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Seja por lazer ou trabalho, pedalar virou paixão na região Sul

Ciclistas contam como estão superando desafios e conquistando qualidade de vida

Por Paulo Monteiro Criciúma, SC, 18/04/2021 - 10:59
Fotos: Guilherme Hahn/Especial/4oito
Fotos: Guilherme Hahn/Especial/4oito

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Não há dúvidas de que os carros e motos ainda são maioria nas ruas de Criciúma, desde os bairros mais afastados até a região central do município. No entanto, pode-se dizer que nunca se viu tanta gente andando de bicicleta pelas avenidas da cidade do carvão como atualmente.

E as pedaladas não se limitam somente aos bairros de Criciúma e de outros municípios próximos. Muito pelo contrário. Na verdade, há um grande grupo de apaixonados pelo pedal na região, que encara centenas de quilômetros em cima de suas bicicletas pelo simples prazer de poder conhecer novos lugares ou, também, pelo amor ao esporte.

Esporte, inclusive, que alguns não trocam por nada, e que outros descobriram como uma das únicas opções para se manter na ativa. Esse foi o caso de João Luiz Virtuoso, mais conhecido como John Chicken, uma das referências em Criciúma quando o assunto é ciclismo.

Praticante assíduo do esporte, há pouco mais de seis anos, João começou a pedalar quase que por necessidade. Antes disso, a atividade que mais costumava praticar era o futebol, algo que acabou tendo que ficar de lado por conta de um problema físico.

“Eu tive um problema no joelho e acabei tendo que largar o futebol, esporte que eu amava. Disputava campeonatos inclusive. Mas meu médico chegou um dia e disse: olha, com esse joelho não dá mais para jogar. Mas daí eu percebi que podia pedalar, e já faz seis anos que eu pedalo”, destacou João.

Quem o vê atualmente encarando viagens de mais de 10 horas em cima da bike e cruzando o sul de Santa Catarina ao lado de amigos, certamente não imagina como foi o começo. Assim como em qualquer outro esporte, o início é sempre marcado por dificuldades e superações - e com John Chicken não foi diferente.

“Quando eu fiz o meu primeiro pedal cheguei em casa desfalecido. Não sentia nada, nem perna e nem braço. Lembro que falei: não vai dar não, não vai. Aí quando cheguei em 10 quilômetros eu morri. Foi bem dolorido, até porque eu também não tinha uma bike adequada para a minha faixa etária, mais leve. Foi bem difícil”, relembrou.

Para João, o primeiro ano de ciclismo foi bastante desafiador. Os 10 km de prontidão tiveram que ser substituídos por 5 km, no início, para que ele fosse pegando mais ritmo e se acostumando mais com o esporte. A insistência e o gosto pela prática esportiva fizeram com que dezenas de quilômetros se transformassem, na verdade, em centenas.

Os prazeres das longas viagens 

“Não dá para pedalar sempre, como gostaríamos, mas esses dias eu fiz 52 km. Fui até Nova Veneza, então dei a volta e retornei. Algo que eu jamais iria imaginar é que levaria somente duas horas para fazer isso, sendo que antes levávamos um dia inteiro. Agora, se for para pedalar menos do que 50 km eu nem vou”, afirmou João.

Recentemente, John e mais 35 conhecidos decidiram subir a Serra do Rio do Rastro de bicicleta. O ponto de partida: região central de Criciúma. O horário: meia-noite em ponto, quando as estradas estão mais livres, com pouco tráfego de veículos e a segurança é maior. 

A viagem foi direta, sem grandes paradas para descanso. Madrugada adentro, 36 ciclistas subiram uma das maiores atrações de Santa Catarina, vendo o sol nascer e apreciando a bela vista do topo de Bom Jardim da Serra. Ao todo, foram nove horas em cima da bike, totalizando 134 km.

Essa, no entanto, não foi a maior viagem que João já fez pedalando. Além das outras quatro idas à Serra, ele também já encarou uma boa viagem até Florianópolis, acompanhado de alguns amigos, que deram a volta na Ilha e retornaram a Criciúma.

