Estávamos na década de 70 quando o Comerciário voltou.
Depois de longo tempo de inatividade, disputava de novo o campeonato catarinense.
Era o sonho realizado de um grupo de torcedores apaixonados, liderados por Osvaldo Patrício de Souza, dono da principal banca de jornais e revistas da cidade.
Junto com o “seu" Osvaldo estavam pequenos empresários, comerciantes, trabalhadores.
Tinha o dono de um restaurante, dois representantes comerciais, um médico, um corretor de imóveis, um servidor público, e mais uns dois ou três.
Eles dedicavam as horas de folga no trabalho para garantir o time em campo.
No fim de todos os dias, se reuniam para fazer o checklist. Normalmente, para saber de quanto precisavam para fechar a conta, e garantir a próxima rodada.
Era bonito de ver a empolgação de todos eles.
As coisas eram tocadas de forma meio amadora, não tinha receita, eles contavam moedas, mas no fim dava certo.
Miro Andrade, Acioli Sanches (o índio), Daltro Rabelo, Doca, Aderlei Porto, eram alguns dos parceiros do “seu" Osvaldo. Quantas histórias.
Muitas divertidas, algumas inacreditáveis, e aquelas “impublicáveis”.
O estádio Heriberto Hülse era no mesmo lugar de hoje. Mas, simples, acanhado.
Tinha um pedaço pequeno de arquibancada coberta, e só.
Mesmo assim, era chamado de "Majestoso da rua Desembargador Pedro Silva".
E o Comerciário, o Bacharel.
Comecei acompanhando o Comerciário para o jornal O Estado, de Florianópolis, pela sucursal de Criciúma.
Todos os dias, uma ou duas vezes, caminhava até o estádio à caça de informações.
Como referência, para se ter idéia do “tamanho da pernada”, a sucursal ficava numa sala na frente de onde hoje está o Varandas.
Enquanto fazia o caminho, passava na delegacia, ao lado da Igreja Assembléia de Deus, já perto do estádio, e pegava as principais ocorrências policiais do dia.
Ví partidas memoráveis do Comerciário. Grandes jogadores.
Valdeci, Veneza, Dirceu, Laerte (o urso), Rached (o craque), Lúcio, Serrano, Ademir Pezão (o artilheiro, se fosse hoje estaria milionário).
A sucessão no Comerciário já era difícil. Ninguém queria pegar “aquele pepino”.
Sobrava para o seu “Osvaldo”,que tinha que continuar.
Até que o dono do supermercado aceitou o desafio. Antenor Angeloni.
Mas, ele tinha um plano ousado. Unir a cidade em torno do time.
O Comerciário tinha restrições de torcedores de Metropol e Atletico Operário, times que estavam parados, mas se mantinham “vivos" na memória e no coração dos seus torcedores.
Nascia o Criciúma.
Carlinhos Lacombe fez o hino e defendeu as cores (amarelo, preto e branco).
E vieram conquistas. Taças e mais taças. Copa do Brasil. Participação na Libertadores, serie A do Brasileiro, Série B, títulos estaduais.
Tempos de Alexandre, Itá, Vanderlei, Cavalo, Grizzo, Sarandi, Vilmar, Gelson, Jairo, Evandro, Soares.
Hoje, quando vejo o Criciúma na serie B do campeonato catarinense e na C do brasileiro, lembro de tudo isso.
E tenho convicção que é passageiro. É uma fase ruim, que vai passar.
Ali tem tradição que vem dos tempos do “seu” Osvaldo, e das eras de ouro do Antenor, e de muitos outros que fizeram história. Tem muita energia boa acumulada. E histórias que podem ensinar como fazer para vencer desafios, sejam os mais difíceis.
Mas, o que também teve em todos os tempos foi o apoio da cidade.
Mesmo quando era difícil “encontrar" um presidente, todos estavam fechados com o Comerciário, e com o Criciúma.
Os empresários, os políticos, os torcedores. Cada um dentro das suas possibilidades.
Foi assim que fizeram o estádio que está aí, por exemplo. Uma articulação dos políticos e empresários locais com o governo do estado.
Foi assim que saiu o centro de treinamento.
Lembro da campanha que foi feita para construir o muro em torno do centro de treinamento. Mais ou menos assim - “cada um, um tijolo”.
E teve doações de um milheiro, de algumas centenas, e de vários milheiros. No fim, sobrou tijolo.
As grandes empresas da região deram suporte ao Criciúma e ao Comerciário.
Pelo espirito comunitário de seus donos, também. Mas, porque era uma boa exposição de marca e de comunicação/interação com os seus “vizinhos" e trabalhadores.
Agora, na reconstrução, é preciso repetir tudo isso. Refazer a unidade na cidade em torno do seu time. Que leva o nome da cidade. E que tem uma marca reconhecida pelo mundo.
Prefeito, vereadores, deputados, empresários, profissionais liberais, trabalhadores em geral, todos enfim, precisam voltar a ajustar a sintonia com o time.
Hoje o Criciúma está com Anselmo Freitas no comando, mas não tem dono. Ele é de todos. E o seu sucesso faz bem a todos.
Porque espalha alegria, faz a cidade mais feliz, e projeta bem a nossa marca.