Principal cicatriz dos três anos e meio do governo de Carlos Moisés (Republicanos), o caso dos respiradores fantasmas – aqueles comprados por R$ 33 milhões pagos antecipadamente e nunca entregues – acaba voltando a ser uma incômoda ferida de tempos em tempos. Por mais que o governador e seus aliados tentem passar a ideia de que é irrelevante o tema que quase motivou a queda do governo, via impeachment, e a deterioração da popularidade de Moisés em 2020, o tema sempre volta. E, mais uma vez, com o governo sendo surpreendido com o que acontece sob seu nariz.
No início da noite de terça-feira, dois deputados estaduais oposicionistas – Bruno Souza (Novo) e Sargento Lima (Pl) – divulgavam em suas redes sociais o resultado da sindicância interna da Secretaria Estadual de Saúde que absolveu os servidores envolvidos na compra – com uma leve punição de 15 dias de suspensão para Márcia Pauli, ex-superintendente de Gestão Administrativa. Ela ficou notabilizada como a pessoa que “apertou o botão”. Bruno e Lima são dois dos mais contundentes adversários de Moisés no parlamento estadual e deram destaque à sindicância que pegou de surpresa o núcleo duro do governo. Entrevistado no Plenário Podcast na manhã desta quarta-feira, o deputado estadual do Novo verbalizou a seu estilo a crítica:
– Os servidores responsáveis por comprarem respiradores sem garantia, com orçamentos fraudados, sem publicarem no diário oficial, pagando antecipadamente. Estes servidores responsáveis por essa compra tiveram a incrível punição de: nada. Foram absolvidos. A única punição que aconteceu contra uma servidora foi 15 dias de suspensão e cabe recurso ainda. O Estado fez a compra mais atrapalhada, o mais escândalo que nós temos na política catarinense, eles receberam como punição: nada. Isso é punição? Olha a mensagem que é passada? Todo mundo pode pensar que pode fazer o que quiser porque no final uma sindicância vai livrar a cara de todo mundo – disse Bruno Souza.
Na carona dos parlamentares, o senador e pré-candidato a governador Jorginho Mello (Pl) também elevou o tom contra Moisés, futuro adversário nas urnas, justamente no dia em que assimilava a repercussão da entrevista do delegado Alexandre Saraiva, da Polícia Federal, que o acusou de integrar uma “bancada do crime” ambiental financiada por madeireiras na Amazônia. Enquanto prometia processar o delegado, Jorginho achou uma brecha para mudar o assunto, voltando ao tema dos respiradores fantasmas.
– Mais um escândalo na saúde estadual que é notícia nas páginas policiais. O governo do Estado não será punido pelo desvio de R$ 33 milhões na compra de respiradores fantasmas. Como assim? Quem não se lembra daquela história vergonhosa do dinheiro que sumiu do caixa do governo na aquisição dos aparelhos que deveriam ter chegado em 48 unidades de saúde e que foram intermediadas por um fornecedor cujo endereço era uma casa de massagens? É mais uma patifaria do atual governador que debocha da cara do catarinense – disse Jorginho.
O governo Moisés tem rebatido as críticas sobre a fraude dos respiradores fantasmas com uma página na internet em que diz que já tem R$ 38,1 milhões bloqueados dos empresários e empresas supostamente envolvidos no esquema. Repete também que economiza R$ 645 milhões anuais pela revisão de contratos, digitalização de processos e cortes na máquina. Uma forma de tentar minimizar a perda – ou o dinheiro retido até sabe-se lá quando. É um discurso arriscado.
Mas chama atenção que o governo continua a ser surpreendido por seus próprios atos. Os adversários tiveram acesso a sindicância interna e puderam apresentar primeiro a narrativa da impunidade. Formalmente, o julgamento administrativo do governo não é muito diferente do que apresentou o Ministério Público de Santa Catarina em sua denúncia e nem de como o juiz Elleston Canali, Vara Criminal da Região Metropolitana de Florianópolis, definiu ao separar com muita nitidez os processos envolvendo os empresários que formariam a quadrilha que aproveitou a pandemia para lesar os cofres públicos e as possíveis punições aos servidores enganados por eles, incluindo o ex-secretário Helton Zeferino.
Em resumo, com todo o respeito aos envolvidos, mas mais respeito ainda aos catarinenses, o juiz separou os espertos e os tansos. Os primeiros seriam os sete empresários que respondem por organização criminosa, estelionato, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro. A estes se espera, comprovadas as culpas, as penas maiores. Os tansos, mais uma vez, com todo respeito, são acusados de peculato culposo – ou seja, de cometerem erros administrativos que permitiram a ação da quadrilha de empresários, sem se beneficiarem. É, na prática, o que disse a sindicância. Os espertos ainda vão ser julgados. Os tansos vão sofrer com penas simbólicas e com a pecha.
Enquanto isso, ao governo Moisés, se não quiser entrar no time dos tansos no período eleitoral, é bom começar a parar de ser surpreendido com o que acontece na Secretaria Estadual de Saúde.
Leia a nota enviada pelo governo sobre o resultado da sindicância:
O Governo do Estado entende que as conclusões do Processo Administrativo e Disciplinar instaurado pela Secretaria da Saúde vão ao encontro da denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado sobre o caso, indicando que os catarinenses foram vítimas de um golpe aplicado por oportunistas de fora do governo, que se aproveitaram de um momento de fragilidade quando iniciava uma pandemia mundial com efeitos até então desconhecidos.
Os empresários foram denunciados pelo MPSC pelo crimes de organização criminosa, estelionato, falsificação de documento particular, falsidade ideológica, uso de documento falso e lavagem de dinheiro. Nenhum servidor foi denunciado por integrar organização criminosa, o que demonstra que a quadrilha estava fora do governo, o que foi confirmado agora na investigação interna da Secretaria da Saúde.