Se fazer teatro hoje em dia é difícil, sem recursos, apoio ínfimo, imagina como era no início dos anos 1900.
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Fazer teatro no início dos anos 1900 em Passo do Sertão, um pequeno povoado no extremo sul catarinense, divisa com o Rio Grande do Sul.
Pois, a professora Donatila Borba montou naquela época uma companhia de teatro em Passo do Sertão.
Os moradores ainda estavam muito envolvidos com as lutas da Revolução Federalista, entre “maragatos” e “pica paus”. Mas, Donatila entrava pelo meio, levando cultura.
Para se ter uma idéia, Passo do Sertão virou município de São João do Sul, que hoje tem pouco mais de 7 mil habitantes. Naquele tempo, eram algumas poucas famílias.
Quando vejo hoje o Reveraldo Joaquim contando moedas, batendo de porta em porta, se virando nos trinta, para fazer teatro com a sua consagrada e premiada companhia Cirquinho do Revirado, fico pensando nas dificuldades para fazer teatro naqueles tempos, quase num fim de mundo.
Mas, fazer cultura estava no DNA da gauchinha Donatila, que nasceu em Torres em 1898.
Com três anos de idade, ela já havia subido ao palco para fazer personagem de natal.
Seu pai, musico, tocava violino, foi seu maior incentivador.
Foi para Passo do Sertão quando casou com Virgílio Borba, que era coletor estadual (fiscal da fazenda estadual).
Depois de alguns anos, Virgilio foi transferido para Ararangua.
Fizeram a mudança em carro de boi.
Em Araranguá, ela fundou a biblioteca pública da cidade e foi sua primeira bibliotecária.
Logo depois de 1940, vieram para Criciúma. Fizeram a viagem de trem, partindo da estação da Barranca.
Ela foi de novo a primeira bibliotecária da cidade e Virgilio coletor estadual.
Mas, Donatila era uma ativista cultural.
Fundou companhia de teatro, se envolveu com grupos musicais, organizava serestas, era charadista, carnavalesca e poetiza.
Sua charadas eram publicadas em revista de São Paulo.
Por muitos anos, ela fazia um programa de radio, declamando poesias.
Donatila alegrava a cidade e espalhava cultura.
De vez em quando, reunia violeiros e saia a fazer serenatas pelas casas.
Uma vez, Donatila “invadiu" a Delegacia com os seus violeiros.
A filha, Shirley, apenas 7 anos, puxou na saia da mãe: “é a Delegacia, polícia, pode ser perigoso, pode dar confusão”.
Ela tranquilizou: “não tem problema, o delegado está aqui conosco, é um dos violeiros”.
As pessoas das casas por onde passava a serenata saiam para a rua, e passavam a acompanhá-los nas outras casas.
No fim, todo mundo reunido, virava uma festa.
Faz mais ou menos 75 anos, Criciúma já tinha linha de ônibus para Ararangua, mas era "estrada de chão”, muito ruim, levava algumas horas.
Donatila pegou seus artistas, montou o cenário no chão do ônibus, e foram apresentar a peça em Ararangua.
Em todas as peças teatrais, as senhoras da sociedade vendiam ingressos para alguma entidade beneficente, e sempre lotava o Cine Milanez (onde eram feitas as apresentações).
Donatila Borba é o nome da biblioteca pública municipal de Criciúma, foi a primeira mulher agraciada com o titulo de cidadania honorária de Criciúma e nome de rua em Torres. Morreu em 1986.
Ela deixou um pouco de si, da sua vocação cultural, nos filhos, netos, bisnetos.
Bel Borba Alamini, neta, é da Academia Criciumense de Letras.
Chico silveira e Mauricio silveira, neto e bisneto, são músicos conhecidos e reconhecidos em Araranguá.
Renê, filho músico e seresteiro em Torres. Jurê, filho, era musico, e Régis, neto, é musico.
Beto Japa, neto, é musico e produtor musical.
Hieron Borba, escritor.
O professor e contador Carlos Borba, filho de Donatila, era escritor, ativista social, envolvido com ações da cultura. Ele acaba de ser homenageado pela cidade, por iniciativa da Câmara e sanção do prefeito Salvaro.
O átrio do Centro Cultural Jorge Zanatta passou a ter o seu nome.
Hoje, ano 2021, Donatila ainda seria moderna, ousada, arrojada, à frente do seu tempo.