O clima não era dos mais amistosos na esquina coberta de barracas brancas e coloridas e sob sol forte na manhã quente de sábado em Curitiba. Fazia três semanas que, a poucos metros dali, um ex-presidente da República havia se tornado prisioneiro na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná. E fazia poucas horas que, a 800 metros, em outro sentido, um militante havia sido baleado.
“Qual o teu jornal?”. A pergunta seca sem dirigir olhar muito amistoso partia de uma jovem senhora, liderança da área de comunicação da Vigília Lula Livre, instalada em Curitiba em seguida do dia 7, quando Luiz Inácio Lula da Silva entregou-se à Polícia Federal, resultado da ação do juiz Sérgio Moro e das investigações da Operação Lava Jato.
A tentativa da reportagem de A Tribuna de circular com alguma desenvoltura no sábado entre as cerca de duzentas pessoas que transitavam pelas doze barracas instaladas no cruzamento próximo da PF, no bairro Santa Cândida, não foi plenamente feliz. Sem obter a credencial que o articulado e bem organizado movimento entrega aos jornalistas, conhecemos o espaço sem entrevistas e sob alguns olhares desconfiados.
Pelo menos conseguimos gravar o som ambiente da manhã de sábado na esquina próxima à PF. Confira abaixo:
A concentração é constante
Há dois pontos de fluxo constante de lulistas, petistas, esquerdistas, sindicalistas e simpatizantes em geral do ex-presidente desde a prisão de Lula em Curitiba. O primeiro é a “Praça Olga Benário”, criada pelo movimento no cruzamento das ruas Guilherme Matter e Barreto Coutinho. Ao chegar já é possível notar a concentração diferenciada. Há mais carros que o normal, Polícia Militar e cones limitando o acesso. E gente indo e vindo. E bandeiras e camisas vermelhas, roxas e pretas com a figura de Lula.
Subimos o leve morro da Barreto Coutinho e logo nos deparamos com as tendas espalhadas no leito da rua, rentes às calçadas. O vai e vem dos moradores está, naturalmente, limitado. E o barulho é constante. Da esquina, é possível ver a sede da PF ao fundo. A rua está bloqueada, e viaturas passam por ali de vez em quando.
De uma barraca, brota o som permanente. Alguém sempre está no microfone, seja animando os presentes, seja propondo atividades. “Sou professora de biodança e peço que façam um círculo”, pedia uma mulher. Antes dela, o som entoava “Lula-lá, brilha uma estrela”, o icônico jingle de 89 da derrota para Collor de Mello.
“Lula livre”, “Lula inocente”
“Um mais um é mais que dois”. Uma das oradoras que uniu as duas centenas na praça nos minutos que ali ficamos conclamava à união pela liberdade de Lula. O enigmático cálculo antecedia a reveladora frase da militante. “Depois de Jesus, Lula é quem mais admiro”.
Nas barracas, há de tudo. De souvenirs a abaixo-assinados e até uma caixa de acrílico onde os visitantes depositam cartas para o ex-presidente. Rapidamente vimos três, uma com letra de criança. Ao lado, camisetas de vários modelos à venda, de R$ 10 a R$ 30. E bottons um pouco mais baratos. Adiante, um grupo vestindo jalecos alaranjados defendia os trabalhadores da Petrobrás. E havia sindicatos, muitos. E, claro, camisetas do MST. Várias.
“Lula livre”, bradou o próximo orador, um cantor com sotaque paulistano. “Lula livre”, responderam todos. “Lula inocente”, puxou, e os presentes repetiram. Em uma das barracas, uma bandeira de Santa Catarina estendida. A única de unidade da Federação por ali.
Mais longe, tensão
O Acampamento Marisa Letícia, a 800 metros da PF, na rua Joaquim Nabuco, é a segunda concentração dos lulistas e foi montado em um terreno após os acampados terem sido retirados no dia 17, por ordem judicial, da esquina já citada, mais perto da Superintendência. Nele, os grupos descansam e se organizam. E nele aconteceram os disparos da madrugada de sábado.
Márcia Koakoski, de 42 anos, é advogada e saiu do Rio Grande do Sul para acampar por Lula. Sofreu ferimento por estilhaços de uma das balas disparadas por um homem ainda não identificado. Ao descrever o episódio em seu site, o PT colocou que Márcia “foi acordada pelos fascistas que atacaram a tiros o acampamento”. A nota menciona que a militante ouviu gritos de “Bolsonaro presidente” antes dos disparos. Jeferson de Menezes, 39 anos, de São Paulo, sofreu um tiro de raspão no pescoço. A presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann, tratou o episódio como um “atentado”.
Lula publicou mais uma carta, entregue à senadora Gleisi, na qual ataca o juiz Sérgio Moro. “Que país é esse em que uma instância inferior desacata a superior, em que um juiz de primeira instância desacata os ministros da suprema corte?”, escreveu. E cada um dos 22 dias posteriores à prisão de Lula começaram, nas concentrações, com o “Bom dia, Lula”. Hoje, de novo.
* Matéria publicada em conjunto com o jornal A Tribuna nesta segunda-feira.