O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o entrevistado desta terça-feira (22) na sequência da série Presidenciáveis, na qual são ouvidos os pré-candidatos à presidência da República. Ele participou do Programa Adelor Lessa e fizeram parte da conversa os jornalistas Adelor Lessa e Upiara Boschi.
Questionado sobre percorrer o Brasil na campanha, e criticado por ter poucas interações externas, Lula afirmou que estará no meio do povo. "O meu desejo agora é começar a andar. Eu fiquei muito tempo na Polícia Federal, quando eu saí só fiz um ato público, depois viajei a Roma para conversar com o Papa, fui a Genebra, fui na Alemanha, na Bélgica, França, Espanha e depois eu fiquei preso por causa da pandemia. Eu fui no Conselho Mundial de Igrejas, eu estou há dois anos, saí sábado para ir a Curitiba, fazer o ato da entrada do Requião no PT, depois fui a Londrina na inauguração de uma fábrica com os sem-terra, no acampamento, eu quero andar o Brasil", afirmou.
O ex-presidente não poupou críticas ao seu principal concorrente, o presidente Jair Bolsonaro (PL). "A eleição é democrática e eu vou andar na rua como sempre andei, e quem vai derrotar o Bolsonaro é o povo. O Bolsonaro perderá as eleições em Santa Catarina. Não perderá para o Lula, perderá para o povo de Santa Catarina que não quer um presidente negacionista, que conta sete mentiras por dia, que não discute com a sociedade, que não conversa com sindicatos, mulheres, negros, índios, empresários, ele não conversa com ninguém, vive nas suas mentiras com seus filhos vendendo fake news todos os dias", destacou.
Assista o vídeo completo da entrevista:
A polarização
Questionado sobre a polarização política do Brasil, Lula amenizou as dissenções. "Toda e qualquer política tem polarização. O Figueirense quando vai jogar com o Criciúma tem polarização. Não pode imaginar que na França, nos Estados Unidos não tem eleição sem polarização. A própria eleição, por ter mais de um partido, já é polarizada, sobretudo quando tem dois candidatos na frente nas pesquisas", registrou.
"É preciso parar de achar que essa bobagem que a polarização é ruim. A polarização mostra que as pessoas estão vivas. Eu preferia a polarização que eu tinha com o PSDB, o Fernando Henrique, o Alckmin, era um debate mais democrático. O fato de ser o Bolsonaro facilita a nossa vida pois queremos acabar com o facismo, precisamos que o Bolsonaro saia do governo para reconstruir a democracia, a economia", completou. "Será uma eleição polarizada, quente, tem gente que está procurando uma terceira, quarta, quinta via. Para mim não tem preocupação. Nós temos condições de fazer com que o povo brasileiro retome a governança e que a gente possa restituir a democracia", emendou.
Em alguns momentos, Lula se tratou como um candidato indefinido ainda, na dependência de diálogos entre partidos e apoiadores. "Eu vou anunciar a chapa que a gente vai reconstruir, os partidos que estarão conosco, e assim o jogo vai começar. E quando o jogo começar eu espero que seja uma eleição polarizada do ponto de vista do debate econômico, político, social, o que conta na política é a gente discutir de verdade os problemas que afligem o povo e para os problemas que apontamos para o Brasil".
O Brasil mudou
Indagado a respeito das mudanças do Brasil e do Mundo de 2010, quando ele deixou a presidência, para cá, Lula criticou o atual modelo em relação aos trabalhadores. "O mundo novo criou condições piores de empregabilidade, destruiu parte do que fizemos pela educação brasileira, tem menos salário no bolso do povo trabalhador, a renda per capita tem caído muito. Os empregos são intermitentes, não garantem segurança. Quando eu falo do passado, é preciso ter em conta que eu quero mostrar que esse país pode ser melhor do que é, pode gerar mais empregos e renda, pode trazer mais felicidade para o povo. A gente não pode aceitar a situação que foi criada, de desmonte dos direitos trabalhistas desde 1943, a gente não pode aceitar que o desmonte da CLT foi benefício para o trabalhador", afirmou.
Para o ex-presidente, o que aumentou nos últimos anos foi o aumento do emprego sem garantias. "E sem seguridade social, o trabalhador que trabalha em aplicativo é quase que um cidadão sem direito algum. Se ele der sorte de trabalhar ele ganha, se o carro quebra ele está lascado, se a bicicleta tomba, se a moto tomba ele está sem direito, não tem seguridade social, não tem auxílio doença, não tem descanso semanal remunerado. Que trabalho é esse? Para onde estamos indo? Estamos indo para um retrocesso histórico. As pessoas, de forma mais moderna, estão trabalhando sem garantias que nós tínhamos por décadas de luta da classe trabalhadora brasileira", apontou.
