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Reportagem Especial

Luta, resistência e determinação pautam o Dia das Mulheres

Muito mais do que ocupar espaços, data propõe reflexões que visitam a história e reescrevem novos capítulos

Por Geórgia Gava Criciúma, SC, 08/03/2022 - 08:00 Atualizado em 08/03/2022 - 16:52
Normélia Lalau e a força das mulheres / Fotos: AgeCom / Unesc
Normélia Lalau e a força das mulheres / Fotos: AgeCom / Unesc

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“Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa; assustada e audaciosa - uma mulher”.

O trecho acima, de uma das crônicas da escritora Lya Luft, representa o retrato do poder feminino, na data marcada como 8 de março, que oportuniza refletir sobre determinação, coragem e singularidade. 

Potência. Essa é a palavra que representa Normélia Ondina Lalau de Farias. A inspiração por trás da sua história merece destaque neste Dia Internacional das Mulheres. Filha de Vilson Lalau e Clotildes Maria Martins Lalau, a professora atua na Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina (Unesc), onde coordena o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neab), e o curso de licenciatura em Química. Casada há quase quatro décadas com Antônio Roberto de Farias, tem dois filhos, Luis Gustavo e Ana Paula.

Para a professora, a luta pela igualdade de gênero é histórica. Mas, há muito o que avançar. Embora as conquistas como o direito ao trabalho e à liberdade de expressão mereçam destaque, reconhecimento e melhorias ainda pautam a vida das mulheres, sobretudo e principalmente, as de etnia negra.

“A gente foge do padrão com uma beleza rara, não exótica, mas rara. Porque, também, é uma das coisas que temos que aprender. Tem pessoas que, talvez, por não conseguir expressar que está vendo uma preta linda, com feições e traços bonitos, diz então que está vendo um tipo exótico. Não somos exóticas, somos lindas. E a sociedade precisa nos aceitar”. Normélia Lalau

Apesar de ter sido oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) apenas em 1975, o Dia Internacional das Mulheres é lembrado desde o início do século 20, quando o público feminino lutava pela igualdade e melhores condições de trabalho. “Esse movimento, na verdade, se instaurou na década de 60, período justamente da Revolução Industrial, em que acabou, evidentemente, se espalhando por todos aqueles países que estavam passando pelo processo de industrialização”, explica a professora. 

As mulheres reivindicavam condições mais justas de trabalho que, à época, ultrapassava 16 horas diárias de jornada. “Elas queriam liberdade, porque eram mantidas dentro de casa e preparadas para cumprir o papel de boa esposa, boa mãe e boa dona de casa. Nesse momento, resolveram se juntar em um movimento que as conduzissem a essa libertação de expressão e de trabalho”, enfatiza Normélia. Para a professora, no entanto, existem algumas confusões acerca dos manifestos. 

Resistência nos dias atuais

Por outro lado, a resistência permanece no cotidiano, com avanços significativos, mas não suficientes. “Percebemos que ainda falta muito para as mulheres alcançarem aquilo que, de fato, traz uma certa igualdade com relação aos homens, que vai desde os salários - nós sabemos muito bem que enquanto a formação é a mesma, dentro da mesma função, muitas vezes, não são pagos os mesmos valores. E, outra questão, é a política. Agora que começamos a ver que algumas mulheres têm conseguido estar nesse espaço, mas, ainda não recebem a devida atenção com relação as suas demandas e acabam sendo hostilizadas”, pontua Normélia. 

Segundo a professora, a falta de oportunidade no mercado de trabalho traduz o que é o racismo estrutural, tão falado na atualidade. "Temos tantas mulheres jovens e outras mais maduras, formadas em psicologia, odontologia, medicina, além de advogadas e arquitetas, que estão precisando, se candidatam às vagas, mas não conseguem levar adiante porque existe uma grande desconfiança por parte dos não negros. Oportunizemos, isso é ser antiracista”, expõe.  

Apesar do avanço com o movimento causado pelo Dia Internacional das Mulheres, as reivindicações não beneficiam a todas. “Para nós, enquanto negras que somos, já lá naquele primeiro momento, na década de 60, as pautas que estavam presentes não nos representavam e, muitas das que hoje ainda estão, não nos representam. Algumas, até vêm de encontro, mas não no início do feminismo. Até mesmo porque, para que essas mulheres estivessem reivindicando, principalmente, o direito ao trabalho, a mulher negra já trabalhava cuidando dos filhos delas”, reflete Normélia. 

Lutar sempre esteve na essência destas mulheres.

“Precisamos que as nossas pautas sejam respeitadas e consideradas. As pessoas, de um modo geral, não só os governantes, mas que todos olhem para as negras, que sabem como lutar e que tem muita contribuição ainda a trazer, além das que já deram para o desenvolvimento socioeconômico deste país. Então, tratá-las com respeito e dignidade”. Normélia Lalau

Ainda hoje, a procura é por mais espaço,
valorização e lugar de fala

A cantora e compositora Elza Soares, em um de seus últimos discos, traz reflexões pertinentes na música “O que se cala”. Em especial, no trecho que diz: mil nações moldaram minha cara, minha voz uso pra dizer o que se cala. O meu país é o meu lugar de fala. A história contada nos livros, até hoje, deixou muitas lacunas. 

“Costumam dizer que os escravos, e isso envolve as escravas também, eram um povo acomodado, que estava satisfeito com aquela condição. Enquanto, na verdade, o papel da mulher negra foi fundamental no processo da abolição. Quando a gente para pra pensar que até mesmo o desenho feito nas suas cabeças no trançado dos cabelos já era um indicativo que apontava os caminhos para fuga dos escravos para o quilombo, ali, mostrava exatamente quais eram os perigos que eles iam encontrar naquelas fugas”, explica Normélia Lalau. 

A busca por novos caminhos continua para estas mulheres . “Precisamos avançar no sentido de que as pessoas não se espantem quando nós estamos chegando, porque sempre fica aquele olhar que está indicando: ‘O que essa negra está fazendo aqui? Quem é ela?’ Ou quando fingem aceitar a posição ou condição em que se está, muitas vezes somos taxadas de 'negrinhas metidas’. Não somos metidas, somos mulheres inteligentes, prontas e bem preparadas”, pontua Normélia. “Não trazemos cabelos soltos ao vento, muito pelo contrário, felizmente, estavam vivendo um momento rico de assumirmos nossos crespos, que se comportam muito bem. Somos mulheres dos turbantes. Isso choca, muitas vezes, as pessoas, porque elas ficam esperando tudo aquilo que um dia foi padrão de beleza”, acrescenta. 

O maior desafio, para Normélia, ainda e mais do que nunca, continua sendo acabar com o racismo estrutural e institucional.

“Basta ser um corpo negro que se movimenta e acredita que estamos longe de alcançar o ideal de sociedade antiracista, mas acredito que vai chegar o momento que iremos conseguir. Nós precisamos disso, a humanidade precisa. Não somente o município de Criciúma, não somente o Estado de Santa Catarina, não só o Brasil, mas o mundo como um todo. Não se admite mais o racismo”. Normélia Lalau

A inspiração é um legado familiar

As bisavós, avós, tias, a mãe e o pai são as maiores inspirações de Normélia. “Eu tive o privilégio de nascer em um lar bem estruturado e em uma família em que, independente dos lados, paterno ou materno, sempre lutaram contra o racismo, cada qual no seu tempo, com as ferramentas e a formação que tinham”, Normélia.

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