Sem muita convicção sobre o que escrever nessa semana para o Toda Sexta, me peguei agora há pouco montando minha equipe do Cartola FC para a próxima rodada do Brasileirão e lembrei do João Luiz Braga, sócio e analista de investimentos da gestora de fundos Encore Asset. (Talvez eu pense muito em mercado financeiro, mas por enquanto não acho que seja caso para tratamento).
Pra quem não conhece, essa espécie de jogo baseado na realidade consiste em montar uma escalação com 11 jogadores de times que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro e torcer para o bom desempenho de cada um deles nos seus jogos. Cada passe, gol, defesa, falta, cartão e afins conta pontos a mais ou a menos para o seu time. Se o Gabigol fizer um gol (+8) e receber um cartão amarelo (-2), ele soma 6 pontos para os “cartoleiros” que o escalaram.
Feito esse esclarecimento, voltamos ao assunto que é o que tem a ver o Cartola com o mercado financeiro. A resposta é: stock picking (termo em inglês para o ato de escolher a dedo cada ativo que receberá investimento).
Faz anos que participo do fantasy game do Globo Esporte, sem muita disciplina, é verdade. Às vezes esqueço de reorganizar a equipe entre uma rodada e outra. Mas uma prática que sempre mantenho é começar cada equipe do zero.
Antes de preparar o time para a próxima rodada, eu vendo todos os jogadores da rodada anterior, deixando o campinho vazio. A partir daí eu escolho minhas 17 apostas (11 jogadores + técnico + 5 reservas) para os próximos jogos, um a um, posição por posição. É comum que alguns recém vendidos sejam reintegrados. Acontece também que um ou outro se repitam por diversas escalações. Mas a rotina é sempre a mesma. Sai todo mundo e depois eu vejo quem entra.
O Braga, além de um baita nome da gestão de fundos no Brasil, é conhecido pela maneira como a economia comportamental faz parte de suas estratégias, com destaque para os métodos como anula (quando possível) os vieses cognitivos que atrapalham tanto o lado emocional dos investidores.
Uma rotina que adotara em outras gestoras e que é bastante alinhada com essa minha prática cartoleira. Para começar cada dia, os analistas do fundo são orientados a olhar os ativos que tem na carteira e se fazer a pergunta: “se tivéssemos vendido a carteira toda ontem, compraríamos tudo novamente no preço que estão agora?”. Aqueles que forem analisados e a resposta for “sim” devem, de acordo com as premissas da equipe, estar bem precificados e são mantidos. Aqueles que recebem um “não” devem, seguindo as mesmas premissas, estar caros e o ideal é vender para rebalanceamento da carteira.
Obviamente não é possível, como no Cartola, que o investidor venda e recompre carteiras inteiras a torto e a direito, seja por custos de corretagem e impostos, seja pelo trabalho despendido para tal. Mas o raciocínio serve para qualquer tamanho de carteira.
Já tratei de vieses em alguns textos para o Toda Sexta, sendo o mais recente com esse tema o Sobre flores e ervas daninhas, da edição 041. Lá citei Peter Lynch e a ancoragem que nos impede de vender as ações que nos dão prejuízo (como se nos devessem um lucro prometido) e nos incentivam a vender as vencedoras (como se já tivessem cumprido seu papel). Mas ancoragem pode ser platônica também.
Acontece que muitas vezes podemos nos interessar numa ação e não ter convicção (ou dinheiro) para investir naquele momento. Mas o preço fica gravado na mente e vira a âncora de todas as análises futuras. “Eu queria investir na XPTO3 (fictícia), mas quando eu vi, há dois meses, ela estava a R$ 10 por ação. Agora que subiu pra R$ 12 não consigo, perdi o bonde”. Por outro lado, alguém que esteja analisando a mesma ação pela primeira vez (sem âncora) consegue ver que ela está ainda extremamente barata e vale o investimento.
Faça esse exercício. Olhe para o que você tem e se pergunte se compraria de novo pelo preço que vale no mercado. Pode ser com ações, carro, guitarra,...
Só não faça com a esposa ou o marido. Ou faça, mas não me responsabilizo!