A política econômica
Lula lembrou o que fez na redução do endividamento e no crescimento da capacidade de investimentos do Brasil. "Quando eu cheguei na presidência, o Brasil tinha alta dívida, não tinha reservas internacionais, o que fizemos? Pagamos a dívida externa, dividimos a dívida de 65 para 32% do PIB, emprestamos R$ 15 bi para o FMI, fizemos uma alta reserva e a maior política de inclusão social da história, aumentamos o salário mínimo em 74% e geramos 22 milhões de empregos, demos crédito farto para a agricultura familiar, legalizamos 6 milhões de micro e pequenas empresas, aumentamos a quantidade de contribuintes com a Previdência, que ficou superavitária em 2014", comentou.
E aproveitou a questão habitacional para criticar Bolsonaro. "Fizemos 6 mil casas. Pergunta se o Bolsonaro fez ao menos um chalé, um quarto. Efetivamente nós governamos pensando nas cidades, nos estados. A minha parceria com o governo de SC era muito forte, com o Luiz Henrique. A gente não governa se não estiver conversando com as cidades e o Governo do Estado. Aí esteve a inovação do país", frisou Lula. "Que o Brasil fosse respeitado pelos Estados Unidos, pela China e por toda a União Europeia. Que o Brasil fosse líder na América Latina tentando ajudar. O Brasil não falava grosso com a Bolívia e fino com os Estados Unidos, falava igual com todo mundo. É esse país que eu quero reconstruir, de igualdade e esperança", emendou.
Como superar a marca da corrupção
Como descolar do PT e dele próprio a marca da corrupção? "Eu estou tranquilo pois isso foi revertido. A Justiça reconheceu que foi tudo uma farsa. Quem tem que estar preocupado é quem contou as mentiras contra mim, que terá que se explicar". respondeu. "Os meios de comunicação que divulgaram fartamente as mentidas contadas contra mim, eles terão que recontar. Porque um setor da imprensa não admite que sou inocente? Passaram cinco anos contando a mentira que contaram pra eles e ficam com vergonha de voltar atrás, quando pedir desculpas é um ato de grandeza. A palavra desculpa engrandece as pessoas, se a imprensa foi induzida a divulgar mentiras contadas por quem me acusou, e agora você tem do ponto de vista da Justiça a minha inocência, não custa nada dizer isso, mas tem gente que tem dificuldades", refletiu.
O ex-presidente lembrou até de ex-presidentes para apontar o que chamou de injustiças contra si. "As acusações, o tempo vai se encarregar de provar. O Juscelino foi acusado de ter um apartamento no Rio, nunca provaram, o Getúlio se matou por denúncias de corrupção, e nunca se provou nada contra ele. O meu governo, que mais fez leis contra corrupção, nós que criamos a delação premiada, fizemos tudo para ser investigados, no nosso governo não tinha tapete, as coisas não eram escondidas, qualquer coisa era apurada", respondeu.
Lula voltou a criticar o governo atual, citando a falta de investigações sobre denúncias de corrupção. "O que acontece agora? As denúncias são engavetadas, ninguém investiga, é só ver o Bolsonaro e a família dele para ver o que está acontecendo, ninguém até agora foi investigado por rachadinha, quadrilha da compra de vacinas. Quando você não permite a investigação vai dizer que não tem corruptos no meu governo. É só investigar para ver o que vai acontecer nesse e em qualquer governo", disse.
Regulação da mídia
Quando a sua antiga relação com a Rede Globo, considerada conflituosa, foi colocada em pauta, Lula respondeu que é "um homem de paz". "Eu não tive relação conflituosa com a Globo nem com ninguém, eu tenho questões pontuais de conteúdo. Eu sou um homem de paz. Se eu pudesse, pediria para a imprensa informar corretamente, independente da posição política da rádio, do jornal, da TV. Se quiser fazer uma crítica contundente ao governo, que faça no editorial, mas que diga a verdade. É o que devemos consolidar nos meios de comunicação. Eu tenho muito respeito à liberdade de imprensa, pois eu sou resultado da liberdade de imprensa", afirmou.
E voltou a um tema que gosta, a regulação da mídia. "Em algum momento haverá regulamentação da TV, da internet. Não vai regular jornal, revista, agora quando você tem a internet funcionando com tanta fake news, eu não entendo, não sei como regular, mas em algum momento a sociedade terá que regular. Quando eu era presidente, fizemos um seminário, participaram mais de 3 mil pessoas de todo o Brasil, apresentamos uma proposta, a presidenta Dilma, não mandamos para o Congresso pois estava terminando o meu governo e eu achava que era o novo governo que deveria fazer o debate. Não deram entrada no processo, em algum momento haverá o debate para tentar restabelecer a imprensa livre de verdade no país", sublinhou.
