No início da sessão do Tribunal Especial do Impeachment, na manhã desta sexta-feira (23), os advogados da acusação e da defesa tiveram 15 minutos cada para tentar convencer deputados e desembargadores de que sua posição era a correta sobre a equiparação salarial entre procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa. Nos discursos, a tônica da acusação foi de total ilegalidade do ato, enquanto as defesas sustentaram que não houve qualquer irregularidade por parte de Carlos Moisés da Silva e Daniela Reinehr.
Pela acusação, falou Péricles Prade; em defesa do governador Carlos Moisés, Marcos Probst; e em defesa da vice-governadora Daniela Reinehr, Ana Cristina Blasi.
Mandados inconstitucionais
O primeiro a falar, Péricles Prade, focou seus argumentos em questões técnicas, defendendo que a isonomia concedida foi ilegal, uma vez que, segundo ele, baseada em mandados de segurança que posteriormente foram considerados inconstitucionais.
“Supondo-se amparados, tanto o governador quanto a vice-governadora, no exercício da governança, que estariam os procuradores do Estado cobertos pela coisa julgada decorrente de dois mandados de segurança longevos, poderiam perfeitamente pleitear o recebimento de iguais subsídios”, afirmou Prade.
“Todavia, a ilegalidade é flagrante, porque posteriormente ao trânsito em julgado dos mandados de segurança, adveio a denominada inconstitucionalidade superveniente, ou a também tida como coisa julgada inconstitucional”, completou.
O advogado lembrou que, originalmente, o parágrafo 1º do artigo 39 da Constituição Federal e o artigo 196 da Constituição do Estado de Santa Catarina previam isonomia de vencimentos para cargos de natureza semelhante, mesmo em poderes diferentes. Essa autorização, no entanto, foi modificada pela emenda à Constituição Federal 19/1998, que diz que “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. A Constituição Estadual também foi emendada em 2004, vedando igualmente a isonomia.
“Tanto o governador quanto a vice-governadora cometeram infrações político-administrativas caracterizadoras de crime de responsabilidade, indiscutivelmente”, assegurou Péricles Prade.
Disputa política
O advogado do governador , Marcos Probst, deu um tom político ao debate. “É o primeiro governador do Brasil a ver-se diante de tribunal de impeachment, tendo como pano de fundo, na realidade, uma disputa política”, garantiu. “Ele preferiu otimizar a máquina pública a formar ampla e sólida base junto ao parlamento estadual. Pagou caro por isso”, afirmou Probst, para quem a decisão do Tribunal refletirá “o que se quer como sociedade”.
Probst lembrou que Carlos Moisés recebeu 72% dos votos no segundo turno das eleições de 2018 com a promessa de mudança e de adoção de um governo técnico. Segundo o advogado, o governador “extinguiu cargos em comissão, reviu contratos administrativos e diminuiu o custeio da máquina pública”, além de enfrentar “a maior crise de saúde pública da história recente com coragem”.
Para o defensor, as medidas restritivas impostas por Moisés no combate à pandemia desagradaram a uma parcela da sociedade. “(Moisés) Priorizou cuidar das pessoas, em detrimento da sua popularidade”, disse.
Marcos Probst rebateu as acusações. Garantiu que Carlos Moisés não autorizou qualquer despesa, apenas que fosse processado o pedido da Associação dos Procuradores do Estado de Santa Catarina (Aproesc), após parecer favorável da Procuradoria Geral do Estado (PGE). “Compete à PGE, por atribuição legal, a responsabilidade de mérito do pedido administrativo da Aproesc”, explicou.
Segundo o advogado, o pedido “foi analisado por 13 procuradores diferentes, todos de carreira, que o avalizaram”. Em defesa de Moisés, Probst disse ainda que nenhum órgão de controle interno ou externo recomendou conduta diversa. “E até o presente momento, o Judiciário não colocou por terra o que foi recomendado pela PGE ou disse que a PGE está errada”, destacou.
O defensor de Moisés apresentou análises de especialistas no assunto, entre eles o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso. Segundo Probst, Peluzo afirma, em seu parecer, que “não há materialização, tipicidade a justificar afastamento do governador e da vice”.
O advogado finalizou novamente dando um tom político ao processo. “O arquivamento do processo, além de medida de justiça, prestigia os valores constitucionais e valoriza aquilo que é tão caro à sociedade brasileira: o direito de escolha dos nossos governantes. Aqui está a se lidar com o estado democrático de direito. Por isso o arquivamento é medida que se impõe no caso concreto, e é isso que a defesa solicita”, concluiu.
“Arma nuclear constitucional”
A advogada Ana Cristina Blasi, defensora da vice-governadora, Daniela Reinehr, começou sua manifestação com uma frase de efeito. “O poder de destituir um presidente é uma arma nuclear constitucional que somente deve ser usada na mais grave emergência”. A citação é do norte-americano Ronald Dworkin quando do processo de impeachment do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
“Essa arma está apontada para Daniela Reinehr. Para disparar, há que se provar as ofensas autorizadoras. Esta arma está na mão de vossas excelências, senhores julgadores”, comparou Ana Blasi.
A defensora listou e rebateu as acusações. Sobre a primeira – de que a vice-governadora teria se omitido de sustar liminarmente o pagamento da verba quando soube, no exercício do cargo – Ana Blasi destacou que Daniela governou temporariamente Santa Catarina de 6 a 17 de janeiro. Segundo a advogada, no dia 15 de janeiro, Daniela recebeu ofício de que havia sido autorizado o pagamento aos procuradores. “Ela não sabia do que se tratava, mas oficiou ao secretário de administração sobre o caso. Dois dias depois ela entregou o cargo ao titular, sem saber qual foi a resposta da secretaria. A folha foi fechada em 21 de janeiro, quando ela não estava mais no exercício do cargo”, destacou.
Ana Blasi argumentou que a vice-governadora não tinha poderes para sustar o pagamento, que ainda está sendo discutido no Poder Judiciário. “Não se pode retirar verba alimentar da folha. Se tivesse tirado, teria cometido uma irregularidade”.
A segunda acusação, de que Daniela omitiu-se ao não se manifestar publicamente após entrevista do governador a respeito do pagamento, a advogada comparou a situação da vice com a de outras pessoas, incluindo ela própria. “Por que o deputado Kennedy Nunes, o deputado Sargento Lima, não se manifestaram?”, questionou. “Até eu mesma”, completou.
Sobre a acusação de Daniela supostamente encampou os atos de concessão de isonomia, Ana Blasi defendeu que ela apenas exerceu seu direito de defesa. “O exercício regular de um direito gera excludente de ilicitude, isso é básico no processo penal”, afirmou.
A defensora reiterou que Daniela foi “uma administradora responsável, pois mandou apurar”. “Eu mesma não faria diferente”, disse.
Ana Cristina Blasi concluiu sua fala reforçando sua visão de que não há justa causa para o afastamento da vice-governadora. “Há uma ausência total de elementos ensejadores de crime de responsabilidade. Não se pode fugir desta questão”, disse.
Ela também deu um tom político ao processo, desqualificando as acusações. “São frívolas e atentatórias à estabilidade do mandato conquistado pelo voto popular. Lembrando que 72% da população elegeu Moisés e Daniela. (Aprovar) O impeachment seria anular os votos de milhões de catarinenses”, afirmou. “Impeachment rompe processo natural, é trauma para a sociedade, para o Estado e para quem sofre o impeachment, que fica com ônus para o resto da vida”, finalizou.