Oh que saudades que eu tenho,
Dos bondes de Porto Alegre,
Da aurora de minha vida,
Que os anos não trazem mais"
A pequena alteração dos versos de Casimiro de Abreu não poderia expressar melhor a minha paixão pelos bondes de Porto Alegre. O poeta, assim como grande número de escritores, músicos, pintores e escultores do período romântico do século XIX, morreu na mais tenra idade, aos 21 anos.
Aderbal Machado, no Portal 4oito, e Nei Manique, com o Idade Mídia, têm escrito excelentes artigos resgatando eventos históricos de nossa região ou lembrando fatos do passado. Como escritor diletante e neófito nas plataformas digitais, vou me inspirar e seguir o exemplo dos renomados colegas, começando porém pela capital gaúcha.
Cheguei em Porto Alegre em 1969, com 15 anos de idade. A minha convivência com os bondes foi fugaz, só 13 meses, mas deixou marcas indeléveis. Fiquei muito triste quando no dia 08 de março de 1970 os bondes circularam pela última vez.
Oriundo de uma cidade provinciana em direção à capital gaúcha, me assustei com as dimensões da metrópole. Me perdi várias vezes e o uso quase diário dos bondes foi a minha salvação. Ia de bonde para o Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, e costumava ir até aos pontos finais para conhecer a cidade. Passei a conhecer não só os distantes bairros de Teresópolis, Glória, Partenon, Petrópolis, IAPI e Auxiliadora, mas também os nomes das ruas e avenidas de Porto Alegre, que lembro até hoje. Quando comprei o meu primeiro “fusquinha”, já no final do curso de medicina, circulava por toda a cidade sem me perder, graças aos bondes.
E eles também me ensinaram na prática a lei da inércia, a primeira das três leis de Newton : “Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em um linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele”. Desci de em bonde em movimento e fiquei parado. Levei o maior tombo e machuquei o joelho. “Eta catarina chucro” do interior. Mas depois aprendi a lição, subindo e descendo dos bondes até em velocidades maiores, o que me permitia escapar dos cobradores quando faltavam os bilhetes do carnê mensal, comprados na Companhia Carris Porto Alegrense.
Minha mulher conversando com um motorneiro, que era o condutor do bonde, comentou que eu tinha andado muito de bonde. E ele prontamente respondeu: “Então pede para ele pagar as passagens que deixou de pagar”. Eles sabiam que as passagens às vezes terminavam antes do final do mês. Mas geralmente faziam vistas grossas.
Nos dias de jogos no Olímpico os bondes superlotavam e ao fazer a curva fechada da Av. da Azenha com a Carlos Barbosa, alguém que não tinha conseguido se segurar muito bem saía pela tangente. Mas felizmente eram só escoriações e esfoladuras, graças à baixa velocidade dos bondes.
É uma pena que Porto Alegre tenha resolvido se livrar dos bondes, procurando uma alternativa “mais moderna”. Importantes cidades ainda preservam os bondes, algumas ainda utilizando o velho modelo como Lisboa, São Francisco e Milão. Outras utilizam frotas mistas como Nápoles, Praga, Basileia, Viena e Friburgo, enquanto Zurique, Berna e Munique optaram por modernos bondes. Nas minhas viagens sempre procuro andar de bonde, uma recordação do meu já distante passado em Porto Alegre.