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Racismo: A mulher negra como fator ativo de mudança

Pesquisa aponta que no Brasil 84% dos negros percebem racismo, mas apenas 4% se consideram preconceituosos

Melissa Camara (*), acadêmica da UniSatc Criciúma, SC, 11/07/2022 - 15:38 Atualizado em 11/07/2022 - 15:41
Fotos: Divulgação/ Arquivo Pessoal
Fotos: Divulgação/ Arquivo Pessoal

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Buscando a valorização do seu trabalho e decidida a não mais ser humilhada por seus patrões, a maquiadora e sócia do Joicylimas & Sibelibelvah Centro de Estética e Beleza, Joice da Silva Limas, decidiu dar uma reviravolta em sua vida e abrir seu próprio negócio. Maquiadora e designer de sobrancelhas desde 2016, ela viu sua vida profissional quase afundar em 2020 quando foi vítima de racismo estrutural no salão em que trabalhava, no Centro de Criciúma. 

Única maquiadora negra no salão, ela foi acusada de roubo por sua ex-patroa no período da pandemia, quando todas as lojas começavam a fechar suas portas por determinação de uma lei estadual. Condição essa que fez ela permanecer no emprego por mais algum tempo. “Mesmo vendo alguns olhares estranhos, algumas conversas estranhas, eu não queria acreditar. Então eu deixava para lá. Eu ganhava bem e isso estava me ajudando a colocar minhas contas em dia. Então para mim estava tudo ótimo”, afirma Joice.

“Mesmo vendo alguns olhares estranhos, algumas conversas estranhas, eu não queria acreditar. Então eu deixava para lá. Eu ganhava bem e isso estava me ajudando a colocar minhas contas em dia. Então para mim estava tudo ótimo”, Joice da Silva Limas, empreendedora.

 

Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, no Brasil 84% dos negros percebem racismo, mas apenas 4% se consideram preconceituosos. A pesquisa aponta ainda que 61% dos brasileiros presenciaram uma pessoa negra (preta ou parda) sendo humilhada ou discriminada devido à sua raça/cor em lojas, shoppings, restaurantes ou supermercados. O percentual aumenta para 71% quando pretas. Além disso, 69% pessoas negras já foram seguidas por seguranças em lojas.

Segundo declaração de Adriana Barbosa, CEO da Preta Hub, para o CNN Brasil em junho de 2020, o empreendedorismo foi o caminho que a população negra encontrou após o final da escravatura. Ou seja, foi a lógica da necessidade. “Acesso a crédito, a maquinário, a tecnologia são grandes desafios enfrentados pela população negra. Especialmente em tempos de Covid-19, uma outra questão é em relação à internet”, afirma.  

Desmotivada e cansada de ver 70% de todo seu lucro indo para terceiros, ela resolveu dar a volta por cima e abrir seu próprio espaço. Mas para isso teria que vencer outro desafio: seus medos. “Eu sempre tive medo porque eu achava que não ia conseguir. Eu achava que todo mundo conseguia mas eu não, porque aquilo não era o meu mundo. Eles ganhavam muito mais, eram muito melhores. Éramos em quatro pessoas e apenas eu de negra e isso me fazia acreditar que não conseguiria”, ressalta Joice. 

Uma das dificuldades mais encontradas por empreendedores negros para iniciar seus negócios é a falta de incentivo e acesso a recursos governamentais para afroempreendedores. Em alguns casos, o que atrapalha o acesso a estes recursos é o histórico desse empreendedor. Em um país onde as desigualdades têm cor, fica cada vez mais difícil para eles desenvolverem seu negócio.

Ainda assim, Joice enfrentou os desafios, convidando sua prima Sibele Belmiro da Silva para ser sua sócia em um centro de estética. Sibele comenta que o início não foi nada fácil. Foram dias e dias à procura de um espaço, pouco dinheiro para investir e medo de não dar certo, já que muitas pessoas torciam contra. Mas finalmente as coisas se encaminhavam, e de forma surpreendente. 

“Passamos por dias difíceis. Mas como já tínhamos clientes que confiavam em nosso trabalho, decidimos encarar o desafio. Foram muitos os desejos de desistir, mas hoje vemos que tomamos a decisão certa”, explica Sibele.

“Passamos por dias difíceis. Mas como já tínhamos clientes que confiavam em nosso trabalho, decidimos encarar o desafio. Foram muitos os desejos de desistir, mas hoje vemos que tomamos a decisão certa", Sibele Belmiro da Silva, empreendedora. 

