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O 31 de março foi em 1º de abril

As lembranças de Archimedes Naspolini Filho, Manoel Dias e Laenio Ghisi. Cada um ao seu jeito viveu aqueles dias na Criciúma de 1964

Por Denis Luciano 01/04/2022 - 06:30 Atualizado em 01/04/2022 - 07:10

A história é escrita pelos vencedores. Fato. E quem venceu em 64 optou por registrar nos livros que o golpe militar era uma Revolução. Assim, maiúscula. E que aconteceu no dia 31 de março, a data que foi consagrada nos anais. Mas na verdade o golpe é da madrugada de 1º de abril.

"A encrenca aconteceu dia 1º de abril, mas a data não seria sugestiva por ser o Dia da Mentira", confirma Archimedes Naspolini Filho. Ele é uma das testemunhas da história que chamamos para recontar aqueles dias no programa Conexão Sul deste 31 de março, quinta-feira, na Rádio Som Maior. Além dele, compartilharam memórias conosco o ex-deputado Manoel Dias e o professor e radialista Laenio Ghisi. Cada um viveu aqueles tempos da sua forma, nos seus ambientes.

Essa é a Rui Barbosa, a rua das rádios onde o Exército muito andou naqueles tempos.
À direita, o Centro Empresarial Diomicio Freitas onde, entre os anos 50 e 70,
operou a Rádio Eldorado. Foto: Denis Luciano

Algo estava no ar

"Eu tenho saudades dos meus 21 anos. No final de março de 64 já se esperava que alguma coisa acontecesse, tal o tamanho da ebulição política que acontecia de norte a sul", relata Archimedes. "Dia 31, à frente Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, governadores de Minas Gerais e Guanabara, eclodiu o movimento que acabou com a deposição de João Goulart".

Para Archimedes, a maioria em Criciúm apoiou o novo regime. "Não vou dizer que houve unanimidade da sociedade a favor do que estava acontecendo, da revolução, do movimento que resultou na chegada dos militares ao poder. Não houve unanimidade pois meia dúzia se opôs àquele movimento até fugindo da cidade pela possibilidade de serem presos. A cidade vivia esperando que acontecesse alguma coisa, a desordem imperava no Brasil".

A força do movimento sindical em Criciúma ajudou a tornar a cidade um alvo de atenção privilegiada dos militares. "O movimento sindical em Criciúma, Joaçaba, Chapecó, Joinville era muito acentuado, especialmente em Criciúma, onde o movimento sindical era a terceira força da cidade e em função disso o PTB comandava as ações".

À época, Archimedes era servidor da prefeitura, no mandato do prefeito Arlindo Junckes (PSD). O prefeito, o padre da paróquia e o comandante das tropas que vieram para Criciúma naqueles primeiros dias de abril comandavam a Criciúma do pós-golpe. "Era ele [o prefeito], padre Estanislau [Cizeski, pároco da Igreja Matriz São José], um coronel que veio de Blumenau, com ele veio um grupo de militares que se acantonou nas imediações da Cecrisa, aquilo era um descampado total, não havia uma casa em volta, onde temos hoje o Bairro Presidente Vargas. Foi por ali que o Exército permaneceu por um tempo razoável".

Archimedes lembra que raramente se viu evento público tão prestigiado quanto a festa convocada pelos militares para comemorar o êxito da chamada revolução. "A população foi chamada às ruas para festejar a derrubada do governo de Jango e a chegada dos militares. Foi um desfile que não se fez mais igual em Criciúma. Ainda tenho na retina o que aconteceu. Eu estava no terceiro andar do Café Rio, Edifício Dom Joaquim, onde era a direção da União dos Estudantes Secundaristas de Criciúma, o presidente era Eno Steiner. O desfile começou na pracinha do Imigrante, na 6 de Janeiro, e da 6 de Janeiro até onde está a delegacia regional hoje havia um movimento repleto de cabeças em regozijo pelo movimento".