“Em meados de março, fomos em cinco malucos para Florianópolis. Fizemos praticamente 400 quilômetros, saímos na sexta às 22 horas. Chegamos em Floripa por volta das 8h30min e nada de dormir, fomos parar para descansar só de noite. É uma adrenalina pedalar a noite, passar a noite inteira na bike. O ciclismo é um esporte fantástico, porque te leva para lugares que você não tem nem noção de que é algo tão bacana”, declarou.

A maior loja de ciclismo do Brasil é daqui 

De certa forma, o ciclismo também está enraizado na região. Não é atoa que é de Criciúma a maior loja de ciclismo de todo o Brasil e uma das maiores da América Latina, a Bike Point. Idealizada pelos irmãos Augusto e Gustavo Nunes há 22 anos, a loja ganhou o nome que conhecemos hoje em dia em 2002 e, desde então, vem ganhando o mercado tanto fisicamente, quanto na área de e-commerce.

O segmento de venda de artigos de ciclismo, inclusive, foi um dos que acabou crescendo consideravelmente durante a pandemia da Covid-19. De acordo com o triatleta e diretor de marketing da Bike Point, Santiago Mendonça, o crescimento no faturamento é bastante expressivo.

“Tivemos um faturamento bem grande e com a pandemia aumentou bastante. Do ano passado para cá estimamos um aumento de 30% a 40% na vendas de bicicletas. Só no último ano a alta foi de mais de 50%, 6 milhões de novos usuários em todo o Brasil. Em função do fechamento das academias, dos esportes coletivos, o pessoal começou a comprar bicicleta. Viram a facilidade que é andar e poder fazer o exercício físico”, apontou Santiago.

O triatleta destaca ainda a grande praticidade que é fazer um esporte como ciclismo. “Para a natação, por exemplo, você precisa ter piscina. Já pedalar você necessita apenas de uma bicicleta que pode te levar a conhecer novos lugares”, pontuou.

Um convite para conhecer as belezas naturais da região

Quem mora no sul de Santa Catarina pode nem perceber, mas conta com um grande incentivo para tirar a bicicleta da garagem e engrenar de vez no ciclismo: as belezas naturais e arquitetônicas. São muitas as atrações turísticas da região que, de um município para o outro, a bordo de uma bicicleta, podem ser ainda mais aproveitadas.

Santiago, que pedala desde 1994, cita uma atração em específico, a mesma que atraiu 36 amigos ciclistas na última semana: a Serra Catarinense. “É uma grande vantagem a região ter facilidade para acessar belos locais. Tem a Serra do Rio do Rastro, da Rocinha e vários contornos viários para pedalar, o que facilita muito o acesso do pessoal para conhecer novas cidades. Nova Veneza, Siderópolis, Barragem do Rio São Bento, são muitas as opções de lazer para acessar com a bicicleta”, destacou.

“Como sou triatleta, minhas viagens de ciclismo não são tão longas. Mas uma em especial que fiz com quatro amigos, que rendeu uma série para o Youtube. Foi quando saímos da loja pedalando e fomos até a Serra do Rio do Rastro. Dali fomos até Urubici, onde dormimos, e subimos até o Morro da Igreja. É duro o passeio, mas a paisagem e tudo que vivemos nesses dois dias foi muito legal”, completou.

E é nessa mesma linha de conhecer as inúmeras belezas da região sul em cima de uma bike que o fotógrafo Charles Correa vem pedalando há quatro anos. O que começou com o incentivo do cunhado, se transformou em viagens para municípios do entorno de Criciúma e culminou em uma paixão pelo esporte.

Segundo Charles, as primeiras voltas de bike tinham como destino o litoral catarinense: Balneário Rincão, Barra Velha, Ilhas, Morro dos Conventos, Esplanada e, mais a frente, o Farol de Santa Marta. Na região, municípios como Nova Veneza e Siderópolis, conhecidos pelas suas belezas naturais, nunca estão escapes de uma visita sobre duas rodas.

“Pedalamos uma média de duas ou três vezes por semana, o que dá mais ou menos 100 ou 150 km”, disse Charles. “Quase sempre nos interiores de Siderópolis, Nova Veneza, Cocal e Urussanga, onde tem menos movimento de carros. Tem lugares que não imaginamos e que são bem próximos de nós, como cachoeiras, vales e casas antigas”, completou o fotógrafo, que volta e meia aproveita os cenários vistos em suas viagens para plano de fundo nos ensaios com clientes.

