Dos campeões,
o nosso campeão
O Criciúma voltou a dominar o futebol catarinense, mas
não sem antes abraçar a região e
ser abraçado por ela
O Criciúma voltou a dominar o futebol catarinense, mas não sem antes abraçar a região e ser abraçado por ela
Enio Biz, Gabriel Mendes, Giovana Bordignon, Renan Medeiros e Vitor Ávila
Ana Carla Joaquim Lima não se importa de chegar ao Heriberto Hülse com duas horas de antecedência para acompanhar um jogo de mata-mata no Campeonato Catarinense. Quem estava na arquibancada em outros tempos sabe o valor que os dias de glória têm. A paixão da içarense pelo Tigre é daquelas forjadas nos momentos mais sombrios da história do clube.
Houve um tempo em que ir ao estádio exigia sacrifício, movido por um amor incondicional ao Criciúma. Esse compromisso, testado nas trincheiras das divisões inferiores, tanto no futebol estadual quanto nacional, hoje encontra recompensa.
A devolução do clube à torcida foi, justamente, o primeiro passo do Criciúma na caminhada de volta ao topo do futebol catarinense.
Um plano de sócios acessível, ações dentro e fora do estádio e uma comunicação mais próxima do torcedor nas redes sociais incentivaram a torcida carvoeira se reaproximar do clube. Soma-se a isso a outrora rara e agora frequente presença de dirigentes, funcionários e até do mascote Tigrão em eventos pelos municípios da região.
Para Ana Carla, o ponto da virada foi a mudança de gestão ocorrida em 2021, após o primeiro ano na Série C.
— Isso influenciou bastante. A gente pega confiança, enxerga melhorias e começa a empolgar. Visões, planejamento, entendo que isso foi o que mudou. Porque, querendo ou não, o torcedor é passional.
Ciente de que jogar contra clubes com orçamentos ordens de magnitude maiores que a do Tigre será uma dura missão, o Criciúma se apoia na união e no sentimento de pertencimento para ser mais forte.
De acordo com o presidente, Vilmar Guedes, o plano de sócios do Criciúma não cobre os custos que gera. Mesmo assim, é visto como um dos pilares da ascensão do clube.
— Construímos um plano de sócio que hoje é um case de sucesso. O Criciúma foi visitado por seis clubes, quatro da Série B e dois da Série A, para conhecer o nosso projeto de sócio-torcedor — conta o presidente.
De pai para filho e sempre seráNo caso de Ana Carla, a paixão pelo Criciúma seguiu um roteiro com que boa parte dos torcedores carvoeiros é capaz de se identificar: começou com o pai a levando ao Heriberto Hülse.
— Na minha época, ele já tinha desistido de ir ao estádio, via mais pela televisão. Mas, quando comecei a vir, ele voltou a frequentar para me trazer. Depois eu cresci e comecei a vir sozinha, mesmo naquelas fases ruins — lembra a torcedora. Dilnei Darcy Lima, o Liminha, faleceu em 2016.
A intenção do clube é que o amor pelo Criciúma continue se perpetuando de pais e mães para filhos e filhas e se consolide pelas histórias vividas em preto, branco e amarelo.
— Temos plantado uma semente em um terreno fértil e isso vai frutificar por gerações — projeta Vilmar Guedes.
Números mostram a força da massa carvoeira
Há cinco anos, a realidade do Criciúma era outra. Em campo, clube amargava um rebaixamento à da Série C do Campeonato Brasileiro e voltaria a disputar a terceira divisão nacional após dez anos. Nas arquibancadas, a presença no estádio Heriberto Hülse se limitava aos mais fanáticos.
Entre 2019 e 2023, o número de sócios do Criciúma saltou de 2.971 para 17.200, atingindo a capacidade máxima do estádio, um aumento de 478%. Esta elevação refletiu-se também na presença em jogos: se em 2019 apenas dois jogos superaram 10 mil espectadores, em 2023, esse número foi alcançado em 25 das 29 partidas.
