Não é de hoje que Santa Catarina tem índices positivos na segurança pública. Desde 2017, os números da criminalidade caem ano após ano, mas há um aspecto que destoa dessa tendência: a violência doméstica, que frequentemente termina em morte. Em 2023, houve 56 feminicídios em território catarinense, número semelhante aos dos anos anteriores.
“O feminicídio é a violência doméstica no estágio mais graves”, pontuou a responsável pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) de Araranguá, a delegada Eliane Chaves. Ela esteve no estúdio da rádio Som Maior e concedeu entrevista à jornalista Maga Stopassoli, apresentadora do programa Adelor Lessa neste Dia Internacional da Mulher.
Ouça na íntegra (o texto continua a seguir):
Quebrar o ciclo da violência
De acordo com a delegada, o desafio para superar esse problema é quebrar um ciclo de violência, o que passa tanto pela atuação do Estado quanto por um processo de conscientização. Um passo importante, segundo Eliane, é que a mulher tenha percepção da violência que sofre ainda antes de ela se tornar física.
“A mulher, sabendo que ela não precisa permanecer em uma relação abusiva, precisa ficar alerta aos sinais logo que essa violência começa e sair dessa relação”, frisou a autoridade policial.
“Quando tem os primeiros sinais de violência, que é aquela violência moral, violência psicológica, o controle, aquele isolamento, não deixar mais com que a vítima visite algumas amigas, a família.. Começa assim, e ela acha que é protegida. ‘Ah, ele tem ciúmes porque ele gosta de mim, porque ele me ama’. E ela só vai se sentir vítima depois que evoluir para a violência física”, ilustrou a delegada.
Da parte do Estado, a delegada aponta a necessidade de trabalhar políticas públicas que acolham as mulheres que têm dificuldade para romper o ciclo da violência, evitando que se chegue ao feminicídio.
“Só para você ter uma ideia, quase 70% dos casos de feminicídio não tinham boletim de ocorrência anterior. É um dado muito importante para a gente entender que ainda falta muitas mulheres denunciarem. É um número muito alto de mulheres que não denunciaram. Foram mortas e provavelmente já estavam passando por situações de violência”, detalhou Eliane Chaves.
Especialista em Direito das Mulheres, Eliane Chaves encara diariamente casos de violência contra a mulher. O que chama a atenção dela nas situações em que atua é a semelhança.
“Até semana passada, eu fiz 20, 30 portarias de inquérito policial e parecia que eu estava repetindo, só trocando os nomes. A realidade era a mesma. Casal que viveu junto 15 anos, sete anos, dez anos, 20 anos. E, quando ela quer separar, o homem não aceita. Ou então, depois de já muito tempo separados, dois, três anos, quando ela resolve assumir um novo relacionamento, começam os conflitos com ele”, relatou.
Na avaliação de Eliane, essa insatisfação masculina está associada à dificuldade em aceitar que a mulher possa ter suas próprias escolhas. No Dia Internacional da Mulher, a mensagem que a delegada deixa é, justamente, que as mulheres tomem as rédeas do próprio destino. E só há uma forma para isso.
“A gente poder fazer o que a gente quer. Vamos estudar, valorizar a educação. Quando você estuda e tem a sua profissão, é muito mais fácil de você escolher o que quer fazer na vida, o casamento, a maternidade… Isso não vai ser uma imposição, vai ser uma escolha. A mulher tem que escolher o que ela quer fazer na sua vida, se ela quer trabalhar até tarde, se ela quer ser mãe cedo, se ela quer ser dona de casa, se ela quer ser piloto de avião. Primeiro, ela tem que pensar nela e na educação, e, depois, pode assumir o papel que ela quiser, por escolha dela”, aconselhou a delegada Eliane Chaves.