O carvão mineral ou carvão fóssil é originado de restos de vegetais que viveram há milhões de anos em locais pantanosos. À medida que esses vegetais morriam suas partes foram se acumulando nos fundos lodosos dos terrenos.
Este significado do mineral é encontrado em uma rápida pesquisa na internet.
Mas para o Sul de Santa Catarina, o significado do carvão mineral é muito maior. Ele significa economia, desenvolvimento, emprego, renda. Sua representatividade é tão forte que passou a ser chamado de “Ouro Negro”. Difícil pensar a Região Carbonífera sem o… carvão.
Mas é isso que pode acontecer em um futuro bem próximo devido ao anúncio de encerramento das atividades do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, feito pela Engie, administradora do local.
O cronograma
A intenção da empresa francesa é desligar dois dos sete geradores já em 2021, outros dois até dezembro de 2023, concluindo o processo de desativação até 2025. Mas porque o fechamento do complexo afeta o setor carbonífero da região?
A resposta é simples e vem por meio de números: 97% da produção de carvão das empresas sediadas no Sul de Santa Catarina rumam à Jorge Lacerda por meio dos trilhos da Ferrovia Tereza Cristina (FTC); 30% da economia da região gira em torno da cadeia produtiva do carvão; sete mil empregos diretos, chegando a 27 mil indiretos, o que afeta em torno de 100 mil pessoas de 15 municípios.
“A situação não se limita somente ao carvão, se trata de uma cadeia produtiva que vai de Lauro Müller, passando por Treviso, Siderópolis, Criciúma, que corta também o município de Içara que tem minas de carvão, sendo transportado pela Ferrovia Tereza Cristina que tem a sua sede em Tubarão, chegando até Capivari de Baixo, que vai ser outro município afetado por esta decisão da empresa”, fala o prefeito de Criciúma, Clésio Salvaro (PSDB).
E foi no Paço Municipal Marcos Rovaris, no salão Ouro Negro, clara referência ao carvão, que a luta começou a ganhar força na semana passada. Encontro de lideranças políticas e do setor carbonífera se uniram à batalha e criaram um grupo de trabalho que tem a sua primeira reunião nesta segunda-feira, 14, em Tubarão.
A mobilização teve, inclusive, a participação do governador Carlos Moisés da Silva (PSL), que cumpria agenda na região. Do Sul do estado, ele destacou a importância e o impacto caso a atividade carbonífera sofra esta baixa.
"São mais de 20 mil empregos, uma cadeia produtiva, todo um complexo não só aqui na região de Criciúma, mas também lá na Amurel, de Capivari de Baixo até a região portuária, todo este complexo. É importante o Governo do Estado estar presente para de fato nos unirmos em torno do setor, não só nas questões do subsídio ao preço do carvão, mas também na manutenção da atividade e na melhoria da eficiência das usinas a carvão. Conseguimos com isso um resultado melhor e também um aproveitamento do material, já que nem todo carvão que é extraído é queimado e nós temos tecnologia para utilizar este material", enfatiza.
Para o governador, o Grupo de Trabalho surge para resolver mais de um problema. "Ele vem para pensar o futuro desta atividade. Por isso fizemos questão de estar presente aqui", cita.
Ouça o que diz o governador sobre o Complexo Jorge Lacerda:
Os motivos da desativação
A extração de carvão no Sul de Santa Catarina é centenária. Tem raízes em Lauro Müller e tem as mãos de Henrique Lage que iniciou a construção da Ferrovia Tereza Cristina. Na época, boa parte do carvão catarinense teve como destino o Rio de Janeiro, até que o Brasil iniciou a sua produção de aço. Com a liberação da importação, o minério acabou ficando quase que exclusivamente com a finalidade de gerar energia. As maiores reservas de carvão estão no Rio Grande do Sul, mas a maior produção é de Santa Catarina.
“Não só a Região Carbonífera, mas a região de Laguna vive do carvão, o Vale do Araranguá também porque são empresas que acabam formando este complexo da economia e nós que somos políticos temos que pensar que se a nossa economia vai mal, tudo vai mal, tudo vai dar errado”, comenta o Consultor do Sindicato Indústria de Extração Carvão Estado Santa Catarina (Siesesc), Ronaldo Benedet.
Ele explica ainda que o carvão para poder gerar energia precisa do repasse da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que cobre praticamente todo o custo para que o complexo termelétrico possa funcionar, subsídio que tem prazo para terminar: 2027.
Com as privatizações, a Engie adquiriu o Complexo da Termelétrico Jorge Lacerda, que antes era da Tractebel e é do país de origem da administradora da usina que vem o motivo para a desativação.
“A Engie, por ser francesa, tem orientação dos seus acionistas de acabar com a energia fósssil, a energia a carvão. Só que nós não estamos na França, estamos no Brasil. A economia do município de Capivari de Baixo depende 83% do complexo. Nós não podemos ficar sem o carvão. É mais caro, mas mais caro é a energia quando não tem. Não somos nem 2% da geração de energia no Brasil. Ele é um gerador que garante a geração de energia quando tudo falha, como quando falta água, quando o vento para, por isso a importância da CDE”, dita Benedet, acrescentando que a CDE para a Jorge Lacerda gira em torno de R$ 670 milhões por ano, o que representa 3% de todo o valor da CDE pago pelo Governo Federal no país.
Da mina à usina, passando pela ferrovia
“Isso era um prenúncio do que ia acontecer”. A frase do presidente da Celesc, Cleicio Poleto Martins confirma um debate que se estende por anos e lembra que a CDE vai até 2027.
