Pedro e Cecília foram abandonados pela mãe e criados pela avó. Os irmãos viviam em situação risco e negligência e teriam sido agredidos e abusados sexualmente. O pai das crianças não possuía interesse em exercer a guarda deles. Os irmãos então foram retirados do poder familiar e passaram a viver em um abrigo.
Antes mesmo de ficarem disponíveis para adoção, uma tia se colocou à disposição para ter a guarda dos dois e acolhê-los em sua casa. Ocorre que, um ano e meio após estarem morando no novo lar, os irmãos foram devolvidos ao abrigo pela tia e pelo esposo, que alegaram "não aguentar mais olhar na cara deles".
A situação que choca os leitores ocorreu na Comarca de Laguna. Os nomes fictícios foram usados para contar a real história de dois irmãos que hoje tem 11 e 12 anos e voltaram a viver em um abrigo. Acompanhando a situação, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Laguna, ajuizou uma ação civil pública e conseguiu a condenação liminar da tia ao pagamento mensal de 30% do valor de um salário mínimo aos irmãos. O MP aguarda ainda o julgamento do pedido de indenização por danos morais.
"A conduta da tia não só violou os princípios básicos da proteção e do cuidado infantil, como também intensificou a vulnerabilidade da criança e da adolescente envolvidas, perpetuando o ciclo de traumas e abandono aos quais já haviam sido submetidas. Não estamos tratando de simples objetos, que podem ser devolvidos a qualquer tempo, mas sim de sujeitos de direitos e com sentimentos", comenta a Promotora de Justiça Fabiana Mara Silva Wagner.
Situação pode acarretar problemas psicológicos e afetivos
Para a neuropsicopedagoga, Bruna Botega Fortunato, a devolução de uma criança adotada pode causar problemas psicológicos e afetivos, como frustração e abandono. Ela explica que a criança pode apresentar problemas comportamentais, confusão de identidade e dificuldade de concentração; dificuldade de formar vínculos, pode ter medo de novos abandonos e rejeição, o que pode dificultar a formação de novos vínculos; pode ainda passar por crises, como inquietação no colégio, brigas com colegas e professores. "É como uma bomba para a autoestima da criança, essa é a melhor expressão, para definir o que uma criança adotada suporta com a devolução", reforça Bruna.
Caso vem sendo acompanhado há mais de dois anos
O MPSC acompanha a situação dos irmãos desde 2022 quando uma ação de destituição do poder familiar foi ajuizada para garantir os direitos dos dois, que viviam em situação de risco e eram extremamente negligenciados por seu núcleo familiar.
Diante dos fatos, a Justiça determinou a aplicação da medida de proteção de acolhimento institucional, sendo os dois levados para um abrigo. Depois de acolhidos, foram realizadas diligências em busca de familiares dos irmãos, sendo localizada uma tia que se colocou à disposição para ter a guarda dos irmãos e cuidar deles.
A Justiça, após parecer favorável do Ministério Público, autorizou a aproximação da tia com os sobrinhos por meio de visitas periódicas. Com o avanço das visitas e a aproximação entre eles, o abrigo emitiu um parecer técnico recomendando a reintegração familiar, com a concessão da guarda provisória à tia, que, naquele momento, se mostrou apta a exercer os cuidados dos sobrinhos. Foi então que, em fevereiro de 2023, os irmãos foram morar com a tia, o esposo dela e seus filhos.
Os irmãos seguiram sendo acompanhados por equipes sociais e os relatórios apresentados mostravam que a convivência familiar estava sendo positiva para eles. Porém, em agosto deste ano, a tia e o seu marido procuraram o conselho tutelar, alegando que queriam "devolver" os sobrinhos, pois não possuíam mais condições de exercer a guarda.
O casal rejeitou todas as alternativas apresentadas pelo órgão para que não houvesse a desistência e, assim, os irmãos foram novamente acolhidos no abrigo, após um ano e seis meses da guarda concedida aos tios.
Além do pedido de pagamento mensal de indenização no valor de 15% de um salário mínimo a cada um dos sobrinhos, já determinado de forma liminar pela Justiça, o MPSC requereu a condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais causados aos dois, a ser fixado em valor não inferior a 25 salários mínimos para cada um. O segundo pedido ainda será analisado pelo judiciário.
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Colaboração: MPSC