Hoje, um ano depois de abrir seu próprio negócio, as sócias comemoram as conquistas e pretendem se especializar em administração para que não sejam mais uma estatística no Brasil, mais um afroempreendedorismo que precisou fechar as portas por falta de incentivo governamental e má gestão dos negócios. “Ainda precisamos aprender muita coisa na área de gestão de empresa, pois já perdemos boas propostas de investimentos por ter essa dificuldade. Poderíamos ter crescido mais, mas precisamos negar por falta de conhecimento”, finaliza Sibele.

De empregado a dono do próprio negócio

Roger Ricardo Sebastião, de 39 anos, iniciou sua trajetória ainda jovem como estampador na empresa do tio. Cansado de ser empregado, ganhar menos, tomar calotes com empresas que fechavam as portas e não pagavam seus funcionários, decidiu dar um passo que seria um divisor de águas em sua vida.  “Foi muito difícil. Entendi que daquele jeito não daria e que eu precisava arrumar outro meio. Então comecei a trabalhar colocando papel de parede para diminuir os prejuízos”, destaca.

Após receber convite para uma sociedade entrando apenas com a mão de obra, Roger voltou a sentir uma outra dificuldade enfrentada por negros dentro de um racismo estrutural: ganhar a confiança dos que buscavam contratar seu trabalho. Sentindo a necessidade, ele precisou alterar sua imagem do perfil para que pudesse, ao menos, ter um contato inicial com seus clientes. “Comecei a perceber que alguns entravam em contato comigo pelo WhatsApp e quando chegavam na empresa logo perguntavam pelo patrão e quando eu falava que eu era o patrão eles arrumavam uma desculpa e saíam sem contratar meus serviços”, relata.

“Comecei a perceber que alguns entravam em contato comigo pelo WhatsApp e quando chegavam na empresa logo perguntavam pelo patrão e quando eu falava que eu era o patrão eles arrumavam uma desculpa e saíam sem contratar meus serviços”, Roger Ricardo Sebastião, empreendedor. 

Há dois anos Roger decidiu continuar seu trabalho sozinho e abriu seu negócio em um espaço em sua casa. Apostou em um nicho voltado para as minorias LGBTQIA+ racismo e registrou sua marca “Mãos que sangram” e sua estamparia “Artes nas mãos”, que iniciou com apenas R$ 500,00. Roger faz parte de uma realidade muito presente no mercado de empreendedores negros: a dificuldade para conseguir liberação de crédito. O Black Mondey constatou ainda que 40,4% dos entrevistados relataram problemas na concessão de empréstimos, seguido por 30,7% de racismo. Hoje, após 23 anos de luta para estar inserido no mercado, ele conseguiu perceber que todo o seu esforço foi reconhecido e comemora a insistência e perseverança.

Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

De artesã a doceira, Dayane Silva precisou se reinventar para vencer os desafios

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de julho de 2020, aponta que quatro entre 10 jovens negros não concluem o ensino médio e somam 71,7% dos que deixam a escola sem completar o ensino básico pela necessidade de trabalhar. Dayane Silva faz parte desta estatística. Empreendedora desde muito cedo, ela não concluiu o ensino fundamental, mas viu em suas mãos, no dom da arte, um meio de contribuir com a renda da casa. Aprendeu a costurar e criava acessórios, roupas e bonecos de pano que vendia de porta em porta.

Em 2017 surgiu a oportunidade de abrir uma loja física no Centro Comercial Pórtico. Com  pouco dinheiro, ela viajava para São Paulo e Paraguai para abastecer sua loja. Mas com um baixo valor de investimento, sem capital de giro e com muitos devedores, Dayane precisou fechar as portas no final de 2019 e voltar a vender de porta em porta. A falta de gestão é o principal motivo de falências de empresas no Brasil, segundo pesquisa do IBGE de janeiro de 2020.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, ela não desistiu de empreender. Montou em sua própria casa uma confeitaria e criou a empresa “Cozinhando com Amor”. Produz bolos, tortas, doces e salgados para festas e passou a vender apenas à vista e o negócio vem dando muito certo, apesar dos danos causados pela pandemia. “Hoje eu aprendi que é melhor não vender do que perder dinheiro e ter todo o meu trabalho prejudicado”, finaliza Dayane.

(*) Acadêmica de Jornalismo do Centro Universitário UniSatc, sob supervisão da professora Nadia Couto.

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