A Copa do Mundo de Futebol acabou há menos de dois meses. A memória sobre os dias dos jogos da seleção ainda está fresquinha. Reunimos os amigos, as empresas alteram horário de funcionamento ou encerram o expediente mais cedo. Tudo para que a gente possa acompanhar a seleção brasileira entrar em campo. Todo mundo deve lembrar também que quando o então técnico da seleção, Tite, anunciou a escalação dos que iriam ao Catar pra trazer o hexa, um dos nomes que mais gerou polêmica foi o de Daniel Alves. O lateral direito tem 39 anos e isso provocou reações diversas pois seu desempenho em campo foi questionado. Tite bancou. Levou o pupilo.
“Ele transcende o futebol. É muito mais que jogar bola”, disse Tite, à época.
No começo deste mês, uma denúncia de agressão sexual contra Daniel Alves veio à tona, num contexto quase inacreditável. Conforme noticiou inicialmente o jornal espanhol La Vanguardia, uma mulher de 23 anos acusa o jogador de tê-la estuprado numa casa noturna, na Espanha, no fim de dezembro. Eu não vou detalhar o caso aqui, já que o nobre leitor já deve ter lido sobre isso na imprensa nacional e internacional.
Mas a pergunta, é:
Por que não estamos falando sobre isso?
Nem o ex-técnico Tite, nem os companheiros de time, ninguém falou sobre o caso. É como se houvesse um pacto silencioso que os impedisse de vir a publico e falar sobre isso. Claro que ninguém espera que os amigos condenem outro amigo e nem é essa a questão. Porém é de se esperar que condenem sua atitude que, segundo o depoimento da mulher, é repugnante. Vale lembrar que Daniel Alves mudou três vezes sua versão dos fatos, enquanto a denunciante mantém a mesma versão desde que a denúncia ocorreu. E não são só as pessoas próximas de Daniel que precisam se posicionar. É a sociedade inteira que precisa se indignar, com a mesma intensidade que se indigna ao ouvir falar sobre linguagem neutra, por exemplo.
Quando um homem agride sexualmente uma mulher, não é sobre sexo ou desejo. É sobre poder.
Se a investigação confirmar a versão da vítima, estaremos diante de um caso estarrecedor, praticado por um ídolo mundial do futebol. E, até lá, estaremos incrédulos diante do silêncio de quem parece ter medo de tocar no assunto.
Acertadamente, o deputado federal Valdir Cobalchini (MDB), falou sobre o caso na tarde desta quinta-feira, em sua página no instagram.
“Tenho a impressão de que já naturalizamos as ocorrências de crimes contra as mulheres envolvendo jogadores de futebol e outras pessoas munidas de fama e dinheiro. Talvez não saibam, ou simplesmente não deem importância, mas seus atos influenciam milhares de pessoas todos os dias. Agora, neste momento, deve haver uma criança na internet vendo um vídeo do Daniel Alves em campo com a braçadeira de capitão da Seleção Brasileira”, disse o parlamentar.
Condenar esse tipo de crime é obrigação de toda sociedade. Não se trata de fazer o papel valoroso que só cabe à Justiça. Trata-se de riscar o chão que delimita que tem coragem de tocar no assunto de quem prefere o silêncio confortável.
O processo está na fase inicial e Daniel foi preso preventivamente. O atleta terá direito de provar na justiça que é inocente, caso seja essa a conclusão das investigações. Caso fique comprovado que agrediu sexualmente a mulher, permanecerá preso.
Pode ser que o conteúdo desse texto por aqui tenha causado alguma estranheza, já que é um espaço para falarmos sobre política. E eu explico: política é muito mais do que uma sigla partidária. Falar sobre violência contra a mulher também é um ato político.
Tite e Daniel Alves durante partida da seleção brasileira. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.