Em grande parte dos 107 dias compreendidos pelos períodos de suspensão do transporte coletivo em Criciúma nos últimos meses, trabalhadores precisaram encontrar meios alternativos para chegar às empresas onde ainda estão empregados. Os que continuaram empregados. Sem ônibus, é o morador da periferia quem sofre. Aquele que, para ir a pé até o trabalho, precisa empreender jornadas homéricas, como alguns têm feito. Ou então empenhar os já escassos salários para comprar uma bicicleta ou até uma moto, das mais simples, baratas e econômicas, já que há o caríssimo combustível também.
Essa dureza também, com outras cores, bate à porta dos empresários. Sem passageiro para transportar nem ônibus na rua, o recurso não circula, a passagem não é paga. E os salários das centenas de funcionários do sistema, como ficam? E os direitos desses trabalhadores? É uma hora daquelas em que a responsabilidade de ser empresário, e o risco ao qual estão expostos nessa missão, batem à porta com vigor.
O início em março
A suspensão do transporte por conta do avanço da pandemia de Covid-19 começou em 19 de março. Os municípios seguiram decreto do governador Carlos Moisés, mesmo diante de pesadas críticas. Algumas semanas depois, em meados de abril, as empresas já acusavam o golpe. "Vamos fazer as devidas suspensões de contratos e demissões", reconheceu, em 15 de abril, o presidente da Associação Criciumense de Transporte Urbano (ACTU), Everton Trento. Estimava-se que 95% dos contratos de funcionários seriam suspensos, dentro das regras editadas pelo Governo Federal.
Poucos dias antes, a ACTU calculava que, em um eventual retorno do transporte, que não contava com qualquer previsão de data, a redução do número de passageiros alcançaria pelo menos 60%. "Quando o governo colocou no decreto a volta às aulas em junho, 60% do que transportamos são estudantes. Como o governo prorrogou a parada das aulas para junho, teremos 60% a menos de pessoas dentro do transporte coletivo sem as aulas", calculou Trento, "Sobram 40%, desses 40%, 12 a 13% no sistema é aposentado que anda, são as gratuidades. Se o prefeito cortar a gratuidade do aposentado, ele para de andar. Já vem para 28%. Daí tem empresas que pararam, cai para 23%. Desses 23% tem as pessoas que não andarão de ônibus por medo. Então, de 100% estamos falando em 20% das pessoas que serão transportadas", apontou.
Em abril, regras e expectativa
Em meados de abril, o debate era em torno das regras para retomada do transporte. Em Criciúma, diversas normas estavam editadas, no aguardo da volta efetiva do serviço. No fim de abril o Tribunal de Justiça (TJSC) não autorizava a volta do transporte coletivo, embora houvesse um decreto municipal em vigor permitindo. No recurso, os empresários se ampararam, também, em lei federal que consentia a legitimidade da restrição da locomoção intermunicipal e interestadual, mas não municipal. No começo de maio, as discussões giraram em torno da busca de condições para a retomada do tráfego de ônibus no transporte coletivo em Criciúma. "O nosso grupo técnico acha que a volta do transporte coletivo é necessária, já pode ser feita com alguns cuidados", considerava o médico Leandro Avany Nunes, presidente da Unimed Criciúma. A essa altura, o prejuízo já era consideral "incalculável" pelos empresários do setor.
A volta em junho
Depois de idas e vindas e de análises constantes nos números, definiu-se pelo retorno do transporte em 8 de junho. Mas um pacote de regras deveria ser atendido. "É uma experiência nova, isso pode ter uma utilização normal e tranquila dependendo do número de usuários. Se aumentar o usuário, vamos ampliar também os horários. Nesses que colocamos pode ter incremento do número de ônibus, dependendo da demanda. Se houver necessidade de refazer o horário, será refeito", explicou o presidente da ACTU na ocasião.
No primeiro dia dos ônibus circulando na cidade em meio à pandemia, em 8 de junho, pouco mais de 4 mil pessoas usaram o sistema. Muito abaixo das mais de 30 mil pessoas que são corriqueiramente transportadas. Nos primeiros dias, era possível perceber o perfil dos usuários. Alguns dias depois, para garantir o distanciamento entre os passageiros, as empresas precisaram remover alguns assentos do interior dos ônibus.
"Não cobre o custo do óleo diesel", disse o presidente da ACTU, Everton Trento, sobre a quantidade de passageiros transportados na primeira semana de volta das atividades. "Estamos pagando para trabalhar", reiterou. A briga, a essa altura, era para conscientizar os passageiros para, nas faixas de horário liberadas, fazer uso dos ônibus.
No começo de julho, a reclamação de passageiros era sobre o cumprimento das regras de lotação dos ônibus, de distanciamento e até uso dos itens básicos como álcool gel e máscaras.
A nova suspensão
No dia 17 de julho o Governo do Estado anunciou nova suspensão do transporte, por conta do crescimento nos casos de contaminação pelo novo coronavírus. "Esperamos que as autoridades a partir de agora comecem a fiscalizar todos os tipos de transportes que serão utilizados”, disparou o presidente da ACTU, demonstrando surpresa com a nova orientação estadual. "A situação das empresas já está muito difícil, pois já ficamos 84 dias parados", lembrou Trento.
O novo decreto do governador Carlos Moisés indicava 14 dias de suspensão a partir de 20 de julho. "Nós consideramos um equívoco e uma injustiça a decisão do governador", avaliou o presidente da ACTU no dia seguinte à nova suspensão da circulação dos ônibus. "Retornamos e cumprimos todas as exigências", completou Trento.
Prorrogando os decretos
A partir desse novo prazo, o Estado foi editando mais decretos prorrogando a suspensão, que continua a vigorar. Por conta disso, o cenário é desolador nos terminais de ônibus em Criciúma. No Terminal Central, a reportagem constatou, logo ao amanhecer desta terça-feira, 11, um cenário oposto ao corriqueiro. Perto das 7h, quando haveria escadas lotadas, filas e o vai e vem constante dos ônibus, o visual era de corredores vazios e terminal literalmente às moscas. Às 7h10min o jornalista do 4oito era a única pessoa em toda a plataforma de embarque e desembarque, a testemunhar que o dia 107 da paralisação, somando os dois períodos - o primeiro de março a junho e o segundo desde 20 de julho -, comprovava o tamanho do problema.
Há uma semana, foi levantado na Câmara de Vereadores a existência de um fundo federal para subsidiar empresas de transporte coletivo que ficaram sem receita durante a suspensão. "Mas o fundo prevê benefícios para empresas de cidades com mais de 300 mil habitantes. Seria importante diminuir, para contemplar cidades como Criciúma", referiu o vereador Aldinei Potelecki, que abordou a questão no Legislativo.
Enquanto isso, os casos de Covid-19 seguem aumentando em Santa Catarina, os ônibus continuam parados, os trabalhadores do sistema seguem sem perspectivas e os demais que dependem do transporte para circular precisam da criatividade para ir e vir. Até quando? Ninguém sabe.