O menino Pedro, do sapato furado, forrado por jornais e cuja sola agarrava-se a um pedaço de arame, tinha razões de sobra para chorar naquele 8 de dezembro de 1958. Às 11h da manhã, Maria Vienir aproveitava a manhã calorenta de sábado e banhava-se no mar, no Balneário Rincão. Eis que uma onda traiçoeira a arrastou. Desesperado, o pai, Vitório, não titubeou. Avançou mar adentro para resgatar a amada filha. Resultado, a trágica morte dos dois, tragados pela força da água.
Maria Vienir Serafim, então uma menina de 17 anos, nem sabia, mas fazia pulsar acelerado o coração de Pedro Martins Bernardino, o jovem apaixonado de 17 anos que vinha buscando, em carregadas linhas de amorosos poemas via Tribuna Criciumense, encorajar-se a revelar o amor que o ligava a ela. “Choramos meses indo ao cemitério fazer serenatas”, confidencia seu Pedro, reconhecendo, seis décadas depois, o afeto que o destino trágico levou pelo mar. E lembrando de Eduardo Lacombe, o amigo que, também tomado de paixão pela jovem, acompanhava as cantorias.
Fazia apenas um mês que Maria Vienir havia assoprado as velinhas dos 17. Filha de família abastada, o pai, Vitório Serafim – hoje nome de rua no Centro – era o proprietário da Casa Globo. Um dos mais prósperos comerciantes locais da época. “E eu, que vinha a pé todo dia da Linha Batista para trabalhar ali no posto central, como iria chegar nela?”.
Mas Pedrinho tinha as letras a seu favor. Muito inteligente e romântico, escreveu cartas de amor para amigos que arrumaram casamentos com os “textos emprestados”. “Pelo menos uns quatro casaram assim”, recorda o hoje aposentado. Para Maria Vienir, dedicou poemas antes e depois da triste perda. Antes, sob um pseudônimo. Depois, “Minhas lágrimas todas”, um tributo por ele assinado. Ambos em páginas do então semanário Tribuna Criciumense.
Sob o amor platônico, uma vida intensa
Martinho Bernardino foi um combativo vereador. De origem bastante humilde, era do velho PTB de Vargas. Dos tempos em que nada se ganhava para dedicar uma noite por semana à tarefa de legislar. Em 1940, colocou Pedrinho no mundo. Com todas as limitações da pobreza, optou pela vida religiosa para o menino, que frequentou seminários em São Ludgero e Brusque a partir dos nove anos. Por essas épocas, o pai andou ocupando-se de terraplenar um terreno perto do Centro. Ali onde seria erguido o estádio Heriberto Hülse. Aos 15, de volta da frustrada tentativa de viver pela Igreja, Pedro era matriculado no Colégio Lapagesse. Fez muitos amigos. Um deles, o talentoso Clésio, promissor ponteiro direito do Atlético Operário que tornou-se um craque dos microfones. Era o Clésio Búrigo.
Enquanto apaixonava-se por Maria Vienir, Pedro exercitou o talento para a comunicação. Amigo de José Pimentel, seu Martinho arrumou para o filho uns espaços no jornal da cidade. Escrevia poemas. “Fiz amizade com o Antônio Luiz e era o redator do Romance e Melodia, na Rádio Eldorado”.
Do Bob Kennedy ao Glauco
O tempo passou, a vida prosseguiu. À força de muito estudo, cumpriu vitoriosa carreira militar. Em 1964, passou por um treinamento no FBI, a exemplo de outros brasileiros. “Meu diploma do curso foi entregue por Bob Kennedy”, lembra. No auge do regime militar, então capitão da Polícia Militar, fazia das suas. Participava de longos debates com a Juventude Universitária Católica, grupo de orientação esquerdista. “Um tal de Glauco Côrte participava”, lembra, aos risos, citando o ex-presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina.
Formou-se aos 28 anos em Direito pela UFSC. Orador da turma, proferiu forte discurso que passou por pouco pela grave censura. “Protestamos contra... os golpes militares...”, e levantou a massa. “Do Peru, Panamá e Mali”, arrematou, desmanchando os ferozes censores.
O afeto ficou. A vida seguiu
A vida seguiu. Repleta de aventuras. O hoje idoso alegre, que casou-se, criou filhos e reside em Tubarão, cumpre um compromisso saudosista com o seu passado. Exatas seis décadas depois, reencontra o amor platônico do passado no Cemitério Municipal. Vem depositar flores diante do túmulo onde emprestou sua voz a longas serenatas e, agora, escreve com a doçura dos românticos outro capítulo desse pesado livro da sua vida. “Recordar um tempo que as páginas do jornal guardaram, e que o coração de outras épocas, hoje veterano, faz questão de tratar com carinho”. Palavras do velho poeta. Senão o último, mas o mais veterano dos românticos.