Trabalhador, exigente, moderno e arrumador de casa. Essas são algumas características de Hemerson Maria, que completa mais de uma semana à frente da comissão técnica no trabalho de reestruturação do Tigre. Em 2020, Maria comandou a Chapecoense e o Brasil de Pelotas, dois trabalhos encerrados prematuramente - por motivos diferentes - e que evidenciam um técnico com visão de jogo reativa e boa organização defensiva, mas sem abdicar de uma visão moderna e de toque de bola.
A reportagem do Portal 4oito conversou com jornalistas de Chapecó e Pelotas para entender os pontos positivos - e negativos - do trabalho de Maria no ano passado. Na semana passada, o portal publicou um levantamento frio dos números do técnico na carreira, um aproveitamento total de 50,1%, mas que apresentou queda nos últimos trabalhos: na Chapecoense foram apenas seis jogos e 16,6% e no Brasil, em 21 partidas, 36,5%.
Chapecó
Maria chegou ao Oeste catarinense sob muita expectativa. Apesar do momento conturbado financeira e politicamente na Chapecoense, o clube projetava para 2020 uma temporada de retorno à elite do futebol brasileiro, após a campanha pífia na Série A de 2019, quando foi vice-lanterna com apenas 32 pontos.
O técnico, com vasta história no futebol catarinense, havia deixado boa impressão pelo trabalho sólido no Figueirense, quando, mesmo com os jogadores ameaçando greve por falta de pagamentos, conseguiu manter um padrão dentro de campo e o time fora da zona de rebaixamento da Série B de 2019.
De acordo com o repórter Mateus Montemezzo, da rádio Oeste Capital, de Chapecó, Maria teve autonomia para o trabalho de reestruturação da Chapecoense. Conseguiu montar o seu elenco e o trabalho era cercado de otimismo pela torcida, clube e imprensa.
Porém, dentro de campo, as coisas não aconteceram. Foram seis jogos, com três empates e três derrotas. "Não foi fácil o começo dele. Esperava-se muito porque se tinha na figura do Hemerson a cara da Chapecoense, um técnico de jogo reativo e que organizava o time bem defensivamente", avaliou Montemezzo.
Segundo o repórter, o bom repertório defensivo foi entregue por Maria; porém, faltou a segunda parte: a produção ofensiva. Foram apenas dois gols marcados e cinco sofridos. O técnico foi demitido na lanterna do Catarinense, após seis rodadas. "Ele saiu de portas abertas da Chapecoense, apesar do resultado não ter vindo", resume Montemezzo.
"Creio que se tivesse mais meses de trabalho também não teria dado certo. A gente via desgaste do Hemerson com os jogadores na questão de cobrança. Não deu certo na Chapecoense", ponderou o repórter.
Pelotas
No Sul do Rio Grande do Sul, as coisas não andavam fáceis para o Brasil de Pelotas. A diretoria xavante, aproveitando a parada do Gauchão por causa da pandemia, demitiu o técnico Gustavo Papa em situação delicada na tabela de classificação: era o lanterna do segundo turno.
Neste contexto, Hemerson Maria foi anunciado como técnico do clube no fim de março. Mais uma vez, teve autonomia para reestruturar o elenco, o que foi feito. Com uma base de jogadores veteranos, mas poucos com experiência de Série B, Maria apostou em jogadores jovens, de grandes clubes, como Danilo Gomes (São Paulo) e Bruno José (Internacional), e do intrerior paulista, como Matheus Oliveira (Oeste) e Bruno Matias (Novorizontino).
O fim de Gauchão não foi fácil, muito menos o começo da Série B. Com uma base defensiva montada com cinco jogadores nas rodadas iniciais, o Xavante foi vencer apenas na 7ª rodada, contra o Cruzeiro - foram cinco empates e duas derrotas nas primeiras rodadas.
"O trabalho do Maria no Brasil foi bastante produtivo. Mesmo que dentro de campo os resultados não tenham aparecido em um primeiro momento, aos poucos ele conseguiu reestruturar, rejuvenescer e dar uma nova cara ao clube, na captação de novos reforços", analisa o repórter Marcelo Prestes, da Rádio Universidade, de Pelotas.
Em ascensão na tabela, no entanto, Maria encerrou a passagem com o Xavante na 18ª rodada da Série B. "Ele pediu para sair por algumas divergências, talvez com o grupo de atletas, principalmente os que já estavam há algum tempo no Brasil e acabaram perdendo espaço", afirma Prestes.
Apesar do bom relacionamento com a diretoria, o jornalista do impresso pelotense Diário Popular, Vinícius Guerreiro, cita ainda a falta de respaldo dos dirigentes como um fator determinante para a saída de Maria do Brasil.
"Ele deixou o Xavante por escolha própria devido a uma falta de suporte da direção, talvez desconfiança, em meio a uma oscilação de resultado. A prova do bom trabalho foi que o substituto, Cláudio Tencati, manteve os principais pontos positivos e potencializou outros, levando o Brasil a uma boa campanha atualmente na Série B", avalia.
