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No limite da emoção

Duelo de titãs

Por João Nassif 23/03/2020 - 08:10

Thiago Ávila *

Semestre passado concluí minha faculdade de jornalismo e também depois de muito trabalho finalizei meu TCC. Trabalho com um tema que não pude escolher outro senão algo relacionado ao automobilismo. De tanto pensar em assuntos, me veio em mente uma das maiores rivalidades da Formula 1: Niki Lauda vs. James Hunt.

Esse embate já havia sido mostrado nas telonas com o filme Rush – No limite da emoção, mas pensei em tratar de uma forma diferente, indo mais a fundo, pesquisando a rivalidade por outros olhares - em livros, documentários, jornais – pois todo aquele enredo de Hollywood, apesar de excelente, não me era tão convincente.

Corrida para a Glória, um livro de Tom Rubython, Clash of the Titans, uma série documental da BBC, e o próprio filme Rush foram as obras que me ajudaram a construir a pesquisa. Recomendo a todos os leitores a lerem e assistirem essas obras nessa quarentena.

Vamos então a história:
Um era austríaco, rabugento, frio, metódico. Outro era britânico, badboy, mulherengo, corria por hobby. O auge desse duelo se fez no ano de 1976, onde os dois finalmente tiveram condições iguais para lutar pelo título.

Niki Lauda corria pela Ferrari, era atual campeão. James Hunt tinha sido recém contratado pela McLaren, vindo da pequena Hesketh. O austríaco era o piloto do momento, era o nome a ser batido no grid. O britânico havia chegado com muitas ressalvas, como um piloto imaturo, que batia muitas vezes, apelidado de The Shunt (uma expressão inglesa que quer dizer acidente).

Mas ambos os pilotos desde a primeira corrida no Brasil se mostraram os principais nomes do campeonato. Hunt fez a pole, mas acabou tendo diversos problemas na prova, inclusive seu acidente na reta final da corrida e Lauda acabou levando a melhor.

Na Espanha, Hunt foi magistral e venceu de ponta a ponta, mas os fiscais desclassificaram o piloto da corrida porque as rodas estavam 1,8 centímetro acima das normas técnicas do regulamento, algo que claramente não influenciava no desempenho do carro, tanto que a Ferrari nem se queixou.

A escuderia italiana, de Lauda e Clay Regazzoni, saíram bem na frente no campeonato: Foram seis vitórias nas seis primeiras corridas. Hunt praticamente não existia no campeonato, era uma derrota acachapante: 51 x 6 para o austríaco em pontos.

Mas aí veio a remontada. Depois de ser prejudicado na Espanha, a McLaren foi forçada a reconstruir o carro do zero e demorou quatro corridas para recoloca-la entre as favoritas.

James voltou a fazer uma pole na França e venceu uma série de três corridas consecutivas, incluindo Silverstone e Alemanha. Além disso, a FIA julgou o recurso utilizado pelos britânicos e retornou à vitória na Espanha para Hunt.

Chegou o grande ápice da temporada, o GP da Alemanha, na temível pista de Nurburgring, o chamado de o ‘inferno verde’. Era a pista mais comprida do calendário, com 22 km de extensão, a volta mais rápida foi feita em 6min58s por Lauda. Uma pista de extrema velocidade em retas e curvas de todos os tipos, inclusive no anel norte, conhecida por ser a segunda área de maior acidentes fatais do automobilismo.

Logo na segunda volta da corrida, com a pista secando da forte chuva que cessara, Niki volta dos boxes com pneus de pista seca e perde o controle do carro na saída de um ‘S’. Em seguida é acertado por mais dois carros e seu carro entra em chamas. Um dos acidentes mais chocantes da história da F1. Por um milagre, o austríaco ainda saiu vivo.

Foi nesse período em que a rivalidade entre os dois se apertou. Lauda e Hunt eram muito amigos, algo diferente do que conta o filme. Segundo Niki, James foi o primeiro a ligar para o hospital para saber como ele estava. Mas Lauda sentiu que começava a perder espaço quando assistia da televisão, o britânico vencer o GP da Holanda.

