Herdeiros de Ian Fleming estão autorizando a revisão de seus livros, permitindo a substituição de termos considerados ofensivos pelos novos e chatos tempos “politicamente corretos”. O assunto provocou intensos debates, muitos favoráveis e julgando a medida ainda tímida, e outros frontalmente contrários argumentado que essa era a visão da época e que alterações iriam comprometer a compreensão e análise de um período histórico. George Orwell, na visionária obra “1984” escrita no pós-guerra em 1949, já havia previsto isso. Fleming, autor dos livros sobre o agente 007, deve estar se revirando no túmulo. Mas isso não é novidade no mundo da arte. Biagio di Cesena, mestre de cerimônias do papa Paulo III, criticou severamente o Juízo Final, afirmando que os nus deveriam ser cobertos e que a obra-prima de Michelangelo na Capela Sistina era mais apropriada para banhos públicos e tavernas. O genial pintor se vingou, retratando Biagio no inferno com orelhas de burro e uma serpente ocultando sua nudez e mordendo a região correspondente ao pênis. Biagio se queixou ao papa Paulo III mas o pontífice se limitou a sorrir dizendo que sua jurisdição não se estendia até o inferno. Paulo III, da ilustre família Farnese, amante não só das artes (teve quatro filhos e dois netos foram nomeados cardeais), não iria permitir tal afronta ao grande artista, que inclusive fora encarregado da construção do magnífico Palácio Farnese, hoje sede da Embaixada da França em Roma.
E os afrescos permaneceram. Mas não por muito tempo. O Concílio de Trento e a contrarreforma trouxeram medidas extremamente conservadoras, reativando a inquisição e determinando regras nas produções artísticas. O papa Pio IV em 1559 promulgou o “Index Librorum Prohibitorum”, uma enorme relação de livros proibidos pela igreja católica. O papa também ordenou que o pintor Daniele da Volterra vestisse as “partes pudendas” do Juízo Final na Capela Sistina, alguns meses após a morte de Michelangelo. Daniele passou para a eternidade com a alcunha “Il Braghettone”, o “veste as calças”. Algumas esculturas anexas ao “Cortile della Pigna” no Vaticano tiveram seus pênis decepados. Muitas obras de arte tiveram os órgãos genitais cobertos, geralmente com folhas de figueiras.
E o Terceiro Reich protagonizou episódio semelhante. Em 10 de maio de 1933 os nazistas queimaram livros em Berlim. Heinrich Heine escreveu : “Isso é um aviso. Onde eles queimam livros logo estarão queimando pessoas”. E infelizmente esses tempos sombrios, eivados de preconceitos, intolerâncias e inverdades nas redes sociais, estão voltando.
Sugestões
- A Vida Sexual dos Papas, livro de Nigel Cawthorne
- Santos & Pecadores – História dos Papas, livro de Eamon Duffy
- Os capítulos “Os Segredos do Juízo Final” e “Um Mundo Transfigurado”, do livro “Os Segredos da Capela Sistina”, de Benjamin Blech e Roy Doliner