Relação com o Centrão
Lula admitiu que não há como governar sem se relacionar com o Centrão no Congresso Nacional. "Eu digo sempre que o Centrão não é um partido. O Centrão é um conjunto de partidos políticos que se juntam para tentar apoiar o governo de acordo com aquilo que pensa o governo. Ninguém consegue governar sem maioria no Congresso, para votar nos projetos de interesse do governo e da sociedade brasileira", respondeu. "O Centrão foi criado na Constituição de 88, eu lembro dos deputados Fiúza, Roberto Cardoso Alves, para tentar evitar os avanços da esquerda. A partir daí o Centrão se organiza sempre e qualquer presidente tem que conversar com essas pessoas, independente de gostar ou não, por causa dos projetos de interesse do povo, da indústria, do sindicalismo. Não tem como não conversar", completou.
E o ex-presidente criticou o desempenho atual do Congresso e a relação com o Executivo. "O que não dá é ver o Congresso funcionando como está hoje, independente do papel do presidente. Eu e qualquer pessoa que ganhar as eleições terá que conversar com deputados e senadores eleitos. A gente não conversa com suplentes, a gente é obrigado a conversar com os eleitos. Se você for a Brasília hoje discutir um problema que interessa ao povo de Criciúma, você não vai conversar com o deputado ou o senador que você gosta, você vai conversar com o cara que tem mandato, independente do pensamento ideológico, assim funciona a democracia", disse.
Preço da gasolina
Lula lembrou que nos seus governos havia política de preços para combustíveis. "Antigamente havia mais necessidade de importação do petróleo pois não havia autossuficiência como hoje. O que eu digo é que os preços têm que ser nacionalizados, não existe razão para que a gente tenha preço da gasolina dolarizado, o preço do diesel, do gás. Quando se distruiu a BR em nome do desenvolvimento, vamos repartir a BR em muitas empresas, a concorrência vai diminuir o preço. Destruiu-se a BR e hoje temos 392 empresas imporando gasolina a preço de dólar dos Estados Unidos quando a nossa gasolina é produzida em reais", afirmou.
Ele foi além, apontando a necessidade de "o preço da gasolina ser em real". "E pelo custo real, o Brasil depois do pré-sal, é autossuficiente, até então quando eu deixei o governo a gente estava fazendo uma refinaria no Maranhão, uma no Ceará, fizemos uma no Rio Grande do Norte, uma em Pernambuco que foi terminada em 2017, 2018, a refinaria no Rio de Janeiro, era preciso que a gente dotasse o Brasil de capacidade de refino. Hoje o Brasil está com capacidade de refino de 90% pois não tem refinaria. Tem que construir mais refinarias, que levam de 5 a 7 anos para serem construídas", observou.
Lula prometeu "abrasileirar a Petrobras". "O povo que compra comida em real vai ter que comprar gasolina em preço de dólar pois o Brasil abriu mão da sua soberania, está destruindo a Petrobras, toda a política da Petrobras é para ter lucro, não para fazer investimentos, mas lucro para dividir entre os acionistas de Nova York. Enquanto a gente enriquece os acionistas a gente empobrece os brasileiros. Quando a gente ganhar a eleição, vamos abrasileirar os preços da Petrobras", garantiu.
Ucrânia e fertilizantes
Ele mencionou, ainda, a guerra na Ucrânia, citando a necessidade de o Brasil produzir fertilizantes em quantidade suficiente para não depender do mercado externo. "Sobre os fertilizantes, estão dizendo que estão caros por causa da guerra na Ucrânia. O Brasil poderia ser autossuficiente em fertilizantes, pois é o terceiro produtor de alimentos do Mundo, o Brasil pode produzir aqui os fertilizantes, fecharam fábricas que a gente abriu no Paraná, em Sergipe, na Bahia. A fábrica de amônia que estávamos fazendo, eles paralisaram, numa demonstração de irresponsabilidade total", observou.
Para Lula, é possível uma autossuficiência nacional em fertilizantes. "O Brasil tem que ser autossuficiente em fertilizantes, a gente não tem que ficar importando nem da Rússia, nem da China, nem da Ucrânia. É triste você ter um governo que não pensa na soberania nacional, que só trabalha pensando na dependência, isso não faz uma Nação ser grande. O que faz uma Nação ser grande é a capacidade de sonhar do seu povo", salientou.