Dois pontos apenas separavam os dois pilotos. O britânico, praticamente morto no início do campeonato, parecia mais vivo que Lauda (perdão pela analogia). Niki se viu forçado a sair do hospital, mesmo sem condições, e voltar as pistas, se não quisesse perder o campeonato.

Dois meses depois do acidente, Lauda estava de volta, para o GP da Itália. Nas vésperas da corrida, a Ferrari alegou que a McLaren utilizava gasolina irregular, o que levou alguns membros da equipe a ficarem presos por algumas horas. Hunt foi totalmente prejudicado por algo que era devidamente uma jogada dos italianos para levarem a melhor em casa.

Em sua volta, Lauda foi quarto, aplaudido de pé por todos por seu retorno fenomenal. Para piorar a situação de James, a sua vitória em Silverstone foi retirada após decisão judicial da FIA. O que foi alegado é que o piloto não fez o traçado correto para voltar aos boxes na corrida maluca que ocorreu. 

Depois de um acidente na largada envolvendo o piloto e Regazzoni, a prova foi refeita e o britânico deveria estar fora por conta do ocorrido. Mas pela pressão da torcida e da própria McLaren, o liberaram para correr. No fim, quebraram as regras, e a FIA foi forçada achar algum erro para puni-lo, e a tal “entrada errada nos boxes” foi o motivo.

Agora a distância era de 17 pontos, e com apenas três provas para o fim, era uma margem absurda para querer pensar em título. Hunt correu como nunca no Canadá e Estados Unidos, venceu as duas e diminuiu a distância para três pontos.

Nada melhor para um filme de Hollywood do que um desfecho com chuva. Foi assim que o GP do Japão foi disputado, caiu como uma luva para fazer o clímax de Rush. A corrida teve um atraso de três horas, os pilotos não queriam correr, as equipes pediam para cancelar a prova – com exceção da McLaren, claro – mas isso era algo inviável. Bernie Ecclestone, então presidente da FOM (Formula One Management), vendeu os direitos de transmissão para o mundo inteiro. Todos os olhos estavam atentos para assistir o duelo entre Lauda e Hunt.

Foi dada a largada, Lauda desistiu da corrida logo na primeira volta. Ele não estava capacitado para correr uma corrida toda na chuva intensa. Mais tarde, o próprio Lauda afirmou que nunca deveria ter voltado a correr naquele ano, não tinha condições e o risco de sofrer outro acidente era enorme.

Hunt estava com a prova e o título nas mãos, um terceiro lugar já bastava. Era líder, folgado o mais rápido da pista. Mas como todo bom filme de Hollywood, nunca um desfecho é tão fácil assim. A chuva tinha parado e pista estava secando. James começou a perder aderência por conta do desgaste dos pneus, ele não havia se tocado que precisava passar nas poças para manter a temperatura. Com muita demora, o britânico entrou nos boxes. Um erro tremendo de comunicação entre piloto e equipe quase destruiu as chances do título.

Hunt voltou em quinto, há três voltas do fim. Conseguiu ainda ultrapassar Regazzoni e Alan Jones e foi a terceiro.

No fim, o painel mostrava o piloto em quinto, ou seja, bye bye campeonato. E depois de alguns bons minutos, a direção de prova confirmou o terceiro lugar. Hunt foi campeão por apenas um ponto de vantagem. Lauda perdeu o título depois de 15 corridas na liderança.

Há quem diga que Niki foi derrotado por conta do acidente, há outros que Hunt ganhou mesmo tendo sido prejudicado múltiplas vezes. O que eu posso dizer é que foi uma rivalidade e tanto, e que às vezes é de se lamentar por pouco termos visto aqui no Brasil.

*Esse texto foi baseado nas obras Corrida para a Glória, de Tom Rubython e Clash of the Titans, da BBC

* Jornalista
 

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