Entre pianos contidos, vozes trabalhadas como instrumentos, guitarras e minúcias atmosféricas que sutilmente tendem ao Jazz, Nina Becker abre passagem para o terceiro álbum de inéditas em carreira solo, Acrílico (2017, YB / Natura Musical). Vindo em sequência aos ótimos Azul e Vermelho, ambos lançados em 2010, o trabalho pula parte das experiências incorporadas em registros como Fazendo As Pazes Com o Swing (2012), parceria com a Orquestra Imperial, e Minha Dolores (2014), álbum em que interpretou a obra de Dolores Duran, para mergulhar em um universo próprio da cantora e compositora carioca.
Feito para ser degustado pelo ouvinte, Acrílico faz da inaugural faixa-título um delicioso convite a se perder pelo interior da obra. Vozes sobrepostas que costuram pianos e melodias ancoradas no soul/jazz dos anos 1970, lembrando em alguns aspectos a obra do Steely Dan, referência ampliada na atmosfera colorida de Zebra Dálmata, quarta faixa do disco e um delírio poético que joga com as incertezas do eu lírico. Um labirinto musical que cresce à medida que o trabalho parece testar os próprios limites e, principalmente, a voz de Becker.
Tal qual a dobradinha de obras apresentadas há sete anos, Acrílico se quebra em instantes de profunda leveza e atos grandiosos, reforçando o diálogo da cantora com elementos do rock. É o caso de Voo Rasante, composição escolhida para anuciar o disco e uma viagem musical em direção ao passado. Uma solução de versos rápidos que contam com a assinatura de Jonas Sá, como se Becker buscasse acompanhar os parceiros de estúdio, os músicos Alberto Continentino (baixo), Pedro Sá (guitarra), Rafael Vernet (teclados) e Tutty Moreno (bateria).
Quando desacelera, Becker confessa sentimentos. Difícil não ser arrastado pela emoção que invade os versos de O Seu Azul, música que joga com as metáforas de maneira sensível. “Posso sentir suas mãos no meu rosto / Mãos de jardim cultivando o meu corpo / Plantado no chão, o meu coração de pedra“, canta enquanto uma base atmosférica cresce ao fundo da canção, transportando Becker para os clubes de jazz dos anos 1950/1950. Arranjos e versos perfumados pela saudade, proposta reforçada na execução de músicas como O que eu não sei, Olhinhos e a derradeira Aperta a minha mão.
Nascido da combinação entre ritmos que refletem as próprias experiências de Becker — “samba, o pós-punk da adolescência e a música livre e experimental dos anos 60 e 70“, como resume o texto de apresentação do trabalho —, Acrílico joga com a estranheza de forma hipinótica. É o caso do pop torto em Caramelo da Nostalgia, música que nasce como um verdadeiro mosaico de referências, e o sambinha em Kawaii, composição que se espalha entre versos ora cantados em português, ora em japonês, lembrando a atmosfera do clássico Futurismo (2006), de Kassin+2.
Completa pelos versos assinados por um time de artistas próximos — caso de Kassin, Romulo Fróes, Negro Leo, Thalma de Freitas e Moreno Veloso —, e inspirado pela atmosfera do Rio de Janeiro dos anos 1950, nas obras do artista plástico Roberto Burle Marx e na estética modernista, Acrílicolentamente expande os próprios domínios. Trata-se de uma obra viva, mutável, como se Becker aportasse em um novo território conceitual e poético a cada nova composição, revelando ao público um trabalho tão colorido (e versátil) quanto a sequência de obras que o antecedem.
(© Miojo Indie 2017)