“É uma cadeia que vai da mina à usina, passando pela ferrovia. Temos ainda até 2027 para encontrar uma revitalização mesmo que a Engie passar para outros donos. Se pudesse haver uma sensibilização da sociedade civil para encontrar uma alternativa para revitalizar com usinas a carvão, porém mais eficientes, isso é possível”, diz.
Outra alegação da empresa são os passivos ambientais deixados pela mineração no Sul do estado.
“Tive a oportunidade de trabalhar na Engie e conheço o tema. Participei da equipe que coordenava a venda dos ativos. O desafio é este passivo ambiental que tanto se fala. A mineração vem da década de 1960, 1950 então há todo um histórico deste complexo e nós precisamos encontrar uma saída para que o complexo não feche e assim manter esta cadeia com outras usinas mais eficientes”, afirma.
"Uma verdadeira catástrofe"
A cidade que terá o maior impacto é sem dúvida Capivari de Baixo, já que o Complexo Jorge Lacerda está em seu território. Ao município, todo o interesse em participar das reuniões e buscar reverter este quadro. Em Criciúma, no encontro da noite desta quarta-feira, estava o prefeito eleito do município, Dr. Vicente Costa.
"É de suma importância, não só para Capivari de Baixo, mas para toda a Região Sul. Gera muito emprego, muita renda e impostos para o município de Capivari de Baixo, então a desativação total causaria uma verdadeira catástrofe para Capivari de Baixo, para os municípios vizinhos e para toda a cadeia produtiva em que está envolvido o carvão. O município mais afetado é Capivari de Baixo e eu fui eleito para cuidar do município, para cuidar dos cidadãos, então eu estou empenhado e não estou sozinho. Tenho apoio do prefeito de Criciúma, de Tubarão, os deputados federais, presidente da Alesc, governado. Apoio do Judiciário, da imprensa, da sociedade como um todo. É uma luta de todos e isso me deixa mais confiante, mais alegre e mais firme para assumir esta grande responsabilidade que é administrar o município e esta atividade economia”, salienta.
Prefeito eleito de Capivari de Baixo, Dr. Vicente Costa e o temor pelo fechamento da usina:
O prefeito de Tubarão, Joares Ponticelli (PP), também demonstrou preocupação com a notícia. A cidade, maior da Amurel, faz limite com Capivari de Baixo e tem em seu território a sede da Ferrovia Tereza Cristina.
“A preocupação não é de Tubarão, não é de Capivari, não é de Criciúma isoladamente. Para nós do sul, onde as coisas parecem precisar de um pouco mais de luta. A duplicação da BR-101 foi assim. O aeroporto foi assim, agora que tem duplicação, que tem aeroporto, que o porto está funcionando, isso nos reúne, nos compromete e nos aproxima ainda mais e nos encoraja para construir uma solução. Falamos de um impacto de 30% na economia do Sul e não dá nem para imaginar as consequências disso. Temos que pegar este viés da segurança energética. Guardar água até dá, mas não tem em grande quantidade. Eu até gosto deste discurso da energia limpa, renovável, mas leva tempo para chegar”, coloca.
Responsabilidade também dos governos federal e estadual
Defensor do carvão, o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan o assunto também é um problema do Governo Federal e Estadual.
“Este é um processo que vem se estendendo há tempos. O setor vem trabalhando desde 2011, falando na necessidade de modernizar, de ter alternativas, mas a política do Governo Federal é totalmente errática em relação ao carvão. Uma hora vai para leilão, depois sai. Uma hora o BNDES financia, outra hora não, essa política afasta o investidor, e por isso não conseguimos viabilizar o projeto térmico que temos desenvolvido há bastante tempo na região”, lamenta.
A discussão do futuro do carvão na região vem ocorrendo com maior intensidade desde 2017, quando a Engie colocou à venda o complexo Jorge Lacerda, por conta de uma estratégia empresarial de se descarbonizar a nível mundial. A empresa, que tinha vários ativos de carvão no mundo inteiro, vem se desfazendo deles e, agora, colocou a público que se não conseguir vender os ativos, deverá fechar o complexo.
A venda dos ativos fica ainda mais difícil devido ao fim da Cota de Desenvolvimento Energético, um subsídio federal que se encerra em 2027. Com isso, a Engie teria três alternativas em relação ao complexo Jorge Lacerda.
“Ou ela prossegue no processo de venda e consegue vender, o que acho difícil; ou coloca em discussão para que haja um acordo com a Eletrosul; ou começa a desativar a primeira usina, as duas primeiras máquinas, já em 2021”, ressalta.
O impacto econômico e social que o fechamento do complexo, ou a não resolução rápida de sua venda, causaria prejuízos a nível federal e estadual.
“É preciso fechar uma equação junto com o Governo Federal, porque está na mão dele essa decisão, esse é o assunto que estamos trabalhando a partir de agora. É um problema do Ministério da Economia, do Ministério do Transporte, do Ministério de Minas, um problema do Governo Federal e Estadual também, porque afeta diretamente a economia do estado”, pontua Zancan.
Os deputados, tanto estaduais quanto federais, também entraram no debate. A Assembleia Legislativa (Alesc), já se colocou à disposição e o deputado federal, Daniel Freitas (PSL), tratou do tema ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que se comprometeu a formar um Grupo de Trabalho também em Brasília. A intenção é levar o assunto ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).