O carvão existe há milhares de anos em depósitos de origem vegetal, formado por meio da decomposição da matéria orgânica sem a presença de oxigênio.
A explicação da origem do mineral é encontrada em uma rápida pesquisa na internet.
Mas para o Sul de Santa Catarina, o seu significado é muito maior. Ele representa economia, desenvolvimento, emprego e renda. Sua importância é tão grande que passou a ser chamado de “Ouro Negro” e a região de... Carbonífera.
O fim da mineração era impensado há alguns anos, mas hoje assombra trabalhadores, lideranças e empresários.
Esta possibilidade surgiu após a Engie Brasil Energia, que administra o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), em Capivari de Baixo, anunciar, em 2020, o encerramento das atividades da usina. Na ocasião, a empresa, inclusive, divulgou o que chama de “Caso Base”, que consiste no descomissionamento da usina em fases, encerrando este processo em 2025.
Uma catástrofe! Um caos! Destruição de sonhos! Várias são as expressões utilizadas por aqueles que dependem do setor para descrever o temor diante da iminência que o fim da extração do carvão gera.
Agora, eles se uniram na criação do movimento “Carvão Mineral: para um presente seguro e um futuro sustentável”, lançado por entidades do Sul de Santa Catarina com o objetivo de valorizar a indústria carbonífera e a geração de energia proveniente dela. “A nossa economia começou com o carvão. Foi ele que proporcionou que Criciúma chegasse onde está hoje, sendo a principal cidade entre Florianópolis e Porto Alegre. Queremos mostrar que temos no Sul de Santa Catarina, uma reserva energética que hoje equivale a 25% de toda energia consumida no estado, mas sempre ressaltando a responsabilidade ambiental”, enfatiza o presidente da Associação Empresarial de Criciúma (Acic), Moacir Dagostin.
Nós do Sul de Santa Catarina temos que nos conscientizar que temos que defender o carvão e ao mesmo tempo exigir das autoridades que nos deem condições de transformação da economia local, pois ainda dependemos muito do setor” - Moacir Dagostin, presidente da Associação Empresarial de Criciúma
Ainda segundo ele, existe uma unanimidade na área empresarial com relação à importância da continuação do funcionamento do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda. “Temos municípios que se, porventura, esta atividade acabar, irão sofrer muito. Exemplos são Lauro Müller, Treviso e Capivari de Baixo. A dependência do carvão em todo o mundo ainda é muito grande e, em função da crise hídrica, percebemos a importância de ter uma fonte de energia segura que é o carvão. Não podemos abrir mão sem ter a confirmação de que outras energias consigam suprir esta demanda”, complementa.
Presidente da Acic, Moacir Dagostin apresenta a sua visão sobre a importância do carvão e com relação ao surgimento do movimento em defesa do mineral:
Muda a palavra: de descomissionamento para crescimento
Uma nova esperança para o prolongamento da atividade surgiu no dia 18 de outubro de 2021, quando a Engie Brasil concluiu a venda do CTJL para a FRAM Capital, através da Diamante Holding Participações.
O preço de aquisição de 100% da participação acionária é de até R$ 325 milhões, dos quais R$ 210 milhões foram pagos no fechamento da operação e R$ 115 milhões estão sujeitos ao cumprimento de determinadas condições, que devem ser concretizadas até 2022. “O resumo da operação é mudar a palavra de descomissionamento para crescimento. Esta é a visão não só do grupo comprador, mas de todas as partes envolvidas. A Jorge Lacerda é uma usina que tem um horizonte a médio e longo prazo e, a partir daí, vamos cuidar muito bem deste ativo e estar sempre atentos às novas oportunidades. A mensagem que passamos aos funcionários e para toda a comunidade é de estabilidade e crescimento”, indica o sócio da FRAM Capital e membro do Conselho de Administração da Diamante Geração de Energia, Nicolas Gutierrez Londono.
Ele garante que a usina seguirá operando 100% com o mineral extraído na região e que os empregos estão garantidos. “Uma das partes que faz ela ser tão importante para o Sul de Santa Catarina e para o país é a fonte de carvão. A intenção é manter e dar solidez com os diferentes entes envolvidos nesta cadeia. Temos experiência em tocar companhias, mas o time da Jorge Lacerda com o qual a gente conta é que nos dá muita tranquilidade para o futuro”, pontua.
Segundo a direção da Diamante, estão previstos investimentos de R$ 3 bilhões em Santa Catarina, começando pela compra do complexo. A intenção é gerar energia não apenas a partir do carvão mineral, como é atualmente, mas também a partir do gás, com a instalação de duas novas turbinas e modernização das caldeiras.
