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"Da realidade à ficção" (Parte 4)

Contra a Síndrome de Guillain-Barré, fisioterapia e fonoaudiologia

Por Milla Silveira Criciúma - SC, 10/11/2018 - 15:32

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A fisioterapia foi iniciada no dia seguinte em que cheguei. Lembro que, na primeira visita, Camila segurou minhas mãos para me ajudar a sentar na cama. Fez uma avaliação neurológica em todos os aspectos e voltou no dia seguinte, com um plano de trabalho que envolvia exercícios tão simples, mas que no estado em que me encontrava pareciam da mais alta complexidade. Percebi que eu tinha recuperado um pouco das forças, mas não tinha nenhuma coordenação e nem o mínimo de equilíbrio. Tudo teria que ser reaprendido.

Fisioterapeuta pela manhã e repetição dos exercícios durante o dia, sempre que possível.  Guilherme me acompanhava nos exercícios de fono e mantinha uma lista de tantos outros para que eu fizesse no decorrer do dia.

Além das atividades física e motora, praticava tudo aquilo que me ajudava com a coordenação: Caderno de caligrafia (sim, desaprendi a escrever, não conseguia desenhar meu próprio nome...), livros de pintura, tricô, crochê, escolher feijão, separar pecinhas minúsculas, organizar pequenos objetos, jogava bolinhas na parece, andava de costas, de lado, pulava amarelinha, usava lixas e materiais de diferentes gramaturas pra aumentar a sensibilidade, caminhava pela casa segurando nas paredes, sentava na grande bola plástica, subia e descia alguns degraus de escada. 
 

Definimos uma rotina diária: Acordar, tomar banho, café, fono, desenho e caligrafia, fisioterapia, almoço, descanso, tricô/crochê, fono, fisioterapia, lanche, caligrafia, descanso, banho, alongamento, repouso...

Aos poucos ia me tornando mais independente. Aprendi a sentar lentamente e a caminhar pelo quarto segurando nas paredes. Assim, eu já conseguiria ir ao banheiro sozinha, evitando acordar meu filho para auxiliar. 

Tomava banho sentada, os filhos lavavam meu cabelo e me ajudavam a completar a higiene. Aos poucos, fui lavando os cabelos sozinha, me enxaguando, levantando, apoiada na cadeira de banho, me enxugando onde alcançava, tomando banho em pé, apoiada na cadeira, até, finalmente, conseguir fazer tudo sem ajuda, mesmo que lentamente... Mas, durante muito tempo, com supervisão. Já imaginaram um tombo nessa fase da recuperação? Nem pensar! Muito cuidado eram palavras de ordem.

As atividades rotineiras, como escovar dentes, pentear cabelos, segurar talheres, vestir e fechar as roupas, passar cremes, sentar sozinha, caminhar pela casa, foram evoluindo e, após uma semana, já comecei a realizar os exercícios na academia do prédio. Descia pela escada e caminhava com apoio, mas com certa desenvoltura. Umas voltinhas pelo sol da manhã e um passeio com Shrek pelo bairro. Na segunda semana já fiz uma visitinha à manicure e ao supermercado. Quanta liberdade! Que avanço!

Na terceira semana, dirigi pelo condomínio, depois pelo bairro. Fui dispensada da fisioterapia na 15ª sessão e encaminhada para Nicolly Bertoni, no FisioPilates. Na 4ª semana, já andava de ônibus, acompanhada de meu filho Gustavo, e ia sozinha ao médico. Até então, nenhum medicamento. No 30º dia após a alta da internação, eu voltava a trabalhar, superando toda e qualquer expectativa.

E assim, numa disciplina quase militar, esses profissionais, esses amigos, essa família, essa cuidadora, esse cachorrinho e essa fé me colocaram de pé novamente! 

Família, animal de estimação, amigos, trabalho

Tenho certeza de que meu restabelecimento esteve baseado nesses pontos. Uma família que me mantinha confiante e determinada e que me dava a certeza de que estariam comigo em todas as horas. Filhos amorosos, irmãos presentes e dedicados, sobrinhos, cunhados, cunhadas. A preocupação com meus filhos, segurando uma barra dessas, sozinhos, após a perda do pai, me desesperava. E, ao mesmo tempo, não me deixava sucumbir, pois sabia o quanto precisavam de mim. 

Para se ter foco e determinação, temos que nos apegar a um motivo grande o suficiente para nos fortalecer. Uma vontade maior que nossa dor, um objetivo maior que nosso medo, um alento mais forte que nosso cansaço. Filhos foram o meu!

A família, os amigos, meu cachorrinho e meu trabalho completaram esse desafio.    

Também, numa hora de desespero, a segurança financeira é um alicerce poderoso. O gasto é enorme. Um emprego que nos permita ter licença sem perda salarial e um plano de saúde já são de grande valia, mas as despesas além dele são grandes, em todos os sentidos: as diferenças hospitalares, exames, fisioterapia em casa, cuidadora ou diarista para auxiliar nos trabalhos domésticos, equipamentos para os exercícios, alimentação especial. Nossa pequena reserva foi se esvaindo. Mas foi uma das coisas que me tranquilizava nas horas de reflexão.

Ao se aproximar o prazo de seis meses dado pelo neurologista para meu restabelecimento, fiz uma viagem por tudo que passei. A junção de muitos fatores me fez crer no merecimento divino. Quase um milagre: diagnóstico rápido, medicação que deu resultado, monitoramento do filho que estuda medicina e que fez descartar todas as outras possibilidades e agilizar os procedimentos de fisioterapia e fonoaudiologia, a equipe médica e técnica que não mediram esforços nem atenção, os profissionais capacitados que me cercaram, o apoio emocional e incondicional dos filhos e da família, a compreensão dos chefes e colegas de trabalho, a vigília dos amigos, a companhia silenciosa de meu cãozinho e a presença de meus irmãos de luz que me faziam levantar todos os dias, apesar das dores e do cansaço, e ir à luta. Pouquíssimos eram, ainda, os sintomas. Um leve formigamento na ponta dos dedos e uma sensibilidade mais apurada nas palmas das mãos e sola dos pés.

Hoje, um ano após minha alta hospitalar, nada que lembre a gravidade da doença...

Mas a alma é outra. Muita coisa mudou na Milla que mora em mim. Os pequenos conflitos e problemas diários já não me abalam, não me apego a sentimentos ruins e a medos, não me deixo afligir por coisas que podem ser resolvidas. A máxima é aquela: se tem solução, ótimo... Se não se tem solução, não vale o desgaste.  

O amor, a compreensão, a ajuda ao próximo, o aprofundamento da doutrina espírita, a valorização das horas de lazer, da realização de pequenos prazeres, a insignificância da materialidade. Tudo muda na gente, quando percebemos a nossa finitude e fragilidade. Volto todos os dias para as noites que, olhando, imóvel, o teto acima da cama hospitalar, eu pedia a Deus para que fizesse uma escolha: ou me deixasse neste plano com saúde bastante para poupar meus filhos de uma vida presos a mim, ou que me levasse para junto Dele... Ele me deixou ficar e me deu força e coragem pra me restabelecer totalmente. Agora é seguir a vida com um olhar diferente e agradecido.

É olhar para a imensidão do horizonte e acreditar que somos tão insignificantes diante desse universo... E, com isso, jamais desacreditar em nossa força e nossa fé e, principalmente, minimizar nossa arrogância, nossa prepotência e nosso egoísmo. 

A essa legião de anjos muita gratidão, proteção e Luz! 
 

Fim.

Confira a Parte 3 da “Da realidade à ficção” clicando aqui.

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