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Frio, boneco de neve e um pedaço de mureta

Publicado no Toda Sexta

Por Adelor Lessa 27/07/2021 - 06:46 Atualizado em 27/07/2021 - 06:48

Nesta época de frio intenso, volto ao final da década de 70.
Rogério Tarzan era prefeito de São Joaquim.
Ele corria o estado e o país falando das maçãs e do frio da sua cidade.
Queria atrair muitos turistas.
Já garganteava que era a cidade mais fria do Brasil. E dava certo.
Não tanto quanto hoje, mas muitos turistas subiam a serra na época de frio intenso. Principalmente quando tinha previsão de neve.

A Tv Eldorado era a emissora de televisão que gerava de Criciúma para todo o estado.
As nossas reportagens então, todas, eram vistas “por toda Santa Catarina”(como diria LHS), e de vez em quando pelo país, porque fazíamos parte da rede Bandeirantes.

As boas reportagens, o nosso editor oferecia para a Bandeirantes.
Quando tinha uma pauta interessante por aqui a Bandeirantes pautava.
Foi assim num ano muito frio, mais ou menos nessa época, quando todas as previsões projetavam neve intensa para São Joaquim.
Então, subimos a serra.

Amilton Luiz era o cinegrafista (craque, o melhor) e também motorista.
Eu estava na minha primeira experiência de Tv. Tinha 1 ano e meio.
Vinha da sucursal do jornal O Estado (o primeiro jornal estadual, que hoje não existe mais), e da radio Araranguá.
Subimos, só nós dois, as 5 da manhã.
Frio de congelar até o pensamento.

Chegamos na Serra do Rio do Rastro e ainda não tinha amanhecido o dia.
Hoje, a serra está pavimentada, tem iluminação e guard rail (muretas de proteção).
Naquela época, não tinha nada disso.
Nem pavimentação, nada de iluminação, e apenas uns pedaços de mureta.

Como aquela tinha sido a noite mais fria do ano, a água que corria na serra congelou, formando uma camada de gelo na pista.
O carro da reportagem da Tv Eldorado era uma Caravan (uma perua de porte grande, derivada do Chevrolet Opala). Pode ter sido o que nos salvou.

Numa das curvas, o carro patinou numa camada de gelo, e começou a descer. Para o lado. Na direção do “penhasco”.
Eu arregalei os olhos, mas o Amilton, motorista "de mão cheia”, procurou tranquilizar: “deixa comigo, vou tirar o carro daqui no braço”.
Mas, era muito gelo!

A Caravan marron continuou a descer, indo na direção do penhasco, silêncio absoluto dentro do carro, os segundos pareciam horas, e o Amilton não conseguia dar a volta.
Até que o carro parece que descolou e “se foi de vez”. Ficamos esperando a queda!

Mas, o carro bateu em alguma coisa e parou.
Era noite ainda, tudo escuro, não passava ninguém.
Não sabíamos onde ou no que tinha batido.

Primeira reação: “vamos sair correndo daqui”.
Mas, o Amilton, cauteloso, experiente, orientou: “a gente não sabe o que tem lá fora, nem onde o carro trancou, tem que sair bem devagar para não mexer”.
E assim foi feito. Descemos com cuidado, pisando em ovos, para não escorregar na camada de gelo sobre a pista.

Lá fora, sentados no chão, minutos de silêncio, sem um olhar para o outro.
Coração saindo pela boca.

Quando começou a amanhecer, vimos que uma ponta do parachoque do carro tinha batido num pedaço de mureta.
Alguns centímetros para a direita, não tinha mureta. Seria direto para o penhasco.
Ficou mais tenso ainda !

Mas, foram necessários apenas alguns minutos para nos restabelecermos.
Depois de uma água mineral, e contar o acontecido para os motoristas e turistas que começaram a passar, esperamos o sol derreter o gelo na pista e seguimos na direção de São Joaquim.

Lá, falamos com o prefeito Tarzan na praça (foto), com turistas fazendo boneco de neve, e foram muitas imagens maravilhosas. Tudo branquinho.
Fizemos uma bela reportagem e à noite estávamos no Jornal da Band, para todo o Brasil.
Mas, só com neve, frio, gelo, turistas e o clima europeu de São Joaquim.

O susto na serra, ficou só pra nós.

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