O governador Carlos Moisés da Silva diz defender a busca por um caminho de sustentabilidade. "Mas uma ruptura traria um ônus ainda maior, ambiental e social. Só vamos conseguir fazer essa transição de forma justa com a continuidade da operação da Jorge Lacerda. Hoje, é um dia importante, um dia de esperança", afirma.
O futuro do Complexo Jorge Lacerda segundo o sócio da FRAM Capital e membro do Conselho de Administração da Diamante Geração de Energia, Nicolas Gutierrez Londono:
Para o diretor executivo do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (Siecesc), Márcio Cabral, o fato importante no momento é que há uma empresa interessada em seguir no ramo termelétrico, porém é preciso que esta nova administradora tenha as mesmas condições da antiga. “A usina deve muito da sua recuperação à Engie, pois é uma empresa grande e do ramo. Mas é melhor ter um parceiro que quer permanecer do que um que quer sair. Nesta ideia de permanecer no ramo, ganhamos de 2025 para 2027 quando terminaria a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)”, fala.
Construção coletiva. O resumo do sucesso da venda da Jorge Lacerda na visão do presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM) e diretor executivo da Satc, Fernando Zancan.
Ele lembra que o debate iniciou no fim de 2020, logo após a Engie anunciar o descomissionamento. “Quando começamos a discutir a situação, houve uma grande mobilização da sociedade e das classes política e empresarial. Todos trabalharam em prol de construir esta solução. Agora, um novo ciclo se inicia, mas ainda temos um caminho para trilhar. Tem muita coisa para ser feita e tudo passa por tecnologia, mas tendo um bom parceiro, que vem para investir na região e manter o funcionamento do complexo com qualidade, como a Engie vinha fazendo, tem tudo para dar certo e continuarmos contribuindo com a economia do Sul do estado”, menciona.
A transação foi concretizada após seis meses do início do período de exclusividade concedido à FRAM Capital. “Não podemos pensar que o carvão pode ser desprezado. A importância dele na geração de energia é muito grande, principalmente em momentos de estiagem, como estamos vivendo, com o preço da energia nas alturas e o gás com forte aumento. O carvão nos traz tranquilidade para que a indústria possa continuar crescendo sem depender das condições climáticas”, enfatiza o vice-presidente Sul da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), José Carlos Sprícigo.
Os impactos seriam grandes, principalmente com todos estes empregos e com as receitas. Receitas estas que vão para os empresários, para os funcionários, para o Estado e para os municípios. Seria uma relação perde-perde, e não o ganha-ganha que trabalhamos na indústria” - José Carlos Sprícigo, vice-presidente Sul da Fiesc
Luta pela prorrogação da CDE
Editada pelo Governo Federal, a Medida Provisória (MP) MP 1.055/2021, que criou a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), perderia validade em setembro, mas foi prorrogada por mais 60 dias e aguarda votação do Senado.
E o que ela tem a ver com o carvão? É nela que está a emenda nº 242, do deputado federal Ricardo Guidi, que solicita a prorrogação da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) de 2027 para 2035.
O texto do parlamentar prevê a possibilidade de manutenção do custeio com redução gradual até 2035 para as térmicas que, a partir de 2028, substituírem pelo menos 50% do carvão mineral por biomassa de reflorestamento ou de resíduos da agricultura.
Importância da atividade comprovada pelos números
A atividade carbonífera gera em torno de cinco mil empregos diretos e mais de 20 mil indiretos no Sul de Santa Catarina, afetando assim, em torno de 100 mil pessoas de 15 municípios.
Do total do carvão produzido pelas empresas sediadas na região, 97% rumam ao Complexo Jorge Lacerda por meio dos trilhos da Ferrovia Tereza Cristina (FTC) e 30% da economia da região gira em torno da cadeia produtiva do carvão.
Integrante do movimento, o presidente do Fórum das entidades de Criciúma (Forcri), Leandro Eufrasio Teixeira, concorda que esta cadeia produtiva tem grande relevância para a economia catarinense. “Ela movimenta aproximadamente R$ 6 bilhões por ano e é representativa na economia de 15 cidades. Atualmente a energia gerada através do carvão é uma das mais baratas, com uma geração firme que permite a segurança energética”, cita.
