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Garrafadas

Por Dr. Renato Matos Edição 14/01/2022
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Nessa época louca que vivemos, lembrei de uma história publicada na Folha, em dezembro de 1995: referia-se a uma reunião ocorrida na casa do senador Pedro Piva, com a presença de diversos parlamentares e Pedro Malan, então Ministro da Fazenda. 

A certa altura, o senador potiguar e presidente da Confederação Nacional da Indústria, Fernando Bezerra, resolveu contar uma história de sua terra ao ministro. Era sobre garrafadas.

Antes, algumas informações sobre o assunto.
Garrafadas são combinações de plantas medicinais que podem conter produtos de origem animal ou mineral e têm como veículo, geralmente, aguardente ou vinho.

Não confundir com fitoterápicos. Estes são regulados pela ANVISA, que permite sua comercialização desde que sejam demonstrados estudos de eficácia e segurança, com níveis de qualidade similares aos exigidos para os demais medicamentos.

Já as garrafadas, apesar de amplamente utilizadas e reconhecidas pela população como remédio, por não possuírem composição padronizada, não podem ser submetidas a nenhum teste. 

Habitualmente polivalentes, prometem a cura para diversos males, passando por hepatites, impotência, infertilidade, limpeza do útero, queda de cabelo até o câncer – qualquer um. 
Tudo junto numa mesma preparação. 

As garrafadas foram trazidas para o país pelos Jesuítas.

Como na época as doenças eram consideradas castigo divino e a morte vontade de Deus, nada como medicamentos preparados por seus representantes aqui na terra.

Reforçando a crença no sobrenatural, em Portugal do séc. XVIII circulavam documentos com indicação de oitenta nomes de santos - aos quais os doentes podiam recorrer em situações de perigo - e os respectivos males do corpo e do espírito a eles relacionados. Um deles, São Braz, protetor dos males da garganta, até há pouco era invocado quando alguém espirrava. 

Para que as garrafadas funcionem, exige-se uma forte cumplicidade entre o curador e o doente em torno do poder que se supõe presente na mistura. 

O seu poder também repousa num componente místico, na fé e na “certeza” da sua eficácia. Sem elas, boa parte do seu suposto efeito se perde.

Voltando ao início do texto, Fernando Bezerra contou ao Ministro do Planejamento sobre um morador de Santa Cruz (RN), senhor de grandes posses, que, muito doente, havia procurado diversos centros médicos no país, sem resultados.

Desesperado, recorreu a um curandeiro local, famoso por suas garrafadas. A um bom preço comprou o preparado que o fabricante garantiu que iria resolver o seu problema. 
Com toda fé e apoio dos familiares, tomou o produto.

Morreu pouco depois.

Sentindo-se enganada e consternada, a família chamou o autor da mistura de ervas ao velório para cobrar os resultados prometidos. 

O curandeiro, após examinar atentamente o cadáver, sob a expectativa de todos, deu seu parecer:

- Morreu, mas muito melhorado.

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