Começou tensa aquela terça-feira. A madrugada havia sido de muitas reuniões a 1,3 mil quilômetros da Praça Nereu Ramos, no Rio de Janeiro. O Palácio do Catete era o epicentro da crise. O presidente Vargas afundava-se na crise dias depois do tiro que acertou o pé de Carlos Lacerda e o que matou o major Rubem Vaz na Rua Toneleiros. Mas não seria nenhum desses o tiro mais famoso da história política brasileira.
Getúlio estava fechado. Mais que o habitual. Em Criciúma, Ézio Lima estava agitado. Isso era normal. O intrépido homem dos cálculos feito grande jornalista tocava os noticiários da Rádio Eldorado. Chegou alarmado naquela manhã de 24 de agosto de 54. Estava claro que algo ruim se arquitetava.
O Repórter Esso era aguardado no rádio Transglobe escorado no canto da janela do segundo piso do Edifício Dom Joaquim. Estava sintonizado na Nacional.
Oito da manhã. O estampido seco provocou correria no Catete. Dona Darci foi das primeiras a ver o cadáver do marido, o pijama listrado ensopando em sangue no peito. E a filha Alzira viu a carta. "Saio da vida para entrar na história".
Estava dado o tiro mais importante da história do Brasil. Em Criciúma, o estampido seguiu o rastilho de pólvora provocado pelo Repórter Esso. Assim que Ézio Lima ouviu a grave notícia na Nacional, a informação foi ao ar aqui e imediatamente reproduzida na corneta metálica que pendia da velha fachada da antiga Eldorado para a Praça Nereu. Foi um burburinho no Café Rio, ali embaixo, e no Café São Paulo, na outra esquina.
Os da esquerda acusavam Lacerda. Os da direita praguejavam contra o dito heroísmo do velho presidente recém morto. O Brasil entrava na mais grave de tantas graves crises de sua tumultuada história republicana há exatas seis décadas e meia.
Há exatos 65 anos, a tarde daquela terça não tinha nada da tranquilidade deste sábado de memórias e de uma pergunta que ainda lateja: Getúlio se matou por dever ou por temer? A carta testamento não responde.