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Içara: Justiça suspende cessão de área pública 

Ausência de licitação para a alienação dos bens foi o principal argumento apresentado pelo Ministério Público

Por Marciano Bortolin Içara, SC, 25/08/2020 - 14:48 Atualizado em 25/08/2020 - 14:52
Foto: Divulgação
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A desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski, em decisão monocrática, confirmou tutela de urgência deferida na Comarca de Içara para manter nula a lei municipal que estabeleceu "cessão onerosa" de área pública em favor de uma empresa particular por 30 anos com a exigência de pavimentação de duas vias, urbanização e criação de acesso para praça pública como contrapartida.

A decisão de 1º grau suspendeu a eficácia da lei, proibiu a ocupação dos imóveis que totalizam mais de três mil metros quadrados e ainda fixou multa de R$ 100 mil para caso de descumprimento das determinações. A ausência de licitação para a alienação dos bens foi o principal argumento apresentado pelo Ministério Público, em sede de ação civil pública, acolhida pelo juiz de origem.

Agravo ao TJ

O Município de Içara e o empresário, em agravo ao Tribunal de Justiça, contra-arrazoaram e pleitearam a suspensão da liminar. Disseram que os terrenos não possuem acesso além daquele pertencente ao beneficiado pela cessão, que inclusive já fazia uso deles sem nada ofertar em troca. Alegaram ainda que, pela disposição física dos bens, eventual licitação teria apenas a própria empresa como interessada, daí que seria previsível sua vitória no certame. O município ainda acrescentou que as obras exigidas em contrapartida já estão em fase final de conclusão, em benefício da coletividade.

A desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski, contudo, acompanhou o entendimento do magistrado. "Da análise (...), conclui-se, ao que tudo indica, seria necessária a prévia licitação, isso por se tratar de alienação na forma de concessão de uso de bem público mediante realização de obras de pavimentação e construção em trechos de duas ruas do município, bem como do acesso a uma praça e respectivo estacionamento, aparentemente sem se enquadrar nas exceções das alíneas do inciso I do art. 17 da Lei nº 8.666/1993. Além disso, vale salientar que a utilização dos imóveis em momento anterior em nada modifica a aparente exigência de licitação, bem como que a tese de que seria evidente que o único interessado na área seria o proprietário do imóvel lindeiro não passa de dedução", posicionou-se a desembargadora.

A decisão

Em sua decisão, a desembargadora cita ainda a petição inicial do Ministério Público que, entre outras coisas, diz que a alienação sem prévia licitação configura ato de improbidade administrativa previsto, tece considerações sobre os aspectos jurídicos e econômicos. “Requer, então, seja deferida tutela de urgência consistente na suspensão dos efeitos jurídicos da Lei Municipal n. 3.891/2016 e na proibição de uso dos imóveis pela empresa beneficiária. Postergou-se a análise do requerimento de tutela de urgência para depois das defesas preliminares. Notificados, os réus apresentaram defesa preliminar e documentos. Alegam que a área cedida é encravada, sem rua de acesso, tendo como únicas lindeiras a empresa e várias residências (a área situa-se nos fundos da empresa), além de ser vizinha de APP (há um córrego d'água), e que, por esses fatores, é uma área desvalorizada. Acrescentam que, caso houvesse licitação, a referida empresa seria a única interessada e, portanto, vencedora. Disse ainda que, para tornar a área economicamente atrativa, o Município de Içara precisaria realizar investimento para, ao menos, abrir rua de acesso e pavimentá-la. Impugna a análise econômica feita pelo Ministério Público, apontando que alguns fatores relevantes não foram considerados, e sustentou que o negócio atendeu ao interesse público, na medida em que as contraprestações realizadas pela empresa beneficiaram a coletividade”, cita a decisão, entre outros pontos.