Não demoraram para ocorrer as primeiras prisões. "Imediatamente começaram a ser buscadas e presas aquelas pessoas tidas como lideranças trabalhistas, lideranças do PTB e do Partido Comunista que estava na clandestinidade, as forças que agora dominavam a política foram em busca dessas pessoas. Transformaram uma ou duas salas do Lapagesse em presídios e depois as dependências do Plano do Carvão Nacional, hoje Centro Cultural Jorge Zanatta. Ali foi o QG das prisões. Levava-se para o Lapagesse para uma triagem e do Lapagesse mandava-se ali para o Plano do Carvão ou direto para Curitiba".

Esse prédio era menor nos anos 60, quando a Eldorado falava dali

Em 65, com o golpe completando um ano, Archimedes começou a trabalhar no rádio, na extinta Difusora, e elegeu-se vereador em primeiro mandato pela Arena. 

Maneca, duas vezes cassado

Manoel Dias era uma jovem liderança trabalhista de Criciúma quando elegeu-se vereador para a primeira legislatura da recém emancipada Içara. "Eu era vereador em Içara, na primeira legislatura do município. O país que estava sendo governado por um presidente trabalhista, o Brasil crescia 8% naquele período, era um momento importante e o golpe que se confirmou no dia 1º de abril se percebeu muito aqui. Criciúma sempre foi um centro destacado, era uma luta constante em defesa de um país justo, igual, democrático, infelizmente tivemos esse retrocesso que durou 21 anos mas que recuperou-se depois, a democracia".

Maneca lembra da chegada dos militares vindos de Blumenau para Criciúma. "Criciúma, como tinha muita fama, o Exército não chegou no começo, não tinha guarnição, veio pessoal de Blumenau. Quando chegaram em Criciúma, chegaram na praça e prenderam todos que estavam por ali, envolvidos ou não. Eu fiquei um mês andando por aí e fui preso depois e permaneci preso por 10, 11 meses, ali na sede do Plano Nacional do Carvão".

Preso, acabou perdendo o mandato. "Quando fui preso, o Exército mandou para a Câmara um ofício avisando que eu estava preso por suspeita de atividades subversivas. A Câmara não instaurou processo regular, simplesmente reuniu-se e me cassou o mandato. Tinha dois companheiros do PTB mas o terror que se instalou na época, ninguém tinha coragem de fazer qualquer enfrentamento. A Câmara me cassou sem instaurar um processo".

Onze meses depois, libertado, Manoel foi em busca do seu mandato na Justiça. E conseguiu. "Quando fui solto, entrei na Justiça, ganhei mandado de segurança e voltei em dezembro. Em janeiro fui eleito presidente da Câmara pelos mesmos que me cassaram. Eu renunciei, disse que não aceitava ser presidente de uma Câmara que me cassou sem um processo sequer. Fiquei até o fim do mandato, daí o PTB elegeu o prefeito Nery Rosa em Criciúma e eu fui trabalhar com ele. Só tinha uma secretaria, eram departamentos".

Com o golpe consolidado, Manoel ainda elegeu-se deputado estadual em 65. E acabou cassado novamente. "Passou o tempo até que chegou a eleição de 65, eu já estava no MDB, e todos que atuavam dentro PTB foi para o MDB. Me elegi deputado estadual e permaneci até 1969. Em 69, final do ano, baixaram o AI-5, era presidente o marechal Costa e Silva, ele ficou doente. Sob a alegação de ordem e disciplina baixaram o AI-5 que restabeleceu a cassação de mandatos que estava suspensa pela nova Constituição de 67. Aí em 69 eu fui cassado como deputado estadual, cassado por 20 anos".

Ele lembra que, naqueles tempos, era comum deputados cassados elegerem as esposas. "Mas a minha mulher Dalva estava grávida e não quis. O meu concunhado Murilo [Sampaio Canto] foi candidato a estadual e meu cunhado Walmor [de Lucca] concorreu a federal. Os dois se elegeram".

