Gaeco, funerárias, Bolsonaro, prisão do prefeito, soltura do prefeito. Esses foram alguns dos ingredientes que fizeram desta a eleição mais eletrizante da história recente de Criciúma, no último domingo. As editorias de política e de polícia se cruzaram o tempo todo. O embate entre os dois principais adversários transcendeu os limites eleitorais e se tornou um "bode na sala" a partir de agora, já que os assuntos espinhosos tratados durante a campanha deixaram marcas e mágoas aparentes.
Os acertos de Vaguinho
Entre os acertos que deram a vitória a Vagner Espíndola (PSD) estão a linha de comunicação adotada e a vontade de ser prefeito. Em todos os momentos em que esteve como candidato do partido, o agora prefeito eleito não deixou dúvidas sobre seu desejo de se eleger. Além disso, contou com um time de pessoas que sabiam da importância de sua vitória para o grupo político do PSD, como o deputado Júlio Garcia e o prefeito afastado, Clésio Salvaro. Os dois citados anteriormente foram os grandes responsáveis pela votação de Vaguinho, que, acostumado aos bastidores burocráticos da função que ocupava no governo Salvaro, obviamente, não tinha votos nem capital político. A falta disso foi compensada pela atuação de JG e Salvaro, que emprestaram a Vaguinho seus nomes e capacidade de liderança e de agregar votos. Deu certo.
Os erros de Guidi
Política é feita de fatos e circunstâncias. E, por ter apostado somente nisso, Ricardo Guidi (PL) perdeu a eleição. Os fatos apontados pelo Gaeco, envolvendo o prefeito Clésio Salvaro e seu suposto envolvimento em fraude de licitação de serviço funerário em Criciúma, e as circunstâncias envolvendo o sentimento de alternância de poder, não foram suficientes para garantir a sua vitória nas urnas. Como diria algum político de plantão, eleição se ganha no "atar". Faltou atar melhor, unir forças com partidos tradicionais e apostar numa estratégia de comunicação capaz de apontar as melhorias necessárias para a cidade sem parecer um ataque. Agora, Ricardo Guidi sabe disso.
Bolsonaro: muito ajuda quem não atrapalha
Guidi também sabe, através de dados numéricos, que a vinda de Jair Bolsonaro a Criciúma não teve efeito positivo em sua campanha. Ao contrário, pesquisas internas apontaram que a presença do ex-presidente fez o candidato do PL despencar 8 pontos na intenção de voto dos criciumenses. Isso ocorreu porque parte dos eleitores que consideravam votar em Guidi como segunda opção de voto, ou voto útil, não gostou da ideia de votar num nome apoiado por Bolsonaro.
O PL
O PL foi fundamental para que a eleição em Criciúma ganhasse contornos de disputa, de fato. Desde 2008, quando Clésio Salvaro disputou a eleição para prefeito da cidade, ele e seu grupo não passavam sufoco nas urnas. Naquela eleição, ele fez quase o dobro do segundo colocado, sendo eleito com 53 mil votos. Em 2012, na sua reeleição, ele fez 85.500 votos, mas não pôde assumir por conta da Lei da Ficha Limpa. Sendo assim, quem recebeu a "bênção" para ir às urnas em seu nome foi Márcio Búrigo, eleito com mais de 70% dos votos. A boa relação entre eles durou pouco. Em 2016, quando voltou a concorrer, Salvaro fez 75% dos votos (foram 82.959 criciumenses que apostaram nele novamente). Em 2020, durante a pandemia, mais uma vez ele “quebrou” a urna e levou para casa 72% dos votos (71.615).
Hegemonia em queda
O cenário de sucessão de Clésio Salvaro foi, de longe, o mais difícil enfrentado por ele nas urnas. A diferença entre Vaguinho, seu sucessor, e Guidi foi de 12.335 votos, cerca de 12%. De um lado, Vagner Espíndola, que está com Salvaro há anos, conhece os detalhes da gestão e integra seu núcleo de confiança, mas que não foi a primeira opção para a disputa majoritária. Do outro, Ricardo Guidi, que saiu do partido porque não teve espaço para concorrer ao cargo pelo PSD. Ambos jovens, estreantes na disputa pela vaga de prefeito na maior cidade do sul. A briga entre eles levantou questões importantes e dividiu politicamente a cidade.
E acendeu um alerta: a hegemonia de Salvaro está em queda.
Veja: dos 154.638 eleitores criciumenses aptos a votar, 26,48% se abstiveram, um total de 40.941 pessoas que “escolheram não escolher” porque não se viram representadas em nenhum dos seis candidatos disponíveis. 3,32% dos eleitores votaram nulo (3.779 votos) e 3,21% votaram em branco (3.646 votos).
Sendo assim, restaram 106.272 votos válidos, que foram distribuídos assim:
Vaguinho (PSD): 52.423 votos (49,33%)
Guidi (PL): 40.088 votos (37,72%)
Arlindo (PT): 8.842 votos (8,32%)
Kaminski, Ferrarezi e Godinho: 4.929 votos (4,63%)
A vitória de Vaguinho aponta que, percentualmente, Clésio Salvaro vive seu momento político mais preocupante. Somados os votos de quem escolheu Ricardo Guidi (40 mil) e de quem não escolheu o candidato do Salvaro (abstenções, que também foram 40 mil), são 80 mil eleitores que, ou queriam a alternância de poder na prefeitura de Criciúma ou não “compraram” a opção apresentada, neste caso, representada por Vaguinho. Na história recente, esse cenário seria impensável, pois Salvaro sempre teve tranquilidade nas urnas. Dessa vez foi diferente. Para além da vontade do próprio Vaguinho de sair de “trás do balcão” e ser protagonista, de fato, teve o ingrediente “Salvaro com sangue nos olhos”, em busca da vitória para seu sucessor, afinal, perder em casa seria uma tragédia.
A Salvarolandia
Para consumo externo, a vitória foi consagradora – e foi mesmo. Mas, para análise interna, as urnas deram um recado amargo: o "Salvarismo" na "Salvarolândia" enfrenta sua primeira turbulência. Sim, nobre leitor, todos sabem que o prefeito afastado não era o candidato, mas a sua força política, neste caso, passou por um teste importante. Isso sem contar o desempenho do PL, um estreante na cidade, que elegeu a maior bancada na câmara de vereadores. Mas isso é assunto para o próximo post. Por enquanto, fica o saldo de uma eleição emocionante que, diga-se de passagem, fez muito bem para a cidade de Criciúma, apesar dos pesares, pois amadureceu o debate político.
Começa agora o tempo de atar a eleição de 2026.
Antes disso, a previsão do tempo indica que vai faltar ordem de serviço para autorizar as obras de reconstrução das pontes políticas que foram destruídas nas eleições deste ano. Obras estas que serão feitas sem licitação. É que, por aqui, você sabe, licitação tem dado muito problema.