O ano em que a expressividade da torcida carvoeira mais ficou evidente foi 2022. Na Série B do Campeonato Catarinense, o Tigre teve média de público de 6.420 torcedores por partida, um desempenho bem superior ao de todos os times que jogaram a primeira divisão naquele ano.
A presença nas arquibancadas impressiona ainda mais quando se considera o fato de que o município de Criciúma, com 214 mil habitantes, tem população relativamente pequena. No ano passado, ao longo do Campeonato Brasileiro da Série B, a soma do público dos jogos no Heriberto Hülse passou de 241 mil. Nenhum outro que hoje disputa a Série A teve um público total maior do que a população da sua cidade.
Para o presidente do Criciúma, o atual plano de sócios pode ser deficitário financeiramente, mas a presença da massa carvoeira no Heriberto Hülse traz benefícios ao clube no longo prazo, além de um que é imediato:
— Um grande diferencial no Heriberto Hulse é que ele não é oval e a torcida fica próxima do gramado. Com estádio cheio, mesmo com momentos tensos ela está ali e quem está dentro do campo sente esse calor — ilustra Guedes.
Conexão entre campo e arquibancada
Não é só na arquibancadas que há um crescente sentimento de pertencimento ao Criciúma Esporte Clube.
Em um movimento que parece ser uma extensão natural da filosofia de pensar o longo prazo, o clube reduziu significativamente a rotatividade no elenco. O técnico, Cláudio Tencati, é o mais longevo da história do Criciúma em jogos consecutivos e o terceiro em número total de partidas.
No elenco, tornou-se frequente a um jogador passar da marca dos 100 jogos. Dos atletas que atuaram na final contra o Brusque, há seis nessa lista: Barreto (173), Gustavo (152), Rodrigo (144), Fellipe Mateus (140), Claudinho (117) e Marcelo Hermes (109). Prata da casa, ídolo do clube e atleta de classe mundial, Eder está a 16 partidas de também fazer parte do rol.
Esse esforço para manter um núcleo consistente no plantel não apenas fortalece o time tecnicamente, como também fomenta uma relação mais profunda e significativa com a torcida. A identificação da massa carvoeira com quem a representa em campo se intensifica.
Paixão pelo Tigre vira produto de exportação
Nem tudo o acontece em Vegas fica em Vegas. Da capital mundial do entretenimento, nos Estados Unidos, o apoio ao Tigre atravessa fronteiras e chega a Santa Catarina. Las Vegas é cidade de um dos 37 consulados do Criciúma espalhados pelo mundo.
O cônsul na cidade norte-americana é Patrick Augustinho.
— É claro que, independente do consulado, estamos sempre acompanhando o Tigre. Mas, após o surgimento deles, a oficialização desse canal de ligação direta com o Criciúma nos proporciona estar ainda mais conectados, e também ajudar o clube a conquistar território em terras distantes — ressalta Patrick.
Os Estados Unidos têm oito consulados carvoeiros. A Inglaterra e o Paraguai também contam com um cada, além dos 27 aqui no Brasil, a maioria no Sul de Santa Catarina.
O projeto dos consulados foi retomado em 2022, para trazer de volta o torcedor que, mesmo longe da Capital do Carvão, continua apoiando o Tricolor.
— O projeto foi reativado com essa nova diretoria a partir da metade de 2022 com o intuito de resgatar o sentimento de pertencimento do clube junto à torcida — explica o diretor consular do clube, Sandro Zanatta Trichez.
De acordo com ele, o intuito é de fortalecer a atividade dos torcedores mesmo longe de Criciúma, torcendo, representando e fazendo ações sociais. Os consulados do Brasil ajudam também a torcida da cidade.
— Todos os jogos fora de casa no Campeonato Catarinense têm torcedores cônsules presentes, que facilitam a vida de quem vai de Criciúma, realizando recepções e também ajudando na organização para compra de ingressos.
Para a criação de um consulado, há dois requisitos: ser sócio do Criciúma e através do site do clube preencher um formulário, para que seja feita a análise verificando a possibilidade de homologação.
