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Tudo é produto

Por Arthur Lessa Edição 06/05/2022

Vamos começar pelo óbvio: todo negócio tem, por objetivo primário, dar lucro. Ninguém abre uma empresa, corre atrás de clientes, paga um caminhão de impostos, aceita desaforos e pressões, apenas para “manter a cabeça ocupada”. Pra isso existem opções melhores como viagens, esportes e projetos sociais.

Por outro lado, há na base da cultura brasileira a imagem de lucro e dinheiro vinculada a pecado e sujeira. Lucrar é feio, pega mal. Quem tem patrimônio, roubou, enganou, sonegou ou herdou. Colheu frutos de anos de trabalhado duro? Não!

Os motivos dessa visão distorcida não vêm ao caso, mas o efeito na mente em desenvolvimento de um possível empreendedor causa algumas travas mentais difíceis de tirar e que impedem o nascimento ou desenvolvimento de muitos bons negócios.

Chega a ser irônico, já que as mesmas pessoas que defendem essa imagem do “empresário explorador” não abrem mão de seus salários, sempre abaixo do que merecem. Já vi um representante comercial reclamando a um sócio da empresa onde trabalhava que a comissão que recebia era muito baixa, que “a empresa fica com muito”. Ele então ouviu desse sócio a lista de despesas, custos e encargos que consomem esse “muito” da empresa. No fim, ele viu que ficava com uma fatia maior que a própria empresa. Mas continuou achando ruim.

Quem não entende o raciocínio acima, tem dificuldade também de entender que tudo o que uma empresa faz é produto. E todo produto tem que ser vendido. Muitas vezes com dinheiro, mas em outras vezes pode ser com atenção ou serviço.

“Ah, mas não é óbvio que a empresa vende produto?”. Às vezes não...

Quando se trata de um carro, um apartamento, uma ferramenta ou algo físico, é fácil de entender a lógica de pagar pelo produto. Some matéria-prima, insumos (energia, água, gás,...), salários, imposto e a margem de lucro, o preço sai de uma conta matemática simples. Mas serviço não tem matéria-prima e o buraco é mais embaixo.

Boa parte dos nossos ouvintes e leitores sabem que sou jornalista formado em universidade privada. Então conheço a fundo a resistência e que existe em aceitar que a atividade jornalística, inclusive, é um produto.

O problema é que falar isso para um jornalista é quase uma afronta! A categoria considera esse ofício como um serviço social, como um ato de defesa à democracia. Ouvi muito que quando virar um produto, o jornalismo morre. Erro causado por interpretação distorcida. E faço questão de explicar como faço para a redação do 4oito e já tive oportunidade de tratar com alunos de comunicação numa live promovida pela professora Alê Koga.

Você tem uma pizzaria com serviço de delivery e faz a melhor pizza da cidade, mas não anuncia em lugar nenhum nem faz esforço pra vender. Ou você anuncia, tem boa estratégia de venda, mas coloca a pizza numa caixa de papelão cinza e mole, daquela que o queijo cola na tampa, porque foi a mais barata que encontrou. Ou você cuida de tudo, mas o entregador é descuidado e a pizza chega de cabeça pra baixo. Em todos os cenários, as únicas constantes são (1) a pizza é a melhor e (2) o prejuízo bate a porta. Por que? Por conta da entrega do produto.

Olhando o outro extremo, a Domino’s é quem mais vende pizza no mundo. O Mc Donald’s é quem mais vende hambúrgueres no mundo. Nenhum dos dois está nem perto de ser o melhor do mundo nas suas categorias. Mas eles tem as melhores entregas e experiências para os consumidores.

Na sequência transformo a pizza e uma matéria altamente relevante, bem produzida, com vários pontos de vista e apuração muito bem feita. Mas a manchete é morna, a foto não destaca nada, o autor não manda o link pra ninguém, o layout da página é cansativo e por aí vai. O resultado é uma ótima pizza que, além de mal vendida, é entregue numa caixa amassada. Não dá vontade de pedir de novo.

Uso isso para tentar desmistificar o conceito de produto e de venda na mente dos jornalistas. Há pouco tempo, ouvir a frase “vender matéria” significava receber dinheiro na surdina para escrever algo em favor de quem paga ou contra o inimigo deste. Algo imoral, contra a ética jornalística. Os tempos mudam e hoje é comum os branded contents, que são produções jornalísticas encomendadas com cunho comercial. A diferença é que não é escondido, mas a resistência dos tradicionais da categoria permanece e é, muitas vezes, passada para os mais novos.

Falta a muitos empreendedores essa visão.

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