Nestes tantos anos de jornalismo, e de vida, um dos episódios mais marcantes, emocionantes, foi a volta de Derlei para casa.
A impressão era que toda a cidade estava naquele salão paroquial, ao lado de Igreja Matriz, no centro de Içara. E chorava todo mundo. Prefeito, padre, os vizinhos, amigos, familiares, políticos.
Era a volta dos exilados depois da ditadura, e a reconquista da democracia.
Hoje em dia, ficou até meio difícil falar nisso - fim da ditadura, volta da democracia. Mas, não sabem os que não gostam desta conversa o que sofreram pessoas como Derlei Catarina de Luca.
Jovem, mas de opinião, contestadora, ela foi tratada como bandida. Perseguida, presa, torturada, exilada. Viveu fora do país durante muitos anos porque era a forma de não ter o mesmo fim de muitos amigos, que foram mortos pela repressão.
Derlei voltou e retomou a vida. Professora maravilhosa. Encantava os seus alunos na sala de aula.
Ela voltou também à militância política.
Inspirou muitos da minha geração.
Apesar de tudo o que enfrentou, era divertida, espirituosa, fraterna, bom papo. Uma pessoa meiga, amiga.
Foi baluarte na luta para fazer o país se encontrar com a sua verdadeira história, contando as tantas mortes dos presos políticos.
As suas entrevistas eram verdadeiras aulas. Sempre inteligentes, interessantes, precisas.
Numa viagem que fiz à São Paulo, faz mais ou menos dois meses, encontrei Derlei no aeroporto de Jaguaruna, e falamos da sua nova luta pela vida. Agora, contra um câncer. E nos despedimos no aeroporto de São Paulo com um forte abraço e um beijo.
“Se a ditadura não te matou, não vai ser um câncer que vai te vencer” - foram as últimas palavras que ela ouviu de mim.
Mas, desta vez ela foi vencida!
Morreu hoje, 19h, aos 71 anos, em Sã Paulo, onde estava internada. Velório neste domingo, em Içara.
Ela era a ocupante da cadeira numero 1 da Academia Criciumense de Letras.
O prefeito Murialdo Gastaldon escreveu bem, logo que soube da morte:
“Içara e o Brasil perderam esta noite uma guerreira incansável na luta pela democracia.
Mulher de fibra, forte, corajosa, enfrentou diversas batalhas: a militância, a prisão, o exílio, as saudades de casa, da família e do filho, mas resistiu.
Com marcas no corpo e na alma, seguiu lutando bravamente, nos anos pós ditadura, por memória, verdade e justiça. Gratidão por ter tido a oportunidade de conhecê-la”.
Murialdo decretou luto oficial de três dias no municipio de Içara.
A vida de Derlei dá livro, filme, novela. História de uma vida intensa. Com muito sofrimento, mas de muitas vitórias, conquistas, paixões. De uma grande mulher.
Que vai ficar nas nossas memórias. E no coração. Para sempre.