A aproximação com Alckmin
Lula comentou sobre os recentes movimentos de aproximação com o ex-governador Geraldo Alckmin para uma possível composição de chapa. "O Alckmin foi governador de São Paulo, vice do Mário Covas de 94 a 98, foi vice de 98 a 2000 daí o Covas morreu, ele assumiu e depois teve vários mandatos. É uma pessoa de muita experiência política. Nós fomos adversários, o fato de ser adversário não significa ser inimigo, você pode construir interesses programáticos juntos. O Alckmin parece que vai entrar no dia 23 no PSB e eu ainda não decidi a minha candidatura", relatou.
O presidente disse que está convencido de que será possível formar uma chapa com bons resultados. "Quando ele se filiar e eu me decidir, os partidos vão conversar. Eu estou convencido que se a gente construir, será um benefício muito grande para o país. Os partidos terão que conversar, eu vou ter que sentar com o Alckmin, tem muita gente se colocando candidato, tem muita gente que muda de posição, tem essa janela política, muita gente trocando de partido. Se o Alckmin for o meu vice, eu penso que será um benefício para o Brasil e faremos um grande governo se ganharmos as eleições", disse.
Investimentos em outros países
Lula foi lembrado sobre uma crítica permanente que enfrentou em seus governos, sobre investimentos que os governos do PT fizeram em outros países. "O Brasil não seria o que é se não tivessem havido investimentos estrangeiros no Brasil no começo do século. Teve muitos investimentos em ferrovia, transporte marítimo, no setor elétrico, houve muito investimento estrangeiro financiado por bancos estrangeiros. É normal e é saudável. O Brasil é o único país do Mundo que, quando a gente decide fazer um empréstimo a um país para um investimento, esse país é obrigado a contratar uma empresa brasileira, daí a gente começa a exportar serviços e engenharia", argumentou.
Na defesa da pauta, Lula frisou que os investimentos externos trouxeram divisas para o Brasil. "O porto de Mariel em Cuba gerou ao Brasil 900 milhões de dólares em compras no Brasil. O metrô na Venezuela começou com Fernando Henrique Cardoso, e começou corretamente. É esse o papel do banco de investimentos, empresta dinheiro para o desenvolvimento. O Brasil empresta dinheiro com a obrigação de contratar empresa brasileira, para exportar serviço do Brasil. Achar que é ruim é pura ignorância ou falta de informação. A gente não está tirando dinheiro do Brasil para aplicar lá, é dinheiro emprestado com aplicação de juros. Se faltar dinheiro para o Brasil, tudo bem, mas é dinheiro que a empresa brasileira não quer tomar emprestado. Quando investimos em Angola, temos garantia de que vamos receber por conta do petróleo de Angola", referiu.
Moro, Bolsonaro e os debates
Questionado sobre o que perguntaria para Sérgio Moro e Jair Bolsonaro em debates, tangenciou. "Vamos esperar a campanha começar. Eu não sei sequer como serão desenhados os debates nesse momento histórico. Aqueles debates como eram, eram muito chatos. Eu passo 20 minutos parado, depois eu volto, não é possível assim. Tem que ser mais dinâmico, eu não posso fazer uma pergunta de 1 minuto e ficar 20 minutos olhando os outros falarem. É preciso achar uma fórmula mais contundente, para despertar mais interesse e participação da sociedade. Os debates são importantes para analisar os candidatos, mas como fazer um debate com 10 candidatos?", respondeu.
O PT em Santa Catarina
Lula lembrou que foi crítico de colegas do PT pelo enfraquecimento do partido em Santa Catarina. "Eu já tive uma oportunidade de fazer uma crítica aos companheiros do PT, o PT foi forte em Santa Catarina, ganhou em Joinville, Blumenau, Criciúma com o Décio Góes eleito em 2000, o partido ganhou muita força, governou Chapecó com o Fritsch, depois o PT teve muitos problemas internos, muita disputa política entre correntes políticas, o PT muitas vezes se dividia pois queria apoiar o Luiz Henrique, o PT devia ter feito parte do governo Luiz Henrique, não fez e foi um erro. Pagamos não pela competência dos adversários, mas por erros que cometemos", argumentou.
"Devemos perguntar porque o PT não ganhou o Estado, porque a Ideli não foi candidata à reeleição ao Senado, abrimos mão em momentos importantes para fazer o PT crescer, teve muita disputa interna, essa disputa interna fracionou o partido. Uma coisa é impor campanha com todos unificados, com garra, outra coisa é criar grupos, um pensando de um jeito, outro pensando de outro", resgatou.
Ouça a íntegra da entrevista no podcast:
Já falaram na sequência de entrevistas os pré-candidatos André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB), Sérgio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT), Luiz Felipe D´Ávila (Novo), João Doria e Eduardo Leite (PSDB).