Pra quem tem medo de viajar de avião, pior do que uma noite de insônia somente a noite de insônia que antecede uma viagem de avião.
A pessoa insone, com medo de avião, prestes a embarcar, tem a frente uma combinação indigesta.
Dá náuseas.
Medo de avião é caso perdido.
A gente trata. Melhora. Piora. Até que estabiliza.
Resta-nos conviver com ele.
É a luta entre a nossa fraca racionalidade e o turbilhão de emoções que, oportunamente, nos invade. Porque viagens de avião são emocionantes.
O voo nos deixa em suspenso. Tira os pés do chão. Leva aos céus.
A razão fica em desvantagem diante do turbilhonamento emocional.
Voar sempre nos chacoalha, mesmo quando não há turbulência.
É a vida expondo o risco de morte.
Sim. Viver tem risco de morte.
Por outro lado, voar é pura poesia.
Ou seria, se nós relaxassemos.
Na impossibilidade de relaxar, sempre renovamos a promessa de nunca mais estar a bordo.
Voando vivemos um reveillon intenso, cheio de promessas de aproveitar cada segundo da vida com os pés no chão.
O nosso ano novo é o pouso.
Mas com os pés no chão acabamos esquecendo as promessas.
Até que uma nova viagem de avião nos lembra de cada uma delas.
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Sabemos que o risco de morte também está na viagem de carro.
No despretensioso passeio a pé.
Nos exames de rotina.
Na própria rotina.
Mas no chão, a razão, tão sem emoção, não nos convence disso.
E a vida passa sem que o medo de perdê-la nos assuste.
E a urgência de vivê-la adormece.
Até que surge uma nova e necessária viagem de avião.
Lá vamos nós de novo, decolar, tirar os pés do chão.
Olhar a lua lá do alto.
Ver o sol da vista mais bonita.
Enxergar as nuvens - que coisa maluca - olhando para baixo.
Ver tudo de um outro ponto de vista.
Mudar as perspectivas.
Entrar em estado de alerta.
É nas viagens de avião que a vida assume o comando.
E nos põe no devido lugar.
E nos mostra que tudo o que há para fazer é relaxar e curtir a vista.
Porque nada está sob nosso controle.