ou com articuladores que sabem negociar melhor as recompensas ao apoio entregue.
Os catarinenses certamente não votaram em Bolsonaro esperando que ele desse privilégios indevidos ao Estado em relação a outros que lhe deram menos votos. Santa Catarina quer o que a União lhe deve historicamente. O sexto Estado que mais arrecada para o país não pode ser o 21º em repasses. A grande demanda local - a que gera mais críticas quando existem cortes de orçamento - é a infraestrutura, é a duplicação das BRs 280 e 470, a revitalização das BRs 282 e 163, a conclusão da BR-153, a adequação daquele trecho da BR-101 em Araranguá.
O catarinense não está a passeio. Quer do governo federal a melhoria na malha viária para escoar produção, para fortalecer a economia, gerar mais impostos - mandar mais dinheiro para Brasília até. Se a resposta de Bolsonaro é ironizar a imprensa, terceirizar as culpas e repetir a fala do ministro Tarcísio de Freitas de que os cortes são mera burocracia orçamentária, corre o risco de ver diminuir o entusiasmo do Estado que primeiro se entusiasmou por quem prometeu "mais Brasil e menos Brasília".