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Reportagem Especial

De jogador de futebol a streamer: Com limitações, jovem tetraplégico é exemplo de superação

Diego Mateus sofreu um acidente de trânsito e, desde então, luta pelo seu espaço na sociedade

Por Gabriel Mendes Criciúma, SC, 10/03/2023 - 16:06 Atualizado em 10/03/2023 - 16:45
Foto: Gabriel Mendes/ 4oito
Foto: Gabriel Mendes/ 4oito

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O dia 25 de setembro de 2005 está marcado para sempre na vida de Diego Mateus. Em um piscar de olhos, a sua vida mudou completamente. Com 18 anos, ele estava disputando campeonatos de futebol em São Ludgero e terminando de fazer a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mas um acidente mudou o rumo dos acontecimentos. 

Ele classifica o acidente como “bobo”, mas que teve graves consequências. O jovem estava conversando com amigos às margens de uma rodovia, quando um conhecido chegou em uma motocicleta. Ele estava prestes a terminar a CNH e queria comprar uma moto na época. 

“Era uma 150 Titan, novidade na região, e era a que eu queria comprar. Embarquei na garupa com ela ligada, ele estava distraído com a conversa e deu uma empinada sem querer. Na mesma hora, eu caí para trás e apaguei. Acordei 15 dias depois no hospital totalmente paralisado do pescoço para baixo”, explica Mateus. 

Diego com o prêmio de destaque municipal de futebol em São Ludgero, em 2004. Foto: Arquivo Pessoal.

Apesar de não sofrer nenhum arranhão no corpo, Diego quebrou três vértebras da medula espinhal no acidente e ficou tetraplégico. Seus amigos até tentaram acordá-lo, mas isso machucou ainda mais a medula. As lesões também afetaram o sistema respiratório, com o diafragma parado, médicos falavam que, se ele sobrevivesse, teria que utilizar aparelhos respiratórios pelo resto da vida. Mas, após seis meses na UTI, ele deixou a respiração mecânica e voltou para casa respirando normalmente.

Foi muito empenho meu e da equipe médica, nunca pensei em desistir. Falei que ia lutar desde o primeiro minuto e agradecia pela oportunidade, mesmo com a consequência grave, pensei nas pessoas que não tiveram uma segunda chance, me agarrei e lutei dia após dia", comenta o jovem.  

Primeira vez que Diego conseguiu ficar de pé. Foto: Arquivo Pessoal.

Recuperação após o acidente

Quando estava em uma unidade hospitalar em Tubarão, enfermeiras falavam do Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, como referência na área. “Apesar de ter médicos experientes [em Tubarão] tinha muita coisa desconhecida. Usei fralda nos seis primeiros meses e isso me prejudicou demais. Cheguei no hospital em Brasília com uma dor de cabeça enorme, tive que fazer uma cirurgia porque estava com pedra na bexiga por estar usando fralda e não tratar da maneira correta”, relata Mateus.

A ida para o hospital em Brasília mudou a sua vida. Lá, ele aprendeu a controlar a bexiga e não ter mais esse problema. A cada dois anos, o jovem é chamado para fazer novos exames e adaptações. “Eu vi que poderia ter uma vida normal, ter esposa, filhos, porque, com essa lesão, eu não me torno infértil. Ter ido para o hospital foi importante, porque lá eu aprendi tudo, foi especial para a minha vida na sociedade”, comenta.

Diego está morando em Criciúma há alguns anos e a ideia foi de sua mãe, justamente por conta da saúde no município. Apesar de sofrer com a segurança, agora ele está adaptado com a cidade. “Vou no posto de saúde e é como se estivesse indo em uma coisa particular, por conta de todo o suporte que eu preciso”, complementa.

Paixão pelo jornalismo

O primeiro ano após a saída do hospital foi difícil, sem poder receber visitas por medo de piorar a condição, Diego se afastou do mundo. Ele se formou em jornalismo e ganhou um computador. O seu primeiro trabalho foi um jornal criado em São Ludgero, o Supera, que tinha como foco notícias do Sul de Santa Catarina. 

“Até hoje eu gosto disso, fico muito triste de não conseguir atualizar o portal de notícias do jeito que eu queria. Estudei programação para manter ele, mas não tenho tempo livre. Tem que ficar atualizado o tempo todo com o que está acontecendo, porque outras pessoas podem publicar e você fica para trás”, comenta Diego.

Palestras motivacionais e lives na Twitch

O tetraplégico realizava palestras motivacionais para passar sua visão de vida, porém, para um público restrito. Ele queria mudar, e foi durante a pandemia que Diego começou a fazer lives na Twitch - uma plataforma utilizada, normalmente, para fazer transmissões. Tibia era o foco dele, um jogo de mundo aberto em que se assume o papel de um personagem em um mundo virtual. 

Uma das palestras motivacionais feitas por Diego Mateus. Fonte: Jornal Diário do Sul.

Com todo mundo trancado em casa, ele pensou que essa era a hora ideal de usar sua história para fortalecer outras pessoas. “Mostrar que podemos superar as coisas difíceis, desde que tenhamos cabeça forte... Vi nas lives a oportunidade disso, deu muito certo”, comenta o tetraplégico.

Para mexer no computador, ele ganhou um mouse adaptado, quando esteve em Brasília, que utiliza para fazer edição e notícias no jornal. Nesse equipamento, ele utiliza o queixo para navegar e usar o computador.