Característica de trabalho
Tanto em Chapecó quanto em Pelotas, Maria teve boa avaliação no desempenho defensivo dos times e no relacionamento com diretoria e imprensa. Porém, na Chapecoense, a avaliação de Montemezzo é de que o dia a dia com os jogadores pode ter sido crucial para o mau desempenho dentro de campo.
"Ele é um cara que trabalha muito. Os treinos sempre pensados, ele tinha uma ideia de jogo e tentava passar isso aos jogadores. O principal erro é que ele cobrava os mínimos detalhes dos jogadores. Ele prendia muito o time em questão de posicionamento defensivo e ofensivo. Chegou a organizar o time defensivamente, mas não conseguia fazer o time jogar", aponta o repórter.
No Xavante, Maria conseguiu mudar o paradigma do clube, geralmente pautado pela raça, e implementou um estilo de mais toque de bola. "Mudou o padrão de jogo. Passou a ser uma equipe que tocou mais a bola e teve mais técnica ao invés de só raça, como foi no Campeonato Gaúcho", pondera Prestes. "O início foi armando a equipe na defesa. No esquema de emergência, ele adotou cinco defensores, o que deu muita solidez, como por exemplo no empate contra o Cuiabá. Ele foi fundamental no quesito de solidificar a equipe", conclui o repórter.
Análise do desempenho
Com formação em análise de desempenho, o jornalista Vinícius Guerreiro acompanhou de perto o trabalho de Maria no Xavante - chegou, inclusive, a ser elogiado pelo treinador em entrevista coletiva na cidade, o que se repetiu na apresentação do técnico em Criciúma.
Dentro de campo, o técnico alterou a proposta defensiva do Xavante - de uma marcação individual para zona. "Muito bem executada inclusive por atletas antigos no Xavante e que estavam acostumados a marcar de maneira individual – e de um time que valorizasse mais a posse de bola", detalha Guerreiro.
"Maria construiu o time de trás para frente pela qualidade do elenco que tinha recebido em meio à pandemia, os reforços foram chegando ao decorrer da Série B. Todos os nomes buscados visaram elevar o nível técnico do time, aumentar a intensidade das ações e tornar o Brasil uma equipe que jogasse um jogo mais agradável", acrescenta o jornalista.
Ainda na análise de Guerreiro, Hemerson Maria gosta de uma marcação por zona e capaz de organizar bem a pressão alta e a transição defensiva. "Utilizou a linha de cinco no começo, que serviu de base para a equipe entender o mecanismo zonal, e depois retornou ao 4-4-2 ou 4-2-3-1 na hora de defender. Modelos recorrente em outros trabalhos", analisa.
"Com a bola é um treinador que gosta de um jogo mais posicional. Prefere fazer a saída de três com o goleiro participando da construção e ter laterais que dão amplitude", acrescenta Guerreiro.
No ataque, os pontas jogam com o pé invertido e Maria prefere um centroavante de mais mobilidade, segundo o jornalista. O técnico opta por volantes mais técnicos e com bom vigor físico. "Ataca constantemente com uma linha de quatro ofensiva tendo o meia central como um segundo atacante e o centroavante buscando as costas dos volantes adversários", conclui Guerreiro.
O que disse Maria
Na apresentação no Tigre, em coletiva na terça-feira da semana passada, Maria não escondeu a surpresa negativa pelo trabalho na Chapecoense. "Nós praticamente montamos o esqueleto dessa Chapecoense. Anselmo Ramon, Darlan, Paulinho Mocelin, Anderson Leite, todos jogadores contratados quando eu estava lá. Até hoje eu não acredito, no Campeonato Catarinense eu tinha aproveitamento de 83% (antes da Chape), talvez se tivesse mais tempo, a gente iria colher os frutos", disse.
Sobre o Brasil, Maria explicou o jogo defensivo e reativo proposto. "O Brasil tinha uma particularidade que era a média alta de idade dos atletas, então a gente precisava mesclar. Dos 11 jogadores, oito tinham 30 anos ou mais. Precisava da intensidade e velocidade, ainda mais em uma Série B em que o Brasil não seria propositor: tinha que jogar em contra ataque", analisou o técnico.
Em um paralelo ao trabalho que fará no Tigre, Maria citou ainda a necessidade de um elenco equilibrado entre juventude e experiência. "Na Série C, a idade é mesclada. Nossa ideia é ter uma equipe equilibrada, para manter uma experiência quando chegar no final", concluiu.
Legado
Uma curiosidade sobre Maria é o que aconteceu com as duas equipes que treinou em 2020. Na Chapecoense, quando saiu, o clube teve uma arrancada e saiu da lanterna para a conquista do título do Catarinense, sob o comando de Umberto Louzer. O time de Chapeco também já garantiu o acesso à Série A e tem a melhor defesa da Série B, com apenas 18 gols sofridos.
No Xavante, ao deixar o time na 15ª colocação da Série B, foi substituído por Cláudio Tencati, que manteve a ascensão na tabela e levou o clube à 11ª posição, ainda com chances remotas de acesso e livre do fantasma da Série C. O Xavante tem a terceira melhor defesa da competição: 31 gols sofridos em 35 jogos.