Você já ouviu alguém dizer que o bebê intraútero sente tudo o que a gestante sente?
Pois bem, venho te contar que isso não é bem verdade.
O que a gente sente, sente intimamente atravessado pela linguagem. É que é a linguagem que dá sentido para o sentir. Explico:
Uma gestante caminha por uma rua escura e, num dado momento, se assusta com um barulho que não identifica. Pensa: "será que serei assaltada?". Pelo corpo, uma descarga de adrenalina corre, chega à placenta, que faz chegar ao bebê.
Uma gestante chega em casa e, ao abrir a porta, toma um susto com o coro de "surpresa!" dito por pessoas amadas que, de tanto carinho, lhe organizaram um chá de bebê surpresa. Pelo corpo, uma descarga de adrenalina corre, chega à placenta, que faz chegar ao bebê.
Para a gestante, há uma grande distância entre o medo de ser assaltada e o cuidado de seus amados. Para o bebê, só há a descarga de adrenalina.
Não que isso seja pouco, nem também que seja muito. É, e só, uma condição do habitar o corpo de um outro.
Por outro lado, para este outro, ou melhor, para esta gestante, pode haver um segundo sentido: será que meu bebê sentiu o medo que senti? Será que meu bebê sofreu com meu susto? Será que eu falhei enquanto cuidadora deste serzinho que ainda nem nasceu?
Por fim, pergunto: a que serve afirmar que o bebê sente tudo que a pessoa gestante sente? Daqui, de onde vejo, parece que apenas para cultivar nela uma culpa inevitável, a culpa por ser alguém que sente e dá sentido.