Ele foi uma figura controversa. Que despertou paixões e gerou ódio. Foi, certamente, o mais barulhento dos exilados brasileiros na época do regime militar. Da sua saída do país ao seu reingresso, histórias não faltaram para narrar uma das mais agitadas histórias políticas do Brasil, que começou muito antes de 1964.
Filho de família humilde de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul, demorou para ganhar um nome. Era para ter se chamado Itagiba, conforme o gosto da mãe Oniva. O pai morreu cedo, na guerra que dividiu o estado entre chimangos e maragatos. Ainda criança, viu o pai voltar morto de um dos tantos combates, sobre o lombo de um cavalo. Amigos diziam que ali começou a revolta, ali nasceu o discurso aguerrido e corajoso que pautou a vida do velho líder.
O menino brincava de espadinha. Combatia. E de tanto simular essas cenas, ouviu falar de Leonel Rocha, uma das lideranças daquela revolução que banhava de sangue os campos do Rio Grande, a mesma que tirou a vida do pai. Daí veio a ideia: chamar o menino de Leonel. Ele já contava alguns três ou quatro anos quando finalmente ganhou um nome.
De dificuldade em dificuldade, saiu sem um tostão no bolso e ainda muito jovem, embarcado em um trem, de Carazinho para Porto Alegre. Na capital gaúcha, estudou, fez amigos, trabalhou. Conheceu a política, entrou na ala moça do PTB, foi vereador e deputado estadual ainda muito jovem. Formou-se engenheiro, conheceu Neusa em uma reunião do partido. Logo namoraram e casaram. Ela, irmã de João Goulart. Getúlio Vargas foi o padrinho de casamento. Perdeu na primeira, mas ganhou na segunda tentativa de ser prefeito de Porto Alegre. Fez uma gestão modernizadora, construiu estradas e escolas. Não demorou e tornou-se governador do Estado. Em seu período, o Rio Grande do Sul foi precursor da reforma agrária, estatizou empresas de energia e telefonia para melhorar os serviços e ergueu mais de 6 mil escolas.
O presidente Jânio Quadros renunciou em 61. João Goulart, o cunhado de Brizola e vice-presidente, estava na China. Eis que Brizola entrou em ação. Liderou um movimento, a Rede da Legalidade, que se apoderou da Rádio Guaíba para, durante semanas de tensão, convocar o Rio Grande e o Brasil às armas para defender a Constituição e garantir a posse do vice democraticamente eleito. A operação teve sucesso. Não da forma que Brizola esperava. O Congresso engendrou um parlamentarismo contra o qual o cunhado do presidente se insurgiu, primeiro como governador, depois como deputado estadual pela antiga Guanabara. Era um dos mais fortes discursos de esquerda na Câmara. Defendia as reformas de base, um pacote estruturante que gerava ojeriza aos donos do poder, principalmente latifundiários, temerosos da reforma agrária. Brizola fez campanha forte para o Não no plebiscito de janeiro de 63, que derrubou o parlamentarismo e devolveu plenos poderes ao presidente. Há quem diga que a pressão de Brizola prejudicou o governo do cunhado Jango.
"Cunhado não é parente, Brizola presidente", reverberavam os partidários do ex-governador gaúcho. Ele era um dos pré-candidatos postos para a eleição presidencial de 65. Talvez concorresse com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, ainda em alta pelo PSD, e com Carlos Lacerda, o grande líder de então da UDN, com quem travava ferozes debates. Mas essa eleição nunca houve. Jango foi derrubado no golpe de março de 64 e dali em diante o exílio começou para Brizola e muita gente.
No exílio, viveu primeiro no Uruguai. Depois, nos Estados Unidos. Por fim, em Portugal. Nessa última etapa, já com a abertura começando a vingar no Brasil, ele estruturou com outras lideranças o resgate do trabalhismo. De volta ao país, em 79, teve grande recepção no Rio Grande do Sul, e anunciou sua disposição em fixar domicílio eleitoral no Rio de Janeiro. Entendia que por lá estaria mais perto do centro do poder, podendo liderar o trabalhismo. Lutou pela retomada do antigo PTB, que perdeu em uma manobra na Justiça Eleitoral. Chorou diante das câmeras, prometendo força para achar um novo caminho. Fundou o PDT, do qual foi o presidente até a morte.
