Faz pouco mais de um mês que o vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou, indignado, no Twitter, sobre a suspensão da conta da instituição no You Tube.
“Hoje o @YouTubeBrasil suspendeu a conta do @TCUoficial em sua plataforma, episódio grave, súbito e ainda sem explicação. Por imperativo constitucional, os julgamentos devem ser públicos e, na modalidade virtual, deve haver transmissão em tempo real.”
No tweet seguinte, ele afirmou que “Dado o ineditismo do ocorrido, os jurisdicionados e advogados que acompanhariam os julgamentos não dispunham de outra plataforma. Isso ocasionou o cancelamento das sessões de hoje das duas Câmaras do @TCUoficial, com prejuízo para a sociedade. Providências estão sendo estudadas.”
Essas duas postagens do ministro na plataforma carregam muito mais simbolismo que as palavras escritas acima. E é nesse tema que vamos mergulhar.
O TCU
Pra começar, é importante deixar claro a importância do Tribunal de Contas da União. O TCU, como é mais conhecido, é responsável “pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade” (segundo palavras do site da própria instituição). Ele é, em resumo, o auditor da gestão financeira do Governo. É quem encontra as fraudes, as falhas, os problema, enfim, da gestão do nosso dinheiro.
Sabendo da importância crítica do Tribunal, o vice-presidente foi a público reclamar que a instituição ficou inviabilizada de exercer suas atividades por culpa do YouTube. Mas será que é isso mesmo?
O You Tube
Vamos agora falar do You Tube. Eu lembro de quando a plataforma surgiu na minha vida, há mais de 15 anos. Era um site onde podíamos colocar vídeos curtos (normalmente de qualidade sofrível) para compartilhar com amigos. No lugar de transferir um arquivo gigante numa rede lenta, como era na época, os usuários apenas compartilhavam o link para que outros acessassem. Era revolução se levarmos em conta a tecnologia da época, mas não passava de uma ferramenta que compensava a limitação de velocidade da internet da época no compartilhamento de vídeos caseiros.
Acontece que na tecnologia da informação, não importa para o que foi criada uma ferramenta, mas sim como ela é usada. E o YouTube é, hoje, nos seus moldes, um jeito de “fazer televisão”. Mas, de novo, nos seus moldes.
Entre esses moldes está o fato de que, ao contrário das emissoras de rádio e televisão aberta, que tem caráter bastante definido de serviço de utilidade pública, a plataforma não é uma concessão pública, ou seja, não precisa de uma autorização do Poder Público para propagar seu conteúdo.
Se o Governo, ou alguma repartição, precisa usar as emissoras de rádio e televisão para um comunicado à população, lança mão do direito que tem e cria temporariamente uma “rede nacional de rádio e tv”, quando todas as emissoras precisam, ao mesmo tempo, transmitir ao vivo a mensagem. É obrigatório. É lei.
O YouTube, por outro, é 100% privado, não demanda estrutura alguma que não a própria ou dos usuários. Sendo assim, tem o direito de escolher quem pode ou não pode usar seus espaços. Além do mais, tirando um plano de assinatura que nos livra dos incessantes anúncios, o YouTube não cobra nada pela hospedagem do conteúdo. E é aí que o caso do TCU fica interessante.
Como pode um órgão desse tamanho, vinculado ao Governo, com um orçamento operacional de cerca de R$ 500 milhões/ano (dados de 2020), basear suas atividades em uma plataforma privada gratuita e ainda reclamar quando algo dá errado?
Não estou dizendo que é errado o TCU usar o YouTube. A escolha pelo YouTube é obvia pela facilidade de acesso do público em geral. Mas, convenhamos, que a situação facilita tal ocorrência. Se você não está pagando, vai cobrar de quem? Se não houve despesa, nem dinheiro tem para pedir de volta.
E o ponto de todo o raciocínio pode ser resumido numa frase que ouvi dos influenciadores do mercado financeiro Charles Wicz (@charles.wicz) e Otimista Oficial (@otimistaoficial): estamos trabalhando num terreno alugado.
A constatação, com ares de reclamação, se dá por conta da experiência que os dois têm das mudanças que os algoritmos sofrem periodicamente e acabam atrapalhando os acessos. Mas é do jogo. Está acima do controle deles. Afinal, a plataforma não é dos produtores de conteúdo. Eles são inquilinos.
Será que faltou ao Tribunal de Contas da União entender isso? Seria o caso de criar uma plataforma própria para as transmissões? Mas, se o fizesse, o acesso seria o mesmo que pela plataforma de vídeos mais acessada do mundo?
Pelo sim, pelo não, a resposta é secundária.
O ponto importante aqui é entender que as plataformas de redes sociais que tem guiado a nossa vida nos últimos (pelo menos) 10 anos não são públicas. Muito menos nossas. Elas são empresa privadas, com donos e interesses próprios. Assim que estes não estiverem sendo atendidos, o código muda e nós temos que nos adaptar.
O que eu entendo que deveria ter sido feito, sabendo da minha posição de profeta do passado nesse caso, era o TCU contar com mais de uma plataforma de veiculação dos seus julgamentos. Pode ser a Twitch, tão famosa entre os gamers, o Facebook, o Vimeo, Vevo, entre outras alternativas.
Como diz uma máxima do mercado, não coloque todas os seus ovos na mesma cesta. Nesse caso, não coloque todo seu conteúdo na mesma plataforma.