Manoel Dias foi deputado estadual até 1969, quando foi cassado

Já ligado ao trabalhismo de Jango e Brizola, Maneca recorda o quanto  o ex-governador gaúcho, cunhado do presidente da República, quis resistir à deposição. "Foram anos difíceis. Perdemos. O Jango não quis resistir. Ele tinha maioria, teria condições de fazer o enfrentamento mas não quis, embora o Brizola tenha tentado incentivado a reação ao golpe".

Dos tempos que esteve preso em Criciúma, quase um ano, Maneca não recorda de ter sofrido torturas físicas. Mas sim psicológicas. "Éramos uns 50 presos, ficávamos naquelas salas, quatro ou cinco em cada sala. A gente ficava ali conversando entre nós, rindo e tudo, mas sem nenhum ato de tortura física". 

Por fim, mesmo com golpe cassando dois mandatos seus nos anos 60, Manoel Dias segue firme. "Eu tenho 70 anos de militância partidária, nunca mudei de partido, sempre defendi os mesmos princípios, sonhando com um país mais justo, mais igual"

Nas ondas do rádio

Criciúma dependia muito do rádio para se informar. E uma das primeiras vítimas do regime militar em Criciúma foi justamente o dial. O 31 de março foi uma terça-feira. Na quinta, 2 de abril, a Rádio Difusora era calada. Também pudera. Conta a história que por volta das 4h da madrugada de 1º de abril, já cientes do golpe em Brasília, dirigentes do Sindicato dos Mineiros foram às minas sugerir greve, e usaram os microfones da rádio para fazer o mesmo.

"As duas rádios ficavam na mesma rua, a Rui Barbosa. A Eldorado era um edifício de três andares, a rádio era no terceiro andar. Na mesma rua, um pouco à frente, hoje é a joalheria Vitorette, em cima era a Difusora. Havia auto falantes ali, colocavam hinos militares, discursos do Brizola chamando os povos às ruas", confirma Laenio Ghisi, que como radialista atuou nas duas emissoras de Criciúma naqueles tempos, a Eldorado e a Difusora.

"O pessoal do sindicato passava por ali. Na Eldorado, a porta fechada, a gente para entrar tinha que bater, havia uma preocupação com a segurança do pessoal da rádio. Colocaram um segurança ali para a gente poder trabalhar", lembra.

"A Eldorado tinha programação normal, com noticiários do Rio, São Paulo, Porto Alegre, a gente copiava as notícias de outras rádios. A Difusora tinha uma população voltada mais a discursos do Brizola, marchas militares e hinos chamando a população às ruas", detalha.

Laenio conta que, pela influência de Diomicio e da família Freitas, que era proprietária da emissora, a Eldorado era um lugar seguro. "Eu era um adolescente de 15 anos. Eu comecei a trabalhar na Eldorado com 10 anos, eu ia chorando abrir a rádio. Quando a gente entravana rádio e fechava a porta, a gente se sentia seguro, lá em cima estavam o Diomicio Freitas e os seus irmãos que acompanhavam as rádios de Rio e São Paulo para ter informações". 

Na parte superior desse prédio operou
a Rádio Difusora por alguns meses na Rui Barbosa

O antigo radialista recorda a chegada dos militares no Centro. "Eu lembro da chegada do Exército ocupando a praça Nereu, foram para cima da laje da Galeria Bristot, onde depois funcionou a Difusora. Lá em cima não tinha telha, era uma laje, lá ficaram os militares com aquelas armas direcionadas para a praça Nereu Ramos". E com tanta vigilância, qualquer rodinha que se formava na praça ou nas ruas era razão para intervenção. "Se juntava mais de duas pessoas eles mandavam espalhar. Ficou um ambiente de nervosismo no ar".

 

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