Uso exclusivo

A desembargadora segue em seu despacho. “No caso, o Município de Içara entregou os imóveis públicos em favor da empresa para seu uso exclusivo pelo período de 30 anos, mediante contraprestações consistentes em obras de pavimentação em três lugares distintos, conforme especificado na referida lei. Diante dessas características do negócio, tem-se que se trata de 'concessão de uso'. [...] [...] Portanto, no presente caso, o ato de alienação impugnado não se caracteriza como 'cessão de uso', como consta na Lei Municipal n. 3.891/2016, mas sim como 'concessão de uso'. Partindo-se dessa premissa, importa saber se, para a 'concessão de uso' em análise, era necessária prévia licitação. Também aqui, acolho a argumentação do Ministério Público. [...] [...] Note-se que os dois preceitos o constitucional e o legal estabelecem a licitação como regra para as "alienações" de bens públicos em geral, seja qual for a modalidade de alienação. O preceito legal, aliás, ao lado das "alienações" (termo genérico) especifica algumas modalidades: "concessões, permissões e locações". Entende-se que, ao falar em "concessões" e "permissões", o dispositivo legal está a tratar das 'concessões e permissões de serviço público' (que, aliás, têm disciplina legal especial na Lei n. 8.987/95; a propósito, ver art. 124 da Lei n. 8.666/93) e, também, das 'concessões e permissões de uso de bem público'. Mesmo porque, como observado, as "concessões" e "permissões" - a par das "locações" - aparecem lado a lado com "alienações". [...]" [...] Como se vê, o caso em análise (alienação na forma de 'concessão de uso') subsume-se à regra geral do art. 17, I, que exige licitação prévia, uma vez que não está presente nenhuma das exceções relacionadas para as quais o regramento legal dispensa a licitação”, citou.

Divergência

Para Denise de Souza Luiz Francoski, há “certa divergência doutrinária acerca da modalidade de licitação a ser adotada, mas não sobre a exigibilidade da licitação, dada a ausência de previsão legal expressa neste particular”. “É essa, aliás, a razão de se exigir licitação, qual seja, oportunizar igualdade de participação (isonomia) a todos os potenciais interessados. Também não há como acolher a tese do Município de Içara concernente a interpretação por analogia ao art. 17, I, 'd', e § 3º, I, da Lei n. 8.666/93, pois se trata de institutos jurídicos e situações fáticas um tanto distintas, de modo que as razões que ensejaram a edição do referido regramento legal não se aplicam ao caso em análise. Fosse essa a intenção, certamente a lei teria estendido expressamente o referido regramento às hipóteses de 'concessão de uso', como é o caso. Sobre os aspectos econômicos do negócio levantados pelas partes, numa primeira análise, parecem mais corretas as ponderações trazidas pelo Ministério Público, apesar de igualmente relevantes alguns fatores colocados pelos Réus. Conquanto aparentemente correta a alegação defensiva de que o Município de Içara precisaria realizar investimentos para tornar economicamente atrativa a concessão para outros eventuais interessados, por outro lado, numa análise superficial, a contrapartida exigida da empresa favorecida parece desproporcionalmente pequena à vista do longo período durante o qual ira usufruir dos imóveis concedidos. De todo modo, trata-se de debate que, por si só, não afasta a previsão legal que impõe prévia licitação, sobretudo num contexto em que não está clara a ausência de outros potenciais interessados. Por fim, não bastasse a exigência legal de licitação, convém ressaltar que é fato público e notório que o proprietário da empresa beneficiária tem forte atuação política nesta cidade de Içara e, coincidência ou não, integra o mesmo grupo político-partidário do Prefeito, o que, no mínimo, levanta fundada suspeita de que ato foi praticado com o deliberado intuito de favorecimento ilegítimo ao empresário/político, o que caracterizaria grave violação ao princípio da impessoalidade. Houvesse prévia licitação mediante o devido procedimento legal, com estrito respeito à isonomia e à ampla concorrência, tal suspeita ficaria afastada. Esse aparente favorecimento aqui considerado a partir de um juízo de cognição sumária torna de maior intensidade o vício que macula o ato ora impugnado”, pontuou a desembargadora em seu despacho.

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