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É (sempre) menos que mereço...

Por Arthur Lessa Edição 20/05/2022

Há na base da cultura brasileira a imagem de lucro e dinheiro vinculada ao pecado e à sujeira. Lucrar é feio, pega mal. A regra implícita no consciente coletivo “confirma” que quem tem patrimônio, roubou, enganou, sonegou ou herdou. Colheu frutos de anos de trabalhado duro? Não!

Muitos dizem que tal diretriz vem de certas linhas do cristianismo que valorizam o sacrifício, a humildade e a pobreza como sinais de alma pura. Há outras, como o judaísmo, que são o oposto, valorizando a riqueza que resulta do trabalho duro e honesto. Mas essa é apenas uma das hipóteses que surgem quando se fala do tabu da riqueza no Brasil. Não vêm ao caso aprofundar mais esse ponto.

O que vamos tratar aqui é a maneira como essa visão distorcida impacta a mente em desenvolvimento de um possível empreendedor, criando algumas travas mentais difíceis de tirar e que impedem o nascimento ou desenvolvimento de muitos bons negócios.

Chega a ser irônico, já que as mesmas pessoas que defendem essa imagem do “empresário explorador” não abrem mão de seus salários, que sempre consideram abaixo do que merecem.

Um exemplo que ilustra bem essa relação vem de uma conversa que eu presenciei. Estava um representante comercial reclamando a um sócio (que não atuava na gestão à época) da empresa onde trabalhava que a comissão que recebia pelas vendas era muito baixa. Dizia que “a empresa fica com muito”. Ele então ouviu desse sócio a lista de despesas, custos e encargos que consomem esse “muito” da empresa. No fim, ele viu que ficava com uma fatia maior que a própria empresa. Mas continuou achando ruim.

Esse é um dos grandes fatores que torna o Brasil um país com problemas de interpretação financeira. Eu mesmo demorei muito para moldar a visão que tenho hoje de salário. Mesmo na faculdade (de humanas, onde tais visões são reforçadas), quando se falava de remuneração, salário, auxílios e afins, este dinheiro era subliminarmente envolto em aura de direito. “Eu tenho direito a um trabalho e tal trabalho me dá direito a um salário”. Simples assim. Cumprir o horário, embolsar o salário.

- Ok, Cara Pálida, mas de onde vem o dinheiro que paga o seu salário?

- Sei lá! Cumpri meu horário, me dê meu salário!

Esse é o ponto que distorce o entendimento. Restringir a visão ao “meu lote da cadeia”, como na linha de montagem de Chaplin em Tempos Modernos (1936). Não interessa de onde vem, “o problema não é meu”, “a empresa sempre tem de sobra”.

Como vejo hoje, e como quero que minha filha veja, é que o salário tem que se pagar. Ele entra como custo ou despesa no DRE da empresa. Ele entra também, por consequência, no preço do produto. É uma modelo conversão de tempo/conhecimento/habilidade/esforço em dinheiro. O trabalhador participa da confecção do produto, a empresa vende o produto e, com esta venda, remunera o trabalhador.

Por esse raciocínio sou avesso à frase “ganhar dinheiro”. Não é presente, é recompensa. É melhor como dizem na terra de Biden: “Make money” (fazer dinheiro).

Pense numa padaria. Ela te vende um saco de pão a R$ 5,00. Dentre desse preço estão, no mínimo, a farinha, o fermento, a água, a energia, o aluguel do imóvel, a manutenção do maquinário, os impostos (normalmente maior fatia da conta), o salário do padeiro e a margem de lucro, já que ninguém se esforça sem recompensa.

O padeiro pode ter a mesma sensação de que fica com muito pouco e resolver eliminar o “intermediário”, abrindo o próprio negócio. Sabe o que vai acontecer? Além de muito mais trabalho e menos estabilidade, ele vai ter que arcar com a farinha, o fermento, a água, a energia, o aluguel do imóvel, a manutenção do maquinário e os impostos (normalmente a maior fatia da conta).

Entendeu o que aconteceu aqui? No lugar de vender uma quantidade pré-definida do seu tempo por um montante de dinheiro também pré-definido, podendo ir para a casa e esquecer da empresa até que recomece seu turno, o indivíduo aumentou a aposta e investiu boa parte de seu tempo (e, muitas vezes, do próprio dinheiro) na expectativa de receber proporcionalmente mais, mas com o risco de passar por momentos de aperto, dívidas e afins.

Dá inclusive para traçar um paralelo com o mercado de investimentos, onde o trabalho assalariado seria uma Renda Fixa (pouca rentabilidade com pouco risco) e empreender seria o investimento em Ações, que tem potencial de valorização muito superior, mas com muita dor de barriga pelo caminho.

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