Pelo PDT, viveu três grandes momentos nos anos 80. A improvável eleição para governador do Rio em 82, denunciando um esquema de desvio de votos. Ali começava uma série de conflitos dele com a Rede Globo, a quem acusou sempre de manipulação. Depois, a participação ativa na campanha das Diretas Já. E, em 89, competitivo candidato à presidência, não chegando por 0,5% ao segundo turno, perdendo a vaga para Lula, depois derrotado por Collor de Mello.
"Se você quiser, se essa for a tua consciência, não vota no Leonel Brizola. Aí há gente digna, competindo, leal e honestamente. Mas não vota nesses candidatos. Eles estão aí para te enganar, é para tudo continuar como vai, esse país está sendo colonizado, o nosso país está em perigo. A pátria brasileira está em perigo. Estão entregando o nosso país. Você não vê que estão entregando o nosso país para tudo continuar na mão de gente irresponsável. Esses dois, Collor e Sílvio Santos, são dois instrumentos da liquidação dos sonhos deste país, um povo que pode ter um destino próprio. Vamos juntos dizer um não. Escolhe aqui entre nós aquele que você considera capaz de pronunciar esse não que tu tens abafado no teu peito. Um não rotundo contra tudo o que fizeram neste país nos últimos 25 anos".
Voltou a ser governador do Rio em 1990, na última eleição que venceu. Daí começa o declínio eleitoral de Brizola. Tentou a presidência de novo em 94, sendo pouco votado. Em 98, foi vice na chapa de Lula. Não passaram do primeiro turno contra Fernando Henrique Cardoso. Em 2002 buscou o Senado pelo Rio, sem sucesso. Em 2004, negociava com o PMDB uma coligação para a eleição à prefeitura, quando faleceu. Das memórias de Brizola, uma lembrança de março de 1994, o dia em que o Jornal Nacional da Rede Globo foi obrigado a apresentar um contundente direito de resposta do então governador contra a emissora. A interpretação de Cid Moreira em horário nobre foi um momento histórico da TV brasileira, no auge da guerra entre Brizola e a Globo.
'Todos sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui cita o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo brasileiro. Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar editorial de 'O Globo', fui acusado na minha honra e, pior, apontado como alguém de mente senil. Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que os use para si. Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso país.
Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou na quinta-feira, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípios. É apenas o temor de perder o negócio bilionário, que para ela representa a transmissão do Carnaval. Dinheiro, acima de tudo.
Em 83, quando construí a passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar de todas as formas o ponto alto do Carnaval carioca. Também aí não tem autoridade moral para questionar. E mais, reagi contra a Globo em defesa do Estado do Rio de Janeiro que por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior.
E isso é que não perdoarão nunca. Até mesmo a pesquisa mostrada na quinta-feira revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria antes um dever para qualquer órgão de imprensa, dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção.
Quando ela diz que denuncia os maus administradores deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder.
Se eu tivesse as pretensões eleitoreiras, de que tentam me acusar, não estaria aqui lutando contra um gigante como a Rede Globo.
Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado. Quando me insulta por nossas relações de cooperação administrativa com o governo federal, a Globo remorde-se de inveja e rancor e só vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível, quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesma.
Que o povo brasileiro faça o seu julgamento e na sua consciência límpida e honrada separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis, gananciosos e interesseiros.' Assina, Leonel Brizola."
Lembrar Brizola, independente de quaisquer paixões políticas, é lembrar tempo de posição na política, de postura e de embate. E de ideias, muitas e polêmicas ideias. De líderes que o Brasil está precisando de novo, para combater o bom combate.