O coordenador do curso de Ciências Econômicas e do Observatório de Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Thiago Rocha Fabris, revela que 99% da produção de carvão do estado está na Associação dos Municípios da Região Carbonífera (Amrec). “Em 2006, a participação do setor no Valor Adicionado da Amrec era de 9%. Já em 2018, o ele caiu para 4%, passando de segundo para oitavo segmento que mais contribui com a economia. Não é que ele não evoluiu. Em termos reais, ele cresceu 27% neste período. O que aconteceu é que outras atividades econômicas cresceram mais”, salienta.
Trabalhamos para que o carvão tenha uma sobrevida até 2035, talvez um pouco mais, e temos que buscar alternativas mais modernas que não causem tanta poluição, embora as emissões das termelétricas a carvão no Brasil seja ínfima, quase zero. O Brasil produz quase nada de energia a carvão, mas ela é importante” - Ronaldo Benedet, consultor do Siecesc
Representatividade
A representatividade da mineração no Produto Interno Bruto (PIB) da Amrec é de 10%. Pode parecer pouco, mas o diretor executivo do Sindicato da Indústria de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (Siecesc), Márcio Cabral, nos convida a fazer um exercício para demonstrar a importância. “Considere que a região fosse um pequeno país. Agora, imagine tirar 10% do PIB deste país. Para construir isso de novo é muito difícil. Você perder um setor econômico é problemático. Suponha perder a metalurgia, o vestuário, o setor da saúde, o setor madeireiro. Perder qualquer setor econômico para nós é um impacto muito grande. Temos de 10 a 12 setores econômicos principais e precisamos de todos com transparência e de forma sustentável”, destaca.
O consultor do Siecesc, Ronaldo Benedet, afirma que o Brasil produz uma das energias mais limpas do mundo e que países da Europa e de outros continentes enfrentam problemas relacionados à geração. “Em uma época de crise energética, o carvão é uma garantia que dá à nossa região uma energia segura, firme. Mais de 60% da nossa energia é hídrica, eólica, fotovoltaica e um pouco de biomassa. Isso mostra que o Brasil é um dos países que mais cuida do meio ambiente. Existe um movimento no mundo querendo acabar com a energia fóssil, mas não dá para acabar sem instalar uma energia limpa. A Europa está com falta de energia e, ainda por cima, cara. Também há dificuldades na China e na Índia, onde falta carvão. O que temos que pensar é que energia cara é a que não tem”, pondera.
Da preocupação à comemoração
Capivari de Baixo. Cidade de 25,1 mil habitantes localizada na Associação dos Municípios da Região de Laguna (Amurel). É em seu território que está instalado o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda.
O equipamento dá ao município um bom retorno de impostos, sendo o principal responsável por sua economia e o seu fechamento significaria problemas sociais, segundo aponta o prefeito Vicente Corrêa Costa. “O complexo é de grande relevância para a economia não só do nosso município, como também para a Amurel, para a Amrec e para todo o estado de Santa Catarina. A geração de energia a carvão é um ramo que gera muita riqueza, emprego e tributos que vêm para o município”, ressalta.
A batalha continua
Mas a venda do complexo não faz com que a luta cesse. Pelo menos para o prefeito de Capivari de Baixo. “Temos realizado reuniões com os deputados, prefeitos, governador, com o grupo montado no fim de 2020. Temos a política estadual e federal do carvão, a questão da CDE, mas a iniciativa privada, mais uma vez assegurou esta continuidade. Se dependêssemos somente do poder público estaríamos naquela ansiedade. No que diz respeito ao poder público, nós daremos prosseguimento para que possamos estender a CDE. Não é porque a FRAM adquiriu que iremos sossegar e deixar de buscar mais incentivos para a geração de energia a carvão”, diz.
Prefeito de Capivari de Baixo, Vicente Corrêa Costa, festeja a venda do complexo, mas salienta luta pela extensão da CDE:
Quem também destaca os impactos sociais do fechamento da usina no futuro, sem que se encontre novas formas de se utilizar o carvão, é o presidente da Associação Empresarial de Tubarão (Acit), Gean Carlo da Silva.
A cidade é a maior da Amurel e faz limite com Capivari de Baixo, o que a faria sofrer as consequência de forma direta. “Além da importância econômica, o carvão tem um papel social muito forte. Pois é um grande gerador de empregos diretos e indiretos. Mas vejo que é preciso haver uma adequação às questões ambientais para que ele possa permanecer no mercado e acho isso totalmente possível. Mas é uma matriz energética necessária”, assegura.
