Em 2013, o sérvio Novak Djokovic publicou o livro “Sirva para Vencer”.
Vivendo em Belgrado, conta que durante meses conseguia treinar apenas nos intervalos dos bombardeios durante a guerra de Kosovo, quando da
dissolução da Iugoslávia.
Mas diz que quem quase o venceu foi o trigo moderno.
“Da beira do fracasso a campeão do mundo em 18 meses” é o título do capítulo introdutório.
Conta que, aos 19 anos, estava no final do Croatia Open, de 2006, contra Stanislas Wawrinka, quando a “Maldição” – a força misteriosa que
esgotava sua energia sem aviso – agarrou-se a ele mais uma vez.
Perdeu – de novo.
Pensou tratar-se de problema mental: fez meditação e ioga. O treino tornou-se obsessivo: catorze horas por dia, todos os dias.
Apesar de ganhar o primeiro Grand Slam, o Australia Open, em 2008, não era levado muito a sério pelos outros tenistas de ponta: “treme na
final”.
Conta Djokovic que até mesmo Roger Federer, suíço conhecido por sua polidez, teria dito aos repórteres: “Acho que ele é uma piada, sabe?
Quando fala sobre suas doenças”.
Apesar de asmático, não parecia ser esse o problema.
Na sua opinião, sua vida mudou quando Igor Cetojevic, nutricionista do seu país e que tinha amigos em comum o com o seu pai, ao ver um jogo
seu pela televisão, inferiu que o problema seria intolerância ao glúten – parte de proteínas armazenadas na semente de alguns cereais, como
trigo, cevada e centeio.
Mudou a dieta e, por ação dela ou não, tornou-se o número 1 do ranking mundial masculino de tênis – e o primeiro a ganhar mais de 100
milhões de dólares em prêmios.
Será?
Em abril deste ano, a BMC Gastroenterology publicou um extenso artigo de revisão sobre o assunto: “Sensibilidade ao trigo em indivíduos não
celíacos: racionalidade e irracionalidade de uma dieta sem glúten”.
Importante lembrar que existe uma doença de caráter genético em que o sistema imune age de forma exacerbada contra componentes da mucosa
intestinal do próprio indivíduo: a doença celíaca.
Nesses casos, a necessidade de supressão de alimentos que contenham glúten é indiscutível.
Da mesma forma, quando existe alergia ao trigo.
A discussão se faz naqueles casos em que não há doença celíaca nem alergia ao trigo, como no caso do Djokovic.
Além das dificuldades técnicas em ter um diagnóstico preciso dessa intolerância - baseia-se numa subjetiva resposta a uma dieta sem glúten
durante um período limitado, seguida do reaparecimento dos sintomas após sua reintrodução – há interesses comerciais bilionários atrás
dessa intolerância.
Como esperado, a publicação, que revisou artigos observacionais, não conseguiu chegar a nenhuma conclusão – há ainda muito trabalho a ser
feito nesse campo.
Enquanto não tivermos critérios diagnósticos mais objetivos, com biomarcadores confiáveis, ainda dependemos da exclusão de outras doenças e
dietas de teste, que ajudam quando os sintomas são gastrointestinais, como diarreia ou desconforto abdominal.
Mas até relacionar essa suposta intolerância a mudanças no desempenho esportivo ou mental, vai uma longa distância.
Como avisa o título do artigo, ainda há muita irracionalidade nessa questão.