A música Clube da esquina 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges, 1972) já foi tão bem (re)gravada ao longo de 46 anos de vida que parece difícil dar novo tom à composição. Mas tal teoria é demolida com a audição da abordagem de Clube da esquina 2 que abre Duetos, álbum independente que Jane Duboc lança amanhã, 16 de março de 2018, cerca de 40 anos após ter iniciado discografia nem sempre à altura da voz dessa cantora paraense, nascida em Belém (PA) em 1950.
Na gravação de Clube da esquina 2, o Roupa Nova mostra todo o talento e potencial muitas vezes subaproveitados na discografia do grupo vocal carioca. A combinação das vozes do Roupa Nova com o canto límpido de Jane abre caminhos harmônicos para a canção, como exemplificam os vocais caudalosos dos cantores no verso "De um rio, rio, rio, rio, rio". Com arranjo conduzido pelo toque do piano da própria Jane, a inebriante gravação de Clube da esquina 2 valoriza Duetos, álbum produzido por Daniel Figueiredo.
Os arranjos do disco são minimalistas, geralmente calcados no piano ou eventualmente no violão tocado pela própria Jane Duboc, como na canção Janela de um trem (Jane Duboc), gravada pela cantora e compositora em dueto terno com Toquinho. Em Duetos, a artista reitera o hábito de recusar os caminhos mais fáceis. Embora siga a fórmula popular dos encontros, o álbum tem repertório situado longe do trilho da obviedade.
Duboc joga luz sobre canções pouco ouvidas, caso de Nada sem você (Ivan Lins, Ivano Fossatti e Celso Viáfora, 2000), gravada com o toque da guitarra de Roberto Menescal e com a voz geralmente kitsch de Marina Elali, cantora potiguar que acerta ao dosar a opulência vocal em nome do bom gosto.
Ode ao canto, Voz (Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro, 1995) se engrandece no disco pelo ousado arranjo vocal – criado pela própria Jane Duboc, cantora de refinada musicalidade – e pelo encontro afetivo da anfitriã com o filho cantor, Jay Vaquer, cuja presença dá sentido adicional a versos como "Abençoada a voz do ser que canta / É feito voz de mãe, só faz carinho / E mãe cantar para filho é coisa santa".
Vaquer é o compositor de Aquela música (2003) – música revivida por Duboc em dueto com um correto Fábio Jr., em outra evidência dos riscos corridos pela cantora ao escolher os convidados do álbum Duetos – e de Cotidiano de um casal feliz (2005), composição gravada por Duboc com a deslocada Erika Ender, coautora do hit mundial Despacito (2017).
Reminiscência de álbum obscuro da discografia da cantora, Jane Duboc (Som da Gente, 1982), Eu no sol tem a temperatura elevada demasiadamente pelo canto inflamado de Oswaldo Montenegro, parceiro de Jane na composição. Parceria de Duboc com o produtor Daniel Figueiredo, From sun to sun ameniza o calor na trama dos violões e no canto de Celso Fonseca, convidado da gravação feita em inglês, idioma também da bonita canção The angel, ouvida com a voz de Bianca Gismonti e com o toque do piano de Egberto Gismonti, parceiro de Duboc na composição.
Já Fruto de estação (Jane Duboc e Sueli Corrêa, 2000), música revivida com a cantora italiana Mafalda Minnozi, é ambientada no clima jazzy que volta e meia aparece na discografia da artista. Melhor cantora do que compositora, Duboc optou por dar voz a algumas canções autorais no CD Duetos. Uma delas é o blues Rastro de sangue (Jane Duboc e Zeca Calazans, 2016), valorizado pelo canto caloroso de Claudio Damatta.
Enfim, o álbum Duetos retrata os gostos e escolhas de Jane Duboc, cantora que, com exceção de três discos lançados entre 1987 e 1991, sempre prezou harmonias sofisticadas em detrimento da empatia popular, pagando no mercado o preço por tais escolhas.
Jane Duboc faz parte da programação da Som Maior Fm, nos programas Som Maior No Ar e Vozes do Brasil, e com certeza o novo disco "Duetos" fará parte de nosso repertório.