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Após o caso de Criciúma, paraninfo é vaiado no RS

Poucas semanas depois da ocorrência na formatura de Direito da Unesc, situação semelhante foi registrada no Jornalismo da Unisinos

Por Denis Luciano São Leopoldo, RS, 09/03/2020 - 15:45 Atualizado em 09/03/2020 - 15:47
Professor Felipe Boff, da Unisinos / Divulgação
Professor Felipe Boff, da Unisinos / Divulgação

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O professor Felipe Boff subiu ao púlpito na noite de sábado, 7, para seu discurso aos formandos de Jornalismo, Comunicação Digital e Fotografia na Unisinos, Universidade de São Leopoldo, na Grande Porto Alegre. Mas a repercussão da sua fala não foi das mais positivas. Logo nas primeiras palavras, ele foi alvo de vaias e xingamentos.

"Me causou espanto. Foi uma reação autoritária e antidemocrática, justamente em se tratando de uma formatura do curso de Jornalismo e diante de um discurso que simplesmente defendia a liberdade de imprensa e o Jornalismo dos ataques vem sofrendo. Essa situação só mostrou que esse discurso, infelizmente, ainda é muito necessário”, disse Boff, em entrevista ao portal Extra Classe.

Ele começou o discurso dizendo "...a imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade". Nessa altura, já estava sendo alvo de reações de parte da plateia. Foi necessária uma escolta para a saída do professor do ambiente da colação de grau em segurança.

“Nós, professores, no contato com os estudantes temos notado que muitas famílias estão divididas no que se refere a posicionamentos políticos e de postura ante o papel da imprensa. O episódio de sábado foi a materialização disso”, complementou o professor, ao analisar o incidente. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjor/RS) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) emitiram nota conjunta: “Sindjor e Fenaj repudiam toda e qualquer forma de ataque à liberdade de expressão e de pensamento, ainda mais dentro de uma instituição de ensino. A ação ocorrida na Unisinos representa uma intimidação à atividade profissional e é condenável”.

Confira abaixo o discurso do professor Felipe Boff:

A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.
No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias.
Querem exemplos? "É só você fazer cocô dia sim, dia não." "Você está falando da tua mãe?" "Você tem uma cara de homossexual terrível." "Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai." É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos.
O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.”
Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF.
E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais. Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”.
Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”.
Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.
Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”.
Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”.
Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.

Na Unesc

Em Criciúma, o incidente foi registrado no último dia 15 quando a professora Janete Triches fez um discurso na mesma linha, de análise crítica do governo Jair Bolsonaro, recebendo reações negativas do público e até de formandos. Relembre clicando aqui.

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