Para jogar e fazer lives, Diego adotou o apelido de “Guerreiro Tetra” e é conhecido dessa forma no meio dos jogos. Ele utiliza um segundo mouse, que é o Quadstick, específico para jogos, usando a boca para realizar os movimentos. Ele comprou por US$ 1.200 e fez uma vakinha on-line para receber ajuda. Atualmente, o streamer é o único a fazer live com esse equipamento no Tibia

Diego Mateus, o Guerreiro Tetra. Foto: Gabriel Mendes.

Mas ele sofreu problemas com taxação de impostos quando chegou no Brasil. “Na maioria dos países entra isento como acessibilidade, mas, aqui não, tive que pagar mais um dinheiro quando entrou no Rio de Janeiro e quando entrou em Santa Catarina queriam cobrar mais o imposto estadual, conversei com um juiz e me ajudou a liberar”, diz Mateus.

“Acho absurdo cobrar imposto para esse tipo de acessibilidade, o mouse me ajuda muito no trabalho e na vida, mas imposto a gente sabe como é no Brasil, né?!” , pontua. 

Mouse utilizado no dia a dia. Foto: Gabriel Mendes.
Mouse QuadStick, utilizado para fazer lives e jogar. Foto: Gabriel Mendes.

Após começar as lives, Diego se tornou uma inspiração para outras pessoas. Ele recebeu muitas mensagens de cadeirantes e tetraplégicos perguntando como funciona o mouse adaptado. Jogando “offline” por mais de dez anos e, mesmo com os problemas, joga de igual para igual no Tibia. “O pessoal não percebia que eu tinha essa limitação”, explica. 

Na acessibilidade, ele utiliza planilhas para configurar o mouse em jogos e, atualmente,  acompanha competições de esportes eletrônicos e pretende aumentar a jogabilidade pensando em torneios competitivos. “Quem sabe mais para frente eu não possa participar desses campeonatos também?”, questiona Mateus.

Configuração do Mouse QuadStick, em que Diego utiliza para fazer as lives. Foto: Gabriel Mendes. 

Aposentado por invalidez, ele se sustentava apenas com um salário mínimo. Seus pais tiveram que largar tudo na lavoura e até tiveram dívidas para manter o suporte em que precisava. Agora, com as lives, ele se fortaleceu e recebe ajuda de pessoas que pagam uma inscrição mensal na Twitch. 

O Tibia é jogado pelo mundo tudo e por não ter servidores brasileiros, ele precisou da ajuda da ExitLag para jogar em servidores norte-americanos e europeus - a empresa hoje é patrocinadora dele -, e jogando com pessoas do mundo todo ele teve uma briga durante o jogo.

Ataques durante transmissões

“O Tibia utiliza do mouse, mas tem uma parte que você precisa do teclado e eu uso virtual, mas se eu usar por muito tempo sinto dor no pescoço, então eu tive uma discussão com uma equipe dentro de jogo e se você for contra as regras você é perseguido”, explica Diego.

A perseguição contra ele aconteceu da seguinte forma: o personagem de Diego era travado em uma certa parte do mapa, sem que ele andasse, assim, forçaria ele a ficar clicando e sentir mais dores no pescoço, além disso, apelidos ofensivos também aconteceram na época.

“Uma coisa muito idiota porque me dava dor física, me chamavam de cavalinho manco, mas eu tenho a cabeça forte, entra em um ouvido e sai pelo outro. Eu fiquei indignado por outras pessoas que não teriam essa cabeça forte, repercutiu e muitos me ajudaram”, destaca Mateus.

As lives do Guerreiro Tetra acontecem durante o período da noite, mas ele pode ficar no máximo quatro horas por questões de saúde.

Apoio familiar

Dos quatro irmãos, Diego é o mais velho da família. Foi ele quem levou seus irmãos para o primeiro dia de aula e uma coisa difícil que aconteceu no acidente, foi ficar longe deles. Por riscos, o jovem não poderia receber visitas no hospital, mas após três meses, os médicos liberaram O apoio dos pais também foi fundamental nesse período.

Diego com seus três irmãos. Foto: Arquivo Pessoal.

“Hoje, cada um tem sua família, mas sempre temos contato. Meus pais se separaram depois de alguns anos”, explica Diego. Atualmente, ele é casado, conheceu sua esposa através das redes sociais e hoje moram juntos, ela o apoia em tudo que precisa.

“Ela nasceu em Roraima e estava morando com a mãe. Sempre estamos em contato com a família dela e até vimos para morar perto, mas a parte da saúde deixa a desejar e é uma coisa que eu preciso, então ela veio morar aqui”, ressalta Mateus.

Criciúma Esporte Clube

Apesar de gostar de futebol e torcer para o Flamengo, Diego tem vontade de ir ao Estádio Heriberto Hulse. “Já estive conhecendo, mas foi antes do acidente com o estádio vazio”, diz Diego.

“A limitação está na cabeça, nunca deixei de fazer o que queria”

Apesar de ter obstáculos, Diego sempre levou a vida com muito sorriso no rosto e com muito pensamento positivo. “A limitação está dentro da cabeça, nunca deixei de fazer o que queria, sou casado, pensamos em ter filhos, sempre me diverti e tenho meu trabalho que é as lives e trabalhei com jornalismo”, comenta.

Atualmente ele também está jogando Counter-Strike: Global Offensive, um jogo em primeira pessoa de ação. Foto: Gabriel Mendes.

Durante a pandemia, ele pegou Covid-19 e ficou nove meses internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Se estou aqui é porque tenho um propósito maior, sempre manter a cabeça erguida e não desistir por coisas bobas”, complementa Mateus.

“A partir do momento que você sofre isso, passa a ver que o que importa na tua vida são as coisas simples, como um movimento do dedo ou dar uma caminhada. Atividades que você não dá valor por estar focado em itens materiais”, finaliza. 


 

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