O carvão como motor da economia do Sul Catarinense, também é destacado por Márcio Cabral. Para ele, não há dúvidas que o mineral é a grande riqueza da região. “Não temos condições de competir com o restante do estado em nível de grandeza, mas sim na qualidade das empresas. Se olharmos por segmento, o metalúrgico está em Joinville, o agronegócio no Oeste, o madeireiro no planalto e a tecnologia em Florianópolis e em Blumenau. No Sul, a grande vocação é a geração de energia térmica. Ninguém tem a condição de gerar a energia com o produto que temos aqui. Se fala na geração a base do gás, mas ele não é nosso e é mais caro que o carvão”, observa.
O diretor Executivo do Siecesc cita ainda que o carvão brasileiro é o mais barato do mundo e faz uma comparação com a Austrália. “O mineral australiano custa U$ 300, o que equivale a mais de R$ 1,5 mil. O nosso carvão custa R$ 350. Temos muito a oferecer para o estado e para a economia da região. Não podemos retirar este movimento econômico do nosso cenário. Depende muito de nós e que as pessoas entendam e vibrem na mesma batida que não só do setor carbonífero vibramos”, comenta.
Mostrar a importância para a sociedade. Um dos pontos relatados pelo diretor Executivo do Siecesc, Márcio Cabral:
“Destruição de sonhos”
Cinco mil desempregados. Este seria o saldo caso a atividade acabasse. Agora, imagine somar a isso os dependentes destes trabalhadores: esposas, filhos. A tragédia seria muito maior. Além deles, há aqueles que dependem do ramo. Saldo: mais de 20 mil pessoas.
O presidente do Sindicato dos Mineiros de Criciúma e Regiões, Djonathan Elias, tenta resumir o que isso significa para ele. “O fim da atividade seria a destruição de sonhos dos mineiros e dos não mineiros, ou seja, de toda uma cadeia produtiva”, fala.
É por isso que eles também entraram no movimento em defesa do carvão. “Existe a possibilidade de minerar com responsabilidade. Quando se fala em carvão, se lembra ainda da Marion, máquina que abria um buraco aqui, outro buraco ali, mas na época não tinham órgãos competentes para fiscalizar. Hoje temos o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto do Meio Ambiente (IMA), que são atuantes e as empresas responsáveis. Nós do sindicato sempre cobramos primeiro a responsabilidade com o trabalhador, as boas condições de trabalho, a responsabilidade ambiental, porque tudo isso reflete no nosso dia a dia e das nossas famílias”, ostenta.
O que pensa o presidente do Sindicato dos Mineiros, Djonathan Elias:
O imbróglio que envolvia a continuação do funcionamento do Complexo Jorge Lacerda aumentava a apreensão daqueles que dependem do segmento. “Não dá para admitir que um recurso importante para a geração de energia seja dispensado desta forma. Com o carvão não dependemos totalmente das águas, do sol e nem do vento. Importante lembrar que a Usina Termelétrica Jorge Lacerda tem vida útil até 2050, não seria justo desativar estas máquinas em plenas condições operacionais”, menciona o presidente da Federação Interestadual dos Mineiros (PR/RS/SC), Genoir José dos Santos, acrescentando que o consumidor paga mais barato pela energia gerada por termelétricas a carvão. “Nós apoiamos as energias renováveis e acreditamos que o carvão pode e deve ser descarbonizado e continuar sendo usado como matéria prima na geração de energia”, completa.
“Precisamos mostrar para sociedade a importância do carvão na geração de emprego, distribuição de renda, através da movimentação econômica e arrecadação de impostos pelos municípios, além da geração de energia” - Genoir José dos Santos, o Foquinha, Presidente da Federação Interestadual dos Mineiros (PR/RS/SC).
Relevância construída ao longo das décadas
Para entender um pouco mais sobre a importância do carvão para a região é preciso voltar no tempo, mais precisamente ao fim do século XIX, quando uma empresa britânica construiu o primeiro trecho da ferrovia, ligando Lauro Müller a Laguna.
Contudo, o coordenador do curso de Ciências Econômicas e do Observatório de Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Thiago Rocha Fabris, conta que o carvão catarinense não era considerado de boa qualidade e foi abandonado pela empresa. “Então o Governo Federal deu a concessão para nomes como Henrique Lage, Sebastião Neto Campos, Álvaro Catão”, relata.
Fabris pontua três grandes períodos de crescimento do carvão. “O primeiro está relacionado à primeira guerra mundial. Na época ficou mais difícil importar o produto. A produção de carvão aumentou devido à demanda interna e entraram em ação novas carboníferas, estas da própria região. A Carbonífera de Araranguá, de Urussanga, a Companhia Carbonífera da Próspera, entre outras que foram fundadas neste período. O segundo momento veio no governo do presidente Getúlio Vargas, quando ele baixou um decreto que estabelecia o aumento da utilização do carvão mineral de 10% para 20%, foi aí que nasceu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O terceiro período de crescimento foi registrado na crise do petróleo dos anos 1970, quando o combustível foi trocado pela queima do carvão”, conta.