Para ele, algo essencial durante uma viagem de bicicleta é estar na companhia de amigos e pessoas queridas. Foi justamente assim que Charles começou a pedalar, acompanhado do cunhado. Com o passar do tempo, já foi carregando mais alguns amigos do grupo que, hoje, encaram algumas pedaladas em conjunto - sempre buscando aproveitar as paisagens do caminho.

“A bike te leva longe, muitas vezes você pedala por duas ou três horas e já passou por quatro ou cinco cidades. E nisso você vê os lugares, como são bonitos. Tenho colegas que eram trilheiros, que passam hoje de bike pelo mesmo lugar, vendo as belezas da natureza e das casas que, de moto, passavam muito rápido e não viam”, apontou.

Do esporte a profissão 

Esporte de paixão para uns, profissão para outros. Ter a bicicleta como instrumento de trabalho é a realidade de milhares de brasileiros, seja para o deslocamento até o serviço ou, até mesmo, para a execução do próprio ganha pão.

Para o criciumense Veider Silva, a bike acabou sendo uma solução muito bem-vinda em dois momentos específicos em sua vida, se transformando não apenas em um hobby como também em um de seus meios de transporte principais. A introdução ao mundo do ciclismo, inclusive, surgiu a partir de uma necessidade.

“Eu comecei a pedalar há uns anos, na greve dos caminhoneiros. Como havia lugares que ficaram sem combustível e não tinha ônibus, eu comecei a pedalar para trabalhar. Dali eu peguei a bicicleta e veio um amigo, e depois outro colega, convidando para dar uma volta aqui e outra ali. De uma volta foi para 20 km, depois para 30, 40 até quando chegou nos 100 km, no sexto pedal, com praticamente um mês. Depois eu nunca parei”, ressaltou.

E não parou mesmo. Como hobby, volta e meia Veider faz algumas viagens para municípios da região. A Serra da Rocinha foi o lugar mais distante para onde já foi pedalando, um trajeto de aproximadamente 180 km, ida e volta.

As pedaladas, inclusive, são sempre realizadas na companhia de amigos. E foi justamente sob essa condição que Veider vivenciou uma das viagens mais marcantes a bordo de uma bicicleta. “No meu aniversário em 2018, se não me engano, fui eu e um amigo para a Serra do Rio do Rastro. Saímos de Criciúma umas 5 horas e ao meio-dia já estávamos chegando em casa. Um tempo muito bom e marcante para mim, comemorando o meu aniversário no melhor estilo possível”, declarou.

Para Veider pedalar vai além do lazer. Todos os dias, encara 14 km com sua bicicleta para chegar ao trabalho. Na volta, uma vez ou outra, estende essa quilometragem para aproveitar ainda mais a pedalada. 

Por um tempo, inclusive, a bike foi não somente o seu meio de transporte até o emprego como também o seu próprio trabalho. “No ano passado eu sofri um acidente de bike. Quebrei a clavícula e, logo em seguida, fiquei desempregado. Mas eu precisava trabalhar e parti para o delivery com a bicicleta. No início fui atrás dos aplicativos de Ifood e Bee Delivery, e então fui fazendo alguns clientes. Já cheguei a fazer 91 km de entregas em um só dia”, ressaltou.

Além de trabalhar por conta própria, o criciumense também fazia algumas entregas para lanchonetes e restaurantes. Quando algum cliente seu precisava de alguma viagem, como ir ao mercado, farmácia ou buscar exames, lá ia Veider com sua bike. 

O período, no entanto, foi o suficiente para escancarar as dificuldades de quem pedala pelas ruas de Criciúma, sobretudo em horários de pico. A falta de respeito por parte de alguns motoristas, que não levam em consideração a presença do ciclista na via, é um dos problemas visíveis na cidade segundo Veider.