Parcerias estão na base do sucesso do Tigre
Por trás de todo grande clube, há grandes parceiros. Nos últimos anos, o Criciúma tem recebido uma série de apoios para investir e crescer. Com a EstrelaBet, que estampa o espaço mais nobre na camisa tricolor desde o ano passado, o Tigre mantém o maior contrato de patrocínio da sua história.
Mas a tradição do Criciúma também vem de apoiadores locais. Nessa lista, estão marcas como a Unesc, Rocha Alimentos, Unimed, Cristalcopo, Gelos Cubinho, Sicredi e Cardio Millenium.
A Unesc estampa sua marca no uniforme do Tigre desde 2021, quando o ex-presidente do clube, Anselmo Freitas, buscou o apoio da reitora Luciane Bisognin Ceretta.
— Foi ele que aproximou a Unesc do Tigre, que nos procurou em um momento de dificuldade e nos propôs essa parceria. É uma imensa alegria mantermos essa relação de sucesso que iniciou na Série C do Campeonato Brasileiro, em meio a uma pandemia.
A parceria representa uma sinergia que vai além de uma marca estampada na camisa e reflete diretamente no desenvolvimento e na performance do clube. Com a colaboração da Unesc, o Criciúma ganha acesso a serviços na área da saúde, essenciais para o aprimoramento dos atletas.
Especialidades como odontologia, psicologia, nutrição, fisioterapia, educação física e medicina são disponibilizadas por professores e acadêmicos da universidade, garantindo uma preparação física e mental de alto nível para os jogadores.
Os benefícios da cooperação não ficam restritos ao time principal. As categorias de base e o futebol feminino também são alcançados, promovendo a formação integral dos jovens atletas. Os estudantes da Unesc, por sua vez, encontram no clube um campo fértil para estágios e práticas profissionais, criando um ciclo virtuoso de aprendizado e aplicação prática.
As Clínicas Integradas da Unesc desempenham um papel vital nesta parceria, oferecendo um ambiente onde profissionais e estudantes trabalham lado a lado na gestão da saúde e no condicionamento físico dos jogadores, sob a supervisão de professores especializados.
Projetos como o Tigrinhos e as Meninas Carvoeiras, que atendem crianças e adolescentes da região, são exemplos concretos de como essa aliança contribui para o desenvolvimento esportivo e social, consolidando a relação entre o clube e a comunidade.
Em todas as horas
A Unesc manteve o apoio ao Criciúma, mesmo nos momentos de declínio de anos passados, como quando o clube disputou pela primeira vez em sua história a Série B do Campeonato Catarinense, em 2022.
Contudo, esteve junto ao time no título do Campeonato Catarinense em 2023 e 24 e no acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, feito não realizado pelo tricolor há uma década.
Com a Unesc, o Criciúma atravessou os piores e os melhores momentos da história recente. Nos dias atuais, a parceria está mais forte do que nunca.
Apoio mais longevo
Outro exemplo de parceria assim vem do próprio presidente, Vilmar Guedes, que é um dos pioneiros na região em apoio ao Tigre. A Alianda, empresa de que é proprietário, é a patrocinadora mais longeva do clube entre as atuais.
— Eu poderia dizer que a primeira crença é na marca. Eu tive oportunidades de viajar por muitos estados brasileiros e ter a marca Alianda ligada ao Criciúma é algo que traz benefícios até mercadológicos. Mas, acima de tudo, é o amor. O principal motivador é o amor — aponta Guedes.
A taça do Campeonato Catarinense de 2024 não é apenas mais uma na já abarrotada sala de troféus. É a reafirmação de que, com comprometimento, paixão e múltiplos apoios, o Tigre está preparado para desafios ainda maiores.
O Estadual se encerra; o Campeonato Brasileiro da Série A começa. O entusiasmo para o que vem pela frente mantém viva a chama do otimismo entre os torcedores. Mesmo às vésperas de iniciar uma batalha desigual contra os maiores clubes do futebol brasileiro, o Criciúma avança.
Consigo, o Tigre leva a força da tradição e o amor de uma região que se encontrou nas cores preto, branco e amarelo.