O descenso veio duas décadas depois, no início dos anos 1990, quando, aponta o professor, houve a abertura da economia brasileira, e o setor foi desregulamentado.
Mostrando a importância para a sociedade
O diretor executivo do Siecesc, Márcio Cabral, faz uma analogia com o seu antigo ofício para explicar a importância do carvão. “Eu estive na Polícia Militar por 33 anos e ela era como um pato feio, algo que acontece com o carvão. Mas aos poucos fomos mostrando a importância da polícia, nos aproximando das pessoas com campanhas e projetos, tendo como ideia mostrar que somos úteis e para dar sustentabilidade à segurança pública. Eu entro em um setor totalmente diferente, mas o que eu encontro é algo parecido. As pessoas questionando a indústria fóssil no mundo todo, mas percebendo que o que falta é ser mais transparente enquanto setor importante para a economia regional. Só vamos gerar isso quando mostrarmos a nossa importância. É isso que o setor vem fazendo: se abriu mais e, consequentemente, as informações vão chegar nas pessoas de maneira diferente”, expõe.
Se não conseguimos alterar este conceito das pessoas regionalmente, mundialmente nós não temos a menor chance. Precisamos nos defender, principalmente regionalmente. Falar para as pessoas que estamos aqui e ajudar a manter o nível de riqueza, de renda e a economia da região de pé” - Diretor executivo do Siecesc, Márcio Cabral
Sobre a estrada de ferro, o carvão trilha o seu caminho
Das minas ao Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, o carvão percorre um longo caminho sobre a estrada de ferro. De 1997, quando a Ferrovia Tereza Cristina (FTC) assumiu a concessão, até 2020, foram transportadas mais de 67 milhões de toneladas de cargas. Destas, mais de 64 milhões são de carvão mineral.
Mais uma das integrantes da cadeia produtiva do carvão, a FTC contribui com a economia de 15 municípios, de Siderópolis a Imbituba, percorrendo 164 quilômetros.
Mesmo em meio ao debate sobre o futuro da extração do mineral, o gerente de Assuntos Corporativos e Planejamento da FTC, Celso Schurhoff, se diz otimista. “O setor energético tem sido pauta constante, em meio a um turbilhão de informações acerca da decisão da Engie em descarbonizar a matriz, recebemos com entusiasmo sua atuação na busca por um novo investidor e negociação, dando continuidade à operação do Complexo Jorge Lacerda. A iniciativa nos trouxe esperança e reacendeu a nossa expectativa de seguir contribuindo para o crescimento do estado, gerando emprego e renda”, enfatiza.
Schurhoff revela que entre 1997 e 2000, a empresa arrecadou mais de R$ 244 milhões para o Tesouro Nacional em outorga, arrendamento e tributos e também investiu R$ 77 milhões no sistema ferroviário.
O caminho do carvão das minas até chegar ao Complexo Jorge Lacerda:
Na Satc, as pesquisas em torno da captura de CO2
A busca por saídas para que o setor não definhe deve ser constante e em diversas frentes, como aponta o presidente da Acic, Moacir Dagostin. “Não podemos menosprezar. O que precisamos é encontrar outras utilidades. A importância dele não é só para os trabalhadores, mas também de toda uma cadeia de fornecedores. Tem vendedor de parafuso, de máquina, de papel, todo tipo de produto. É uma cadeia muito grande que depende do Complexo Jorge Lacerda e das mineradoras”, analisa.
“Pensar no carvão é pensar no futuro”. A frase é do presidente do Fórum das entidades de Criciúma (Forcri), Leandro Eufrasio Teixeira, ao citar ações realizadas no Sul do estado visando novas alternativas para uso do carvão.
Entre eles, Teixeira lembra da captura de CO2 e de projetos de novos produtos ligados ao mineral. “Com isso, podemos perceber que o carvão faz sua parte na transição energética. Podemos citar as cinzas oriundas da combustão do carvão para produção de cimento, sendo que hoje cerca de 45% de um saco do produto fabricado no Sul do Brasil é cinza de carvão. O minério também é utilizado pelas siderúrgicas, como combustível de fornos na fabricação de ferro e aço”, valoriza.