“Fechadas levei várias. Teve uma vez em que um motorista estacionou o carro na calçada, não sinalizou em nenhum momento, ai quando eu fui passar pela lateral ele abriu a porta, capotei por cima do carro. Há pessoas que não entendem a lei, passam berrando ‘vai pra cima da calçada que bike é na calçada e não na estrada’. Temos leis que nos defendem por andar na rua, e lei que nos proíbe de andar na calçada”, ressaltou.

A paixão pelo ciclismo, no entanto, não acaba nunca - mesmo com os perrengues vivenciados de vez em quando. “É um amor sem fronteiras. Se eu fico mais de dois dias sem pedalar me bate até um stress que não sei nem explicar, e só sai quando vou pedalar”, declarou.

Apaixonado por cicloviagens 

Em meio a uma viagem ou outra para municípios da região, há também quem busque pedalar para muito além dos 200 km. O chamado “longão”, na linguagem de ciclistas, vem ganhando o coração de muitos que dedicam dias e dias de pedal para conhecer lugares mais distantes, através das cicloviagens.

O consultor de empresas Mateus Meller De Luca é um desses que nos últimos anos se vê apaixonado por longas viagens de bike. Em outubro do ano passado, ele e mais dois antigos amigos encararam uma pedalada de sete dias que tinha como destino a capital do Paraná, Curitiba.

Nova Trento e Bento Gonçalves foram outros destinos que surgiram como um desafio entre os amigos, e acabaram sendo cumpridos. Para Mateus, no entanto, começar a pedalar surgiu através de um incentivo há 12 anos.

“Eu tinha vontade de pedalar, mas tinha aquele pensamento de que teria que comprar uma bike legal para isso, uma bicicleta de R$ 7 mil na época. Aí eu fui numa palestra, enquanto trabalhava de gerente em uma instituição financeira, e a palestrante falou sobre o que poderíamos fazer com aquilo que a gente tinha. Na época eu não tinha condições de comprar uma bike muito top, mas quando vi aquela palestra eu disse: eu vou comprar a bicicleta que posso e vou começar a pedalar. Nunca me esqueço, comprei uma Caloi 10, aí comecei a pedalar com aquilo que podia. Em quatro meses, fiz o meu primeiro Audax (evento ciclístico não-competitivo). Depois o segundo e aí me apaixonei e pedalo até hoje”, relembrou.

Para ele, uma pedalada de 45 minutos já não é tão interessante. O ciclista, que por anos praticou o speed bike, hoje prefere pedalar por dias para aproveitar o trajeto, com a mochila na garupa, em busca de lugares por ele desconhecidos. Se no ano passado o desafio da vez foi Curitiba, em 2021 será o Uruguai.

“Iremos até o Chuí para depois atravessar o Uruguai todo até a Argentina e, depois, voltamos de carro até o Chuí de novo, para então voltar para casa. Comecei a gostar desse cicloturismo, um pedal mais leve para curtir o caminho e fazer esses desafios mais doidos”, afirmou.

O desejo por uma ciclovia

Todo o ciclista criciumense, tanto aquele que pedala por lazer, quanto por necessidade para ir ao trabalho, sonha com uma ciclovia que corte a cidade de Criciúma praticamente de ponta a ponta. Esse é um desejo antigo da população, e até mesmo no século passado chegou a ser considerado pela administração municipal.

Em 2012, um projeto arquitetônico para a construção de uma ciclovia ao longo de toda a Avenida Centenário foi desenvolvido pela prefeitura de Criciúma. O documento, no entanto, acabou ficando na gaveta e só foi desenterrado no ano passado, quando a Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina (Unesc) ficou encarregada de atualizá-lo, vista as atuais demandas da cidade.

O projeto, já concluído pela universidade, será apresentado à prefeitura para discussão de alguns pontos de interferência presentes no trajeto. No entanto, já é de conhecimento público alguns poucos detalhes sobre a ciclovia.

A ciclovia de Criciúma deverá ter início na Unesc, no bairro Pinheirinho, se estender ao longo de toda a Avenida Centenário e terminar próximo ao Nações Shopping, na Próspera. Se concretizada, a obra deverá não só atender as demandas dos ciclistas e trabalhadores da região, como também dar a eles muito mais segurança no trânsito criciumense.

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