O projeto de captura de dióxido de carbono citado por Eufrasio é desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Satc (CTSatc) e é pioneiro na América Latina. Uma ação que também é destacada pelo presidente da ABCM, Fernando Zancan, citando ainda outras possibilidades de uso do mineral. “Estamos na segunda etapa com investimento de R$ 5 milhões. Isso dando certo, daremos a nossa contribuição com tecnologia de captura de CO2 a nível internacional. O carvão gera vários produtos e nós estamos com outro projeto, este para pegar a cinza de termelétricas e transformar em fertilizante. Tudo isso rodando, nós fazendo as alterações legais e colocando mais recursos em pesquisas, vamos criar novas indústrias baseadas no carvão”, estimula Zancan que também é diretor executivo da Satc.
Este tipo de tecnologia é estudada para recuperar o gás emitido em grandes quantidades por termelétricas, siderúrgicas, fábricas de cimento, refinarias, entre outros.
O coordenador do programa e líder do Núcleo de Energia e Síntese de Produtos do CTSatc, Thiago Fernandes de Aquino, diz que a captura é uma das formas de abatimento do CO2, sendo que existem várias tecnologias voltadas a este fim. “Na necessidade de abatimento, o mundo inteiro busca alternativas e a questão é o desenvolvimento do ponto de vista técnico, porém há também a questão econômica. A iniciativa que estamos testando é mais uma das tecnologias. Um projeto que começou em 2015, foi implementado em 2017 e rodou de fato em 2020 com os primeiros resultados positivos, pois abatemos 50% do CO2 de um gás simulado de térmica a carvão. Sabemos que a unidade pode ser modificada para chegar a 90% de captura”, revela.
Esta tecnologia é desenvolvida em parceria com o National Energy Technology Laboratory (NETL), laboratório de pesquisa ligado ao Departamento de Energia dos Estados Unidos (US-DOE) e implementada pela empresa Eneva, do setor de geração de energia, que possui unidades no Maranhão. “Esta captura pode ser implementada em diversos setores da indústria e o setor do carvão é um deles, mas pode ser usada no óleo, no gás, no ramo siderúrgico, entre outros”, fala Aquino.
Investimento
Até o momento, foram investidos R$ 5 milhões na planta piloto, além de outros R$ 5 milhões na parte de captura com zeólita. “A zeólita é um material que usamos na planta. Agora estamos indo para a segunda etapa em um projeto de R$ 7 milhões para continuar estudando o processo pelos próximos dois anos. O custo da captura é o gargalo desta tecnologia, mas temos a ideia de chegar a menos de US$ 30 a tonelada de CO2 capturada e os indicativos demonstram que é possível atingir este número, por isso que vamos para a fase dois”, afirma.
Os desenvolvedores da planta vivem a expectativa de confirmar a viabilidade técnica e econômica. “Caso elas se confirmem, teremos a chance de licenciar para outras empresas e também dar um destino apropriado para esta tecnologia, principalmente viabilizando o futuro do carvão. Ela pode ser uma boa saída não só para o carvão de Santa Catarina, mas do Brasil todo e até em escala mundial, pois trata-se de uma tecnologia promissora. Para o setor é uma possibilidade de implementação e viabilidade, competindo até mesmo com tecnologias mais maduras”, relata.
Voltando ao assunto sobre as zeólitas, o coordenador afirma que o projeto também abre a possibilidade de utilizá-las na adsorção do CO2 que está no gás da queima dos combustíveis.
A adsorção é um processo espontâneo que ocorre sempre que uma superfície de um sólido é exposta a um gás ou a um líquido. “Estas que testamos hoje é importada da China, mas sintetizamos em laboratório uma zeólita de cinzas de carvão que tem um preço melhor, com qualidade equiparada à importada. A ideia é produzir a zeólita para a planta de CO2. Sobre o carvão, temos outras alternativas além da combustão, nisso entram aplicações como a gaseificação para a produção de hidrogênio, para usar em célula combustível, por exemplo. Outra linha é a drenagem ácida de mina, extraindo terras raras que são minerais estratégicos para as mais diversas aplicações industriais e avançadas”, conta Aquino, revelando que este projeto está em elaboração e deve receber investimento em 2022.
Do peito nu ao capacete e macacão
Esqueça aquela imagem do trabalhador que “baixava a mina” sem camisa, bota, chapéu ou pacete e lampião.
Para desenvolver as suas atividades atualmente, o trabalhador, obrigatoriamente, deve utilizar uniforme, bota, capacete, protetor auricular e máscara. Algumas funções exigem ainda outros equipamentos de proteção individual (EPI), como macacão antichama e luvas isolantes para os eletricistas, por exemplo.
Hoje, os mineradores também não dependem mais de ferramentas manuais e vagonetas para extrair e transportar o carvão.
O trabalho é realizado por meio da furação à úmido, implantada desde meados da década de 1980, que, conforme o Engenheiro de Minas e Diretor Técnico do Siecesc, Marcio Zanuz, eliminou as ocorrências de pneumoconiose, doença provocada pelo pó do carvão. “Também tem destaque o emprego cada vez maior de mineradores contínuos por controle remoto, que garantem maior segurança aos operadores”, comenta.
A tecnologia passou a auxiliar também na comunicação entre o subsolo e a superfície. “Hoje já é possível utilizar rádios transmissores e até mesmo aplicativos de mensagens, uma vez que redes de internet estão sendo instaladas nas minas. Todas as empresas possuem equipes de engenheiros e técnicos de segurança que se dedicam ao treinamento e aperfeiçoamento das normas de segurança e são responsáveis pelo cumprimento de todas as exigências legais de saúde e segurança do trabalho que recaem sobre a atividade”, afirma Zanuz.
O cuidado com a segurança dos trabalhadores também conta com o apoio da Comissão Regional do Setor Mineral (CRSM), composto por engenheiros, técnicos de segurança e representantes de sindicatos de base e patronal. Há cerca de 20 anos este grupo se dedica ao aprimoramento e cumprimento das normas, além de promover treinamentos, debates, visitas técnicas, interação com órgãos fiscalizadores e análise de acidentes graves.
Para o coordenador de Segurança do Trabalho da Carbonífera Rio Deserto, Jhonatan Nogueira Hoffmann, a exploração do carvão, por ser um polo antigo na região, tem visão negativa com relação à segurança, contudo, com a mudança de cultura, principalmente dos empresários, que passaram a ter uma visão diferenciada sobre o tema, a segurança chega a ser melhor que muitos setores. “As minas do Sul do estado estão entre as mais seguras do país e aquele risco que não conseguimos eliminar, fizemos o uso do equipamento de proteção, mas o trabalho inicia bem antes, voltado, justamente, para a eliminação dos perigos de acidente, revela Hoffmann, acrescentando que não há ocorrência de pneumoconiose na região há mais de dez anos.
A visão do coordenador de Segurança do Trabalho, Jhonatan Nogueira Hoffmann, sobre a proteção à saúde dos mineiros:
Contribuição da tecnologia na segurança
Márcio Zanuz, do Siecesc, lembra que o avanço da tecnologia contribui com a melhoria da segurança, já que possibilitou o surgimento de equipamentos como o minerador contínuo, o shuttle-car, o LHD e as perfuratrizes.
A modernização também é festejada pelo engenheiro de Minas e gerente da Mina 101, Fábio da Rosa. Ele conta que a Carbonífera Rio Deserto, proprietária da unidade, é pioneira na utilização de novas tecnologias. “A parceria com o nosso setor de Tecnologia da Informação nos permitiu avançar nos controles e processos, porque com a inteligência artificial conseguimos monitorar, da superfície, o que ocorre no subsolo de forma online. Implementamos todos os meios que a empresa pode utilizar para facilitar o trabalho do profissional, aumentando a produtividade e a eficiência”, conta.
O sistema de escoramento do teto, que hoje utiliza parafusos e resinas especiais, também contrasta com os antigos sistemas de escoramento com madeira, atualmente utilizados somente em situações específicas.
Evolução na preocupação com o meio ambiente
Em 1993 o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil pública que teve sentença proferida sete anos depois. Ela condenou os réus a apresentarem projetos de recuperação ambiental da região que compõe a Bacia Carbonífera do Sul do estado, contemplando as áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto e minas abandonadas, bem como o desassoreamento, fixação de barrancas, descontaminação e retificação dos cursos d'água, além de outras obras com o intuito de amenizar os danos sofridos, principalmente, pela população dos municípios sede da extração e do beneficiamento do carvão.
Estamos com uma tecnologia sustentável na lavra e agora temos que caminhar para uma tecnologia sustentável na geração de energia” - Márcio Cabral, diretor Executivo do Siecesc
A iniciativa, conhecida como ACP do Carvão, com decisão transitada em julgado e que condenou a União e empresas a recuperarem os passivos ambientais gerados entre 1972 e 1990 foi um marco no cuidado com o meio ambiente. As empresas, tão logo tomaram conhecimento da sentença, iniciaram as ações para o seu cumprimento. “Hoje, as unidades produtivas possuem licenciamento ambiental e cumprem todas as condicionantes exigidas pelo órgão ambiental. Rejeitos são destinados a depósitos controlados, todos os efluentes são tratados e são tomadas todas as medidas de controle para evitar ou mitigar os impactos advindos da atividade”, fala Zanuz.
Para dar maior agilidade na recuperação das áreas degradadas, em 2007 foi criado o Grupo Técnico de Assessoramento à Execução da Sentença (GTA), composto por representantes técnicos das partes envolvidas.
Das áreas degradadas, mais de 45% está em processo de recuperação
Os dados atuais do monitoramento da cobertura do solo mostram que dos 6.503,74 hectares de áreas impactadas pela mineração de carvão, 45,55% são áreas em processo de recuperação ambiental. “A indústria carbonífera nestes últimos 30 anos não teve nenhum problema ambiental grave. Ao contrário, fomos livrando desta contaminação através da recuperação ambiental, por conta das tratativas com o Ministério Público Federal e a Justiça Federal, que criaram caminhos que estão sendo seguidos. Há coisas para melhorar, mas dependem do Governo Federal, porque as empresas melhoraram muito”, destaca o diretor Executivo do Siecesc, Márcio Cabral.
Já Zanuz aponta que a análise comparativa do monitoramento dos rios mostra reduções significativas nas cargas de acidez e que uma diminuição ainda maior do impacto na qualidade dos recursos hídricos superficiais será alcançada à medida que forem realizadas as obras de recuperação nas áreas que ainda não sofreram intervenções. “A ausência de intervenção não significa consolidação da degradação, já que os cronogramas de recuperação estão em andamento, conforme acordos individuais entre os réus e o Ministério Público Federal. Mesmo assim, evidenciam-se os efeitos positivos que a recuperação das áreas terrestres já tiveram sobre a qualidade das águas superficiais”, pontua.
Água das minas para a rizicultura
Toda a melhoria vista no processo de extração é enfatizada pelo coordenador ambiental da Mina 101, Felipe Medeiros Bertoncini, que entre os exemplos, cita a atenção dispensada para a água que passa por um rígido processo de tratamento. “Todo o efluente da mina é tratado. Toda a água é bombeada do subsolo ou do processo de beneficiamento do carvão, passando por este tratamento, permitindo que retorne para o meio ambiente com todos os padrões de qualidade exigidos pela Legislação Ambiental”, explica.
Coordenador Ambiental da Mina 101, Felipe Bertoncini ressalta a evolução dos cuidados com o meio ambiente:
No caso da Mina 101, o líquido é usado na rizicultura. “É um efeito benéfico que a mina trouxe para Içara. A Legislação Ambiental continua se aprimorando e as empresas vêm se adequando. Antes não existia nenhuma norma, por isso os impactos foram tão grandes, mas hoje a Legislação brasileira é bem robusta”, completa.
Outra evolução do setor foi a implantação, em algumas minas, do sistema de backfill, que permite que o rejeito do beneficiamento do carvão seja redirecionado para áreas já mineradas no subsolo.
Presidente da Acic, Moacir Dagostin também fala da mudança de pensamento ao longo dos anos:
Transição Energética Justa
Com a intenção de promover o emprego e o desenvolvimento sustentável das cadeias produtivas catarinenses, o Governo do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa (Alesc) o Projeto de Lei (PL) 270/2021 que institui a Política Estadual de Transição Energética Justa, considerada como a nova política estadual do carvão. O texto já recebeu parecer favorável dos deputados que compõem a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O objetivo é iniciar o processo de mudança e impulsionamento da economia de emissão de baixo carbono, de forma isonômica, e que garanta a inclusão socioeconômica das regiões ligadas à cadeia produtiva do carvão. O plano abrange um conjunto de ações e estratégias coordenadas e integradas de todos os segmentos da sociedade impactados pela mudança de um modelo de desenvolvimento econômico, com foco em resultados produtivos, sustentáveis e a geração de empregos que assegurem qualidade de vida às pessoas. “Precisamos focar em novos investimentos e em encontrar nos próximos 15 anos, saídas para que não paramos de investir no carvão de Santa Catarina, agregar valor, melhorar e ampliar a tecnologia”, explana o governador Carlos Moisés da Silva.
O projeto nasceu a partir de um grupo de trabalho formado por representantes do Governo do Estado, da Câmara dos Deputados, senadores e prefeitos dos municípios impactados, criado pelo Ministério de Minas e Energia para avaliar as atividades de geração de energia termelétrica e de exploração do